Não é de hoje. Apesar de a teoria da separação de poderes aparecer desde o princípio do século XIX como um dogma, no final desse século já existia quem entendesse que os mecanismos de limitação interna do poder nos sistemas políticos se revelavam insuficientes para promover a igualdade relativa que a democracia pressupõe, para obstar à corrupção ou à asfixia de uma força política sobre todas as outras de modo a perpetuar o seu domínio.
As respostas encontradas pelos cientistas políticos no vasto doutrinário impresso no final do século passado, acentuam, todas quase sem excepção, a essencialidade de um controlo externo, protagonizado pela sociedade civil. No final do século passado variaram os modelos propostos - o neocorporativismo de Hirst, a democracia participativa de Bobbio, a democracia associativa de Cohen ou a democracia deliberativa de Habermas. Mas todos estes e outros grandes pensadores associam o combate ao abuso do poder, o reforço da democracia e a afirmação do Estado de Direito, à necessidade de uma maior participação dos cidadãos, não exclusivamente mediada pelos partidos políticos e pelos meios de comunicação social que são hoje, inequivocamente, centros de um poder que carece tanto de limitação e de controlo como o poder político tradicional.
Olhando para o que se passa actualmente, em especial no País e na Europa, e revisitando algumas das obras da ciência política do final do século XX, resulta mais clara e imperiosa a necessidade de um sistema político em que a sociedade civil seja forte e participativa, que contrabalance o asfixiante avanço do Estado e que recupere e reafirme alguns valores e princípios, designadamente, alguns direitos fundamentais dos indivíduos. Uma nova república, portanto.
http://www.youtube.com/watch?v=D5-nVXDuMTM
ResponderEliminarWe got nothing to fear... just put our light's on, and wait for the 4th Republic!!!
Claro, uma quarta república. Em português!...
ResponderEliminarSim, sim, sem dúvida Senhor Dr. Pinho Cardão, em Português de Portugal, antes dos acordos ortográficos!!!
ResponderEliminarBem portuguesa, para que não haja falhas de linguagem!!!
Dr. Ferreira de Almeida
ResponderEliminarSalvo o devido respeito, a separação dos poderes do Estado não é um dogma. É uma inerência dos estados democráticos. Se não houver separação de poderes não há democracia. Isto é uma evidência.
Mas há um aspecto do seu Editorial em que lhe dou inteira razão: a falta de poder da sociedade civil portuguesa. É a "nossa" tradicional conformação, muito portuguesa, a conformação do "come e cala".... Basta ver o poder que algumas sociedades civis detêm no Reino unido, nos EUA ou nos países nórdicos.
O que nós temos à farta - e isso também é a nossa tradição, com origem em um Estado que se afirmava como corporativo- é justamente este espírito que transitou "de facto" da ditadura para a democracia: o espírito corporativista.
Mas este "controlo" dos poderes do Estado através das várias "corporações", se limitam na prática a actuação do Estado, condicionando-a, não beneficia a generalidade dos cidadãos.
Todos somos consumidores mas nem todos somos professores. Todos somos potenciais doentes mas nem todos somos magistrados ou funcionários públicos.
"Um nova república"? Sendo o mal estendido à Europa, como diz no seu Editorial, talvez uma Nova República dos Estados Unidos da Europa, não?
Caro Transtagano:
ResponderEliminarO dogma a que me refiro é o da concepção liberal da separação orgânico-funcional de poderes do Estado, tida como garantia fundamental (e suficiente) de limitação dos poderes do Estado, segundo os ensinamentos do velho Montesquieu.
Não me referia a nenhuma república em especial, mas aos princípios em que repousa o conceito, aqui como em outros Estados.
A questão dos Estados Unidos da Europa faz parte de outra conversa, interessante, de resto.
Uma confederação-geral de estados europeus?! Não me parece impossível... não fossem os diferentes interesses económicos, o maior desenvolvimento industrial, cultural, económico, social e de alguns estados e... sim, seria possível. Mas na verdade, caro António, aquilo que me parece ainda mais possível de acontecer, é que ocorra uma fractura geológica que nos separe da europa e nos transforme numa jangada flutuante. Isso então é que José Saramago dava pulos de contente.
ResponderEliminarCaro Drº Ferreira de Almeida:
ResponderEliminarExcelentes "Divagações que a leitura estimula".
De facto, quanto maior for a participação da sociedade civil nos sistemas políticos, mais fortes, justos e transparentes acabam este por se tornar. Importa portanto, perceber, se os grupos de cidadãos que se movimentam à margem dos partidos terão algum peso significativo na regeneração dos sistemas políticos. Não me parece.
E se assim é, a questão principal subsiste: como se regeneram os sistemas actuais?
Preocupa-o a si e a mim, caro Bartolomeu.
ResponderEliminarMas espero bem que essa "fractura geológica" não se verifique. Estamos numa crise profunda, sem dúvida. Mas há alguns sinais , ténues, é certo, mas em todo o caso mais animadores, segundo os últimos dados conhecidos.
Mas no livro de Saramago, também a fractura geológica abrangeria a Espanha. Boiaríamos ambos à deriva, o que, ainda que acompanhados, não deixaríamos de boiar... Vou supor que tal fractura não ocorra!