O restaurante era um bom restaurante. Localizado numa zona central e privilegiada de Lisboa. Cozinha predominantemente italiana – a nacionalidade do (jovem) dono (na casa dos 30). Com uma óptima relação qualidade/preço. E um serviço bastante eficiente. E que, por isso, estava frequentemente lotado. Quer ao almoço, quer ao jantar. Tinha aberto em meados de 2004. E encerrou portas na última semana de Setembro.
Por esta descrição, o leitor não ficará surpreendido se lhe disser que era cliente habitual deste restaurante. Uma frequência semanal, pelo menos, em média… O que me levou a conhecer quer os empregados, quer o proprietário. E foi assim que, no início de Setembro, conversa puxa con-versa, o tema versou (naturalmente, digo eu) sobre as eleições que estavam à porta. E foi então que L. me atirou: “Ó Dr. veja lá se contribui para mudar isto!... Agora, para mim, já pouco inte-ressa, mas como as coisas funcionam neste país, nada pode avançar. Ao mesmo nível de Portu-gal, só mesmo o meu país, a Itália!...”. E para ele as coisas já pouco interessavam porque tinha resolvido ir-se embora, encerrar o restaurante em Portugal e abrir, com outro sócio, um estabe-lecimento no Reino Unido. Fui completamente apanhado de surpresa. E, claro, quis saber por-quê. “Ó Dr., abri o L. (o estabelecimento tinha o seu nome) em 2004 e, desde então [isto é, qua-se 5 anos depois!...], acredita que ainda não consegui obter o licenciamento do restaurante?!...”.
E relatou-me, então, as intermináveis diligências junto dos serviços e dos responsáveis da Câma-ra de Lisboa (CML), os incontáveis periódicos pedidos de licenciamento, as promessas feitas e nunca cumpridas, todo um rol de situações capazes de fazer perder a paciência a um santo... Claro que qualquer pedido entregue na CML funcionava como comprovativo perante a fiscaliza-ção – mas na verdade não substitui a autorização que nunca lhe chegou… O que o poderia dei-xar à mercê de qualquer fiscalização, digamos, excessivamente zelosa.
Como diz o povo, “não mata mas mói”. Cansa. Desespera. E por isso, mesmo depois de (muitos) contactos ao nível dos responsáveis da vereação da CML – incluindo o Presidente – e mesmo perante (novas) promessas de resolução rápida do problema, logo que a oportunidade surgiu, L. decidiu-se por abandonar o nosso país. Em parceria com outro investidor, está já em Londres a tratar da abertura de um restaurante. Onde, estou certo, não se deparará com as dificuldades que encontrou em Lisboa.
É dramático que assim seja. Porque estou certo que este caso não será único – muito pelo con-trário. Definitivamente, constituímos um case study de como afugentar investidores…
Diga lá, caro leitor: se quisesse iniciar um projecto de investimento, instalar-se-ia em Portu-gal?!...
Nota: Este texto constitui uma versão editada do artigo pubicado no Sábado, Outubro 17, 2009, no semaná-rio Sol.
Sim, instalar-me-ia na minha terra e, quando o fiscal visitasse o restaurante para o (não) licenciar e me dissesse (como conheço 1 caso) que não passava ainda a licença porque a tomada electrica tem de observar uma altura regulamentar e aquela estava 5 cm abaixo, pedia-lhe para esperar um momentinho, ia procurar um martelo, pegava-lhe na "mãozinha" e pedia-lhe, cordialmente para esticar o dedinho fiscalizador e apontar com precisão o local onde deveria estar aplicada a tomada, depois... pode imaginar fácilmente qual seria a função do martelo.
ResponderEliminarIsto tambem não anda porque a malta é de brandos costumes e, prefere dar uma "gorja" ao fiscal para ele assinar o papelucho, que dobrar as mangas da camisa e mostrar aos "bichos-papões" que ainda nos corre nas veias o sange lusitano... apesar de tantas globalizações.
Aleluia! Até que enfim que é publicado um post em que os parágrafos são separados por um espaço. A vista agradece...
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ResponderEliminarBem aparecido, Caro Dr. Miguel Frasquilho!
ResponderEliminarCorrija-me se estiver errado: Há algum tempo atrás passou no telejornal (estou a tentar procurar na net qualquer coisa parecida) uma estatística em que Portugal figurava como um dos países da Europa em que a criação de uma empresa é das mais rápidas, ficando à frente de países como o Reino Unido.
Estou errado?...
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ResponderEliminarCAro Paulo,
ResponderEliminarNão era uma estatística dessas.
Uma história boa, para ajudar à missa (ou será ao enterro?):
ResponderEliminarHá 14 anos quis construir uma fábrica num parque industrial novo (fui dos primeiros a ir para lá). A área da fábrica ocupava 3 lotes e a Câmara local vendeu-mos para o efeito pretendido. Em devido tempo a mesma Câmara mais o Ministério da Indústria licenciaram a obra com todos os matadores e ela fez-se. Dez anos volvidos, por razões que não vêm ao caso, houve necessidade de hipotecar o edifício fabril. Mas - ó surpresa - não podia ser porque o edifício registalmente não existia nem podia existir: tinha sido construído sobre três lotes e o Plano de Pormenor, ou lá o que era, para a zona, apenas admitia uma construção por lote. Que nada, disse eu num assomo de ingenuidade – a Câmara altera o Plano. As luminárias que me atenderam explicaram-me com condescendência que não era assim – o Plano só podia ser alterado passados dez anos sobre a última aprovação. Signifiquei aos senhores que, sem hipoteca, a empresa talvez fosse pelo cano e com ela os 50 trabalhadores que, numa visão de esquerda, lá exploro com afinco. O senhor Presidente, inteirado dos factos, coçou dubitativamente a cabeça e confessou não saber como resolver o problema, explicando en passant que de toda a maneira havia sido a Câmara anterior que havia arranjado a embrulhada. O meu advogado esclareceu-me que, com uma acção, talvez a coisa se resolvesse daí a uns anos ... mas na altura a perspectiva de sobrevivência da empresa era de meses. Quem tiver chegado até aqui que sossegue o coração sobressaltado: o banco aceitou a hipoteca dos três lotes como se lá não houvesse edifício (gastei apenas dois meses de persuasão) e a empresa ainda existe, embora um pouco debilitada, coitadinha.
Epílogo: Um nosso grande poeta disse: Deus quer, o Homem sonha, a obra nasce. Eu acrescento: Desde que não seja em Fafe, Portugal.
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ResponderEliminarBem, se isso não lhe chega...
ResponderEliminarÉ um afinco proibitivo
ResponderEliminarpor tudo e por nada,
o discurso defectivo
é de uma luz tisnada.
Os anos quase faustosos
passaram-nos à distância,
em discursos aparatosos
borrifados por jactância.
Por fim, se me permitem a repetição de um comentário a um post do Dr. Tavares Moreira, aqui fica o epílogo:
Tanta poeira é levantada
neste regime brincalhão,
esta política disparatada
trucida o pobre mexilhão!
Dr Miguel Frasquilho
ResponderEliminarÉ com alguma surpresa que li o seu post. Não tanto pelo conteúdo, ( que já lá iremos) mas pelo facto de V.Exa desconhecer a situação nacional no que à capacidade de atracção de investimento estrangeiro se refere. Surpreende-me porque V.Exa foi responsável num governo da républica e, se bem que tenha sido numa área lateral, supunha que lhe tivessem posto a par da situação.
É verdade, em termos de capacidade de atracção de investimento estrangeiro estamos ao mesmo nível de Itália. O que nos diferencia são os seguintes elementos:
a) Somos mais pequenos, parece-me óbvio.
b) Estamos abertos a conseguir um grande investimento cada cinco anos. Em Itália não, há mais de dez anos que não se verificam investimentos estruturante e de raiz em Itália, por empresas estrangeiras.
c) Seguimos uma estratégia de atracção que, ao cabo de 15 anos, nos granjeou a fama de sermos os "homens" dos alemães. Existe, em Itália, uma relação ambivalente com a mencionada nação.
( Quando a Autoeuropa sair, teremos a nossa-merecida-epifania).
Conhece a parábola do sapo mergulhado em água quente ou progressivamente aquecido,no primeiro caso nota, no segundo não.
Estamos nessa situação, não notamos (no que ao investimento estrangeiro se refere) a água quente ( que neste caso é, por um lado a regulamentação excessiva, abusiva e sem sentido e, por outro, a tramitação processual completamente arcaica e injustificada.)
Para a próxima vez, quando reflectir sobre o investimento estrangeiro e porque não somos competitivos, recorde-se da "estória" que apresentou. Porque o investimento estrangeiro não é apenas aqueles (poucos) que são capa de jornais, é também o pequeno e o médio; a Irlanda assenta o sucesso na atractividade para todos os tipos, em especial este dois ultimos que menciono.
Esqueça os argumentos pios que lhe tentam "vender":
que somos pouco competitivos nos salários; estamos no meio da tabela europeia;
que somos pouco competitivos na produtividade; também estamos no meio da tabela
que somos muito rígidos na contratação laboral; somos parecidos com quase meia europa;
que temos horários pouco flexíveis; na Grécia, por exemplo, não é diferente;
Estes argumentos são importantes? Claro que são, mas obnubilam a outra parte escondida que a sua "estória" ilustra: a insegurança que se transmite, a irracionalidade que se demonstra, a inutilidade que se pratica.
Ponha-se na pele de um investidor: têm um pedido de licença, mas não tem a autorização, procedeu da forma adequada, mas não obteve os resultados que são anunciados, repete "ad eternum" os mesmos procedimentos vezes sem conta, criando a sensação que é inútil todo o trabalho anterior.
O Post já vai longo e não vale a pena servir de apoio a uma psicanálise nacional, atrasada de 35 anos, quero apenas dar-lhe três exmplos:
a) Na década de 60/70 do século passado um hote demorava três dias a ser aprovado, hoje demora dois a quatro anos, antes havia segurança, hoje não;
b) O segundo exemplo é exactamente o que apresentado por JMG, estamos perante um exemplo acabado de irracionalidade, ora na nossa vida pessoal não nos admitem, nem admitimos a irracionalidade, porque vamos admitir na esfera da regulamentação e tramitação pública?;
c) Se voçê quer construir uma nave industrial, tem que apresentar, na autarquia, o projecto em triplicado; aguardar pela autorização, aguardar pela inspecção para ser autorizado, repetir o processo as vezes necessárias que existir alterações,(seja elas suas ou impostas pela inspecção).
Diga-me se não é mais seguro, comunicar que vai construir uma nave, juntar os elementos essenciais, ser inspeccionado a meio da obra e no final; terminada a obra entrega o projecto final como ficou?
Um última "perspectiva" para quem foi governante: a relação funcionário inspector e funcionário que tramita e controla o processo é +/- 1/4, por outras palavras, existe um inspector para cada 4 funcionários de "back offfice"!!???
Cumprimentos
joão
Por acaso abri um estabelecimento em Lisboa no ano de 2006, que já não tenho porque entretanto cedi a minha quota, sem licenciamento porque na C.M.L. ao que julgo saber disseram que era mesmo assim, para abrirmos desde que o pedido de licenciamento tivesse dado entrada nos serviços municipais ninguém multava. Até forneceram as fotocópias do pedido. Posteriormente numa fiscalização, um polícia solicitou se podia tirar uma fotocópia da fotocópia, sem ter passado qualquer coima. Mais tarde cedi quotas, mas tomei conhecimento que a fiscalização para licenciar o estabelecimento foi efectuada pelos serviços municipais antes do último Verão, imaginem o que seria manter 3 anos encerrado à espera do dito, acontece que alguns pormenores não estavam conforme a exigência, embora observassem os requisitos à data do pedido, o qual estava conforme um projecto devidamente assinado por um arquitecto responsável, que foi agora entretanto novamente chamado para alterar os tais pormenores, todos insignificantes, diga-se, tão insignificantes que alteração ao projecto e obra foram efectuados em 30 dias. Já foi entretanto efectuada a fiscalização, o estabelecimento aguarda que seja emitida licença, espera-se que não demore...
ResponderEliminarOlha o Wegie...
ResponderEliminarSempre bem informado e atento...
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