segunda-feira, 16 de novembro de 2009

FED estimula nova bolha especulativa e põe recuperação económica em risco?

1. O responsável pela regulação do sector bancário chinês (não é o Banco Central da China) dirigiu este fim-de-semana uma crítica muito dura em relação à política monetária do FED, afirmando que essa política, por ser excessivamente acomodatícia, estará a contribuir para uma nova bolha especulativa nos mercados de títulos (nomeadamente de dívida) e de “commodities”.
2. A crítica aponta o facto de a política de taxas de juro muito baixas e a correlativa fraqueza do USD terem estimulado em grande escala a prática de “carry-trade”, a qual consiste no endividamento especulativo em USD e na aplicação dos fundos em activos financeiros e outros, designadamente expressos noutras moedas.
3. A forte valorização desses activos, a fraqueza do USD e o nível baixíssimo das taxas de juro em USD explicam que esse tipo de “carry-trade” se tenha mostrado altamente lucrativo ao longo dos últimos 7 a 8 meses pelo menos.
3. O facto de o FED ainda na semana passada ter reafirmado a sua intenção de manter as taxas próximas de 0% bem como as medidas de expansão da oferta de moeda primária por um longo período de tempo ainda, estará a contribuir para que o dito “carry-trade” vá continuando e assim os mercados de títulos prossigam o seu movimento ascendente apesar das incertezas quanto à consistência da recuperação económica.
4. Este tema tinha motivado um interessantíssimo artigo de Nouriel Roubini – sempre ele - no F. Times de 2 do corrente intitulado “The mother of all carry trades faces na inevitable bust”, no qual Roubini disseca este tema com notável clareza apontando os enormes riscos da política monetária ultra-expansionista do FED.
É bem possível que a leitura desse artigo tenha influenciado a referida crítica do responsável chinês.
5. Vale a pena citar a parte final desse artigo, pelo carácter premonitório que a caracteriza: “ But the longer and bigger the carry trades and the larger the asset buble, the bigger will be the ensuing asset buble crash. The FED and other policy makers seem unaware of the monster bubble they are creating. The longer they remain blind, the harder the markets will fall”.
6. Até pode acontecer que essa premonição encerre alguma margem de exagero, mas não deixa de ser sedutora a análise de Roubini pela extrema clareza com que expõe os seus argumentos...ao ponto de convencer os sempre reservados chineses.
7. Se vier a ter alguma razão, nomeadamente se vierem a ocorrer a prazo breve (Roubini aponta para meados de 2010) factos que mudem as expectativas dos que têm apostado nesse “mother of all carry trades”, bem se poderá dizer que a política monetária do FED de tanto pretender estimular a economia ainda acabará por empurra-la para uma nova recessão...
8. As notícias muito recentes de um considerável e inesperado abrandamento do consumo privado nos USA neste último trimestre de 2009 retiram um pouco a pressão sobre estes riscos uma vez que colocam as perspectivas de subida da inflação mais distantes...mas ao mesmo tempo, suscitando a dúvida quanto à eficácia das medidas de estímulo à economia, podem dar ainda maior impulso ao negócio do “carry trade”...
9. Um verdadeiro dilema se coloca pois aos decisores económicos quanto ao momento e ao ritmo de retirada dos estímulos financeiros e monetários às economias. Roubini vai avisando...

17 comentários:

  1. Caro Tavares Moreira

    Não podia ser mais oportuno o seu post e, como quase todos, deve-se ler o que afirma e do que se pode retirar de ilacções.
    Acho que o actual Governo e uma parte dos nossos optimistas profissionais, devia tomar em linha de conta o que afirma e o que se depreende.
    Apenas um comentário:
    O responsável chinês que alude é, também membro da comunidade mundial dos mágicos financeiros ( presidida pelo Sr Greenspan); o que ele pretende é desviar as atenções do que começa a ser um problema para a China: ao contrário dos restantes BRICs e outros emergentes anónimos, o YUAN ou RMB DESVALORIZOU 20% desde Dezembro de 2007, acompanhando o USD$, divisa com a qual se encontra "atrelado" (pegged).
    Bem prega frei Tomás
    Cumprimentos
    joão
    PS
    A comunidade dos mágicos financeiros destaca-se por originar bolhas especulativas graves, conseguir que as mesmas sejam pagas pelo erário público dos países e que as retomas se consigam sem que se reponha, completamente, o emprego destruído na bolha anterior
    Cumprimentos
    joão

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  2. Como sempre certeiro nos seus comantários, caro João. E agradeço por me dar conhecimento dessa "CMMF" - Comunidade Mundial dos Mágicos Financeiros" que, admito, integrará uma luzida representação lusa?

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  3. Um leigo com'á mim leva um tal nó cego na cabeça com informações destas que só um experiente marinheiro conseguiria desatá-lo. A ver se entendo: a economia chinesa cresce a quase 10%; as europeias crescem a menos de 3%; o euro valoriza-se em relação ao renmimbim (se é assim que se diz) em cerca de 20%; os empresários europeus (e nestes os incompetentes portugueses e outros pobres diabos de países da Europa de 2ª escolha) são supostos competir com os chineses. Não estará qualquer coisa errada nesta equação?

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  4. caro JMG,

    Se o preço fosse o único factor a determinar as transacções internacionais de bens e de serviços, a sua questão seria absolutamente pertinente...mas não é bem assim.
    No entanto o preço é muito importante e os chineses têm ao que parece usado de "dumping" cambial, mantendo a cotação da sua moeda tão baixa quanto possível...
    Para os USA isso não é só inconveniente, uma vez que para manter a sua moeda sob controlo os chineses continuam a comprar (activos expressos em) USD em ritmo frenético, nomeadamente dívida pública americana, ajudando por essa via a financiar os défices americanos...tanto o público como o privado.
    E também comprarão euros, ajudando a financiar os défices públicos europeus - donde se conclui que os chineses até manifestam um razoável grau de solidariedade...

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  5. Já entendi: Os Chineses conhecem Sun Tzu; e nós conhecemos a Barbara Cartland. Uma parte do crescimento deles traduz-se em desemprego no Ocidente; e o "chefe" do Ocidente vai lá, de chapéu na mão, pedir-lhes que não abanem o barco, porque eles (os Americanos) precisam que lhes continuem a financiar o défice. Para um tipo de direita, como eu, isto é uma grande chatice: Já não bastavam os problemas da minha vida, agora dou comigo às vezes a concordar com comunistas, valha-me Deus. Cordiais cumps.

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  6. Os extremos sempre se tocaram!!!

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  7. Caro JMG

    Sem querer intrometer-me nos comentários, queria apenas dar-lhe algumas achegas.

    a) A posição da China vis à vis a dívida norte americana não é completamente confortável , na medida em que estão amarrados à sorte da divisa americana, como gémeos siameses: se um cai o outro pode também, morrer. A desvalorização do USD$ afecta o valor dos activos chineses
    b) O Sr B.H.Obama é chefe dos EUA, não votei nele, nem tenho a cidadania norte americana. Ele pode ir com o chapéu de pedinte, mas isso é um problema americano. A UE está numa posição negocial muito mais confortável,porque não anda a vender dívida apenas a chineses.
    c) Sobre a situação do comércio internacional, os Chineses estão sobre forte pressão para valorizar o RMB, por parte da UE e, agora, dos restantes países emergentes anónimos ou não, porque a concorrência é desleal.
    d) Já existe um debate na UE sobre voltar a uma situção proteccionista, pelo menos de uma forma selectiva até que se possa reestruturar os sectores mais tradicionais e mais abertos à concorrência dos emergentes mais agressivos. Pelo menos esta é a versão mais suave.
    Como vivemos no País do Nunca e do Pensamento Único, estes assuntos mais do que tabús, são heresias de apóstatas, mas dê mais um ano a ano e meio e a taxa de desemprego não baixar significativamente e o tema volta.

    Uma achega final: em 1300, a Europa era um local pouco recomendável e pobre, o centro do mundo, económico, político e intelectual residia na China e na Índia;
    A roda voltou a dar a volta

    Cumprimentos
    joão

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  8. Sempre oportuno e pertinente, caro João...muito bem lembrada essa síntese histórica da Europa medieva, pobre e envolvida em conflitos permanentes,face a uma Ásia próspera e culturalmente mais avançada...
    Voltando ao presente, é interessante constatar que a generalidade das economias asiáticas, Japão incluído, estão recuperando a ritmo bem superior às ocidentais...de tal modo que se fala já na inversão da generalidade das políticas monetárias na região já no dealbar de 2010.

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  9. CAro Tavares Moreira,

    Há por aí uma conta mal feita pelo chinês.

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  10. Meu caro João:
    Faça-me a justiça de imaginar que não ignorava nada sobre as achegas que pertinentemente trouxe à conversa. E, já agora, releve (e releve também o autor do post) o que no meu comentáriozinho lhe tenha parecido um tanto petulante: parece defeito, e se calhar é, mas desculpo-me com o feitio. Sucede porém que o que diz na alínea d) toca precisamente no nó górdio: É que, a meu ver, ou a Europa e os EUA criam barreiras alfandegárias em relação a países terceiros fornecedores de bens manufacturados (coisa que há muito deveriam ter feito) ou condenam-se à extinção de sectores industriais inteiros e a taxas de desemprego altíssimas e permanentes, para já não falar nos inevitáveis corolários de uma e outra coisas. Isto mesmo tem sido repetido ad nauseam por alguns autores, submergidos porém por uma moda de pensamento económico que peço licença para de memória caracterizar assim: o aumento do comércio internacional foi em si, històricamente, gerador de riqueza; é difícil moralmente defender postos de trabalho no Ocidente contra multidões de deserdados do terceiro Mundo; a Esquerda é contra a globalização, logo as pessoas de Direita que também o sejam ficam no desconfortio da companhia; uma variante da doutrina liberal acha absurdo que o consumidor pague por um bem produzido aqui muito mais do que custaria o mesmo bem produzido ali, como um exemplo de má alocação de recursos; outra variante da mesma doutrina acha que o mecanismo das valorizações relativas das moedas reflecte a prazo, e por isso corrige, os desequilíbrios; e, finalmente, a aceleração electrónica das comunicações e transferências de capital e a diluição das fronteiras induzem a aceleração de todas as outras trocas. Tudo isto é apresentado como o sentido da História, e a única solução propugnada é a nórdica, sobretudo alemã: criatividade, rigor, nichos, eficiência, disciplina. Nem todos, porém, somos nórdicos. É claro que, como diz, a roda voltou a dar a volta para a Ásia. Dado o peso demográfico e os hábitos de trabalho e sacrifício de uma parte daquela parte do Mundo, é inevitável que seja assim. Mas escusava de ser com a nossa (do Ocidente) ajuda. Cordiais cumps.

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  11. Não o irei negar, caro Tonibler, mas poderá ser um pouco mais explícito?
    Quererá significar que o chinês confia demais nos devedores americano & cª?

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  12. Caro JMG

    Nunca me passou pela cabeça tal ideia. Tenho para mim, como regra geral que as pessoas, até prova em contrário são mais bem informadas do que a minha pessoa.
    Dito isto, queria apenas "responder" afirmando que as minhas "achegas" apenas tinham por finalidade enquadrar um tema que, apesar da simplicidade como é colocada pelo Dr Tavares Moreira, é muito complexo, isto é, existem e está condicionado por muitas variáveis.

    Sobre a questão do post e, dentro do "enquadramento" que realizei, sugere-me o seguinte comentário:
    1) Nouriel Roubini, como outros, (Marc Faber, John Mauldin, para citar apenas alguns), consideram que o actual "paradigma financeiro" é inerentemente instável, já vamos na terceira crise grave desde 1992, o que, em termos históricos já começa ser crise a mais para tão pouco tempo.
    2)O actual paradigma de comércio internacional sempre teve um prazo de validade ( há alguns anos falava-se em sessenta anos, até à ruína financeira do motor); esta crise veio encurtar esse prazo; os optimistas falam em dez/vinte anos e os pessimistas em cinco/dez. (Sobre o modelo leia o jornal "i" de hoje, onde tem um artigo muito interessante sobre este assunto.
    3)O processo de globalização, na encarnação do final do séc XX, início do XXI, não é sustentável a prazo, porque gera desigualdades desmasiado elevadas, sem que existam mecanismos de compensação. (A versão anterior, de finais do sec XIX, início do séc XX, a transferência de riqueza foi acompanhada por uma das maiores transferênicas de população que há memória, nesta versão, esses mecanismos estão fechados).
    4) O modelo de desenvolvimento adoptado por todos os países é insustentável em termos físicos; os cálculos mais conservadores consideram que seriam necessárias seis terras ( com as matérias primas incluídas) para sustentar o modelo.

    Neste contexto, torna-se urgente um novo paradigma. É nesse sentido que vai o meu comentário irónico sobre a Comunidade Mundial dos Mágicos Financeiros. Estes querem voltar à situação que existia antes da crise; o problema é que os pressupostos que sustentavam o modelo financeiro já não são os mesmos (destruiu-se riqueza, diminuiu-se o consumo e estão limitadas as possiblidades de crescimento, vg, desemprego); mas os intrumentos continuam a ser os mesmos, o que aumenta a instabilidade inerente do modelo.
    A acrescentar a este problema, temos os outros três que tornam ainda mais incerto o futuro.

    Dito tudo isto, Nouriel Roubini é um optimista.

    Cumprimentos
    joão

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  13. Caro Tavares Moreira,

    Os valores dos activos em USD estão a subir em USD porque o FED está a bauxar o custo de oportunidade do dinheiro. Azar do chinês, arranje uma moeda dele. Do ponto de vista dos americanos, chegará o dia da inflação a trepar e, nesse dia, eles se preocuparão com taxas de juro.
    Nos activos de outras moedas, eu preciso de ter a outra moeda para investir neles. Se vou buscar USD, eu vou ter que trocar os USD pela outra moeda e, no fim do dia, estou a pagar os juros da outra moeda, não os juros dos USD. O que pode estar a acontecer é que a disponibilidade de USD pode estar a ser maior que a das outras moedas mas, voltando ao primeiro parágrafo, o chinês que arranje uma moeda dele e pare de se encher de USD.

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  14. Caro Tavares Moreira,

    Julgo que a análise de Roubini faz todo o sentido. Então se as empresas baixaram os seus lucros, tiveram de fazer múltiplas reestruturações, não tem base credível a subida do preço das acções. Penso que a dita recuperação está a ser rápida demais e tlavez meramente especulativa. Porque das duas umas. Ou a crise não foi tão grande quanto se julgava. Ou como prevê Roubini estamos a caminhar para um buraco ainda mais fundo. Estaremos portanto, a evitar a ressaca..

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  15. Caro Tonibler,

    Se tomar posições curtas em USD para aplicar em activos, quando adquire esses activos vende os USD...
    E é exactamente por isso que pode ganhar, pois os activos em que transformou esses USD decorrido algum tempo valem muitos mais USD do que aqueles que deve...efeito combinado da valorização do activo, da depreciação do USD e do baixíssimo custo pa posição curta em USD.

    Caro André,

    Exactamente, "evite a ressaca, continue a beber" é um conselho que já há muito tempo ouvi citar ao nosso comum amigo Miguel Beleza...
    E parece ser essa a grande mensagem do FED, segundo Roubini!

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  16. Caro Tavares Moreira,

    Mas não posso comprar os activos em USD, vou ter que comprar outra coisa qualquer com esses USD. Outra coisa qualquer que vou vender para repor os USD. Ou seja, é igual a um empréstimo noutra coisa qualquer, emprestando eu os USD. Portanto, se não houver arbitragem, o financiamento do activo é feito com a diferença das taxas de juro, sendo tanto mais penalizado quando mais baixo for a taxa do USD. Por isso, ou estou a ver mal, ou o chinês está mesmo a fazer mal a conta.

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  17. caro Tonibler,

    Se com os USD obtidos de empréstimo comprar activos (commodities, e.g.) cujo valor é tb expresso em USD, ganha a valorização do activo ou a diferença entre o rendimento deste e a baixíssima taxa de juro que paga nos USD obtidos...
    Se comprar activos expressos noutra moeda ganha mais a valorização desta frente ao USD...
    Quanto ao chinês, é melhor deixa-lo com o seu controverso renminbi...

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