sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Programa do Governo: a miragem do crescimento

1. Pouco, muito pouco a registar nas ideias centrais do Programa ontem e hoje em debate na AR: para além das novidades em matéria de casamentos, com proposta de menu muito mais variado felizmente, voltamos à velhíssima aposta no crescimento económico associado a uma ideia difusa de modernização do País em que a “modernidade” parece cada vez mais correlacionada com a ideia de défice.
2. Nem será surpresa esta falta de novidades uma vez que se trata de um governo remodelado, não propriamente de um novo governo...e ao que parece ainda muito ajeitado ao estilo de maioria absoluta o que também se compreende, pois não é de um dia para o outro que estes hábitos se modificam - estas coisas custam, levará o seu tempo até se habituarem ao estilo requerido pela diluição do voto parlamentar...
3. O ponto que me parece merecer mais saliência é a ideia subjacente à aposta solene no crescimento - ideia revigorada face à necessidade de “combater a crise” – segundo a qual o Governo tem poderes quase mágicos para fazer crescer a economia
4. Já aqui deixei, mais de uma vez, um apontamento tentando desmistificar esta fantástica ideia de que os governos nacionais, em economias tão diminutas e dependentes das relações com o exterior como é o caso da nossa, ainda podem determinar quase a seu bel-prazer o ritmo de crescimento da economia sobretudo no curto-médio prazo.
5. O instrumento privilegiado de transposição desta miragem para o mundo real consiste no envolvimento crescente do Estado na actividade económica, consumindo nessa “bem-intencionada” intervenção recursos públicos cuja utilização é direccionada segundo critérios de oportunidade política...
6. É muito curioso verificar que quanto piores são os resultados maior é a crença na bondade destas políticas intervencionistas, agora reforçada com acusações sazonais dirigidas aos malévolos liberais que rejeitam mais intervenção do Estado...
7. O teor fantasioso desta ideia é tanto maior quanto é certo que desde que aderimos ao Euro o Governo se encontra quase totalmente desprovido de instrumentos de gestão eficaz da procura e agora praticamente bloqueado em matéria orçamental depois de ter sido apanhado em contra-pé por uma crise das receitas fiscais que destruiu num ápice uma suposta consolidação orçamental assente em pés-de-barro.
8. Enquanto não assumirmos de uma vez por todas os vícios fundamentais subjacentes a esta miragem, o Estado continuará a consumir os escassos recursos que ainda somos capazes de gerar, a tornar cada vez mais difícil a actividade dos sectores expostos à concorrência, prolongando indefinidamente o declínio relativo da nossa economia.
9. Dizem-me porém que os portugueses nunca foram capazes de passar sem a “ajuda” de miragens colectivas – estaremos mesmo condenados a “viver” com esta?

19 comentários:

  1. Bem, o facto é que ganharam as eleições. E, como temos quer ser uns para os outros, tenciono contribuir de forma líquida para o grande esforço nacional de crescimento da mesma forma que o nosso primeiro ministro. Onde é que se levanta o dinheiro?

    ResponderEliminar
  2. É verdade que o Governo não dispõe de maioria absoluta no Parlamento.

    Mas, apesar do pessimismo já habitual do editorialista, creio que não haverá motivo para grandes preocupações. Eu próprio fiquei hoje um pouco mais aliviado, ao ouvir Aguiar Branco naquele tom convicto que o caracteriza: "O Povo Português concedeu uma maioria absoluta ao Parlamento".

    De modo que, com esta nova República Parlamentar absolutista, sob a batuta do Dr. Aguiar Branco, podemos todos estar mais descansados! Uff!

    ResponderEliminar
  3. Caro Tonibler,

    Absolutamente de acordo, ganharam as eleições e há que ter isso em conta em nossas condutas - respeitinho é muito bonito como se dizia outrora...
    Quanto à questão que sabiamente coloca - onde levantar o dinheiro -confesso não saber responder-lhe, aconselharam-me apenas para não o fazer numa determinada agência bancária em Castro Daire...
    E, como vê, volto a merecer o epíteto "pessimista"...nada mau para uma conjuntura tão incerta!
    Na companhia de Roubini, sinto-me confortável...

    ResponderEliminar
  4. O meu amigo Tavares Moreira diz no seu ponto 8 que se trata de uma miragem. Mas está a ser um optimista, o que só lhe fica bem. É que as miragens, por vezes perigosas, são geralmente passageiras. O que refere é mais um mito. Porque os mitos são permanentes, as pessoas acreditam em mitos e nem podem viver sem eles.
    Por isso, muito mais perigosos.
    E alimentam-se com a propaganda, porque se tornaram politicamente correctos.
    E é assim que vamos regredindo.

    ResponderEliminar
  5. Não vou entrar agora, por manifesta falta de recursos dialéticos, nessa exegese tão penetrante do MITO versus MIRAGEM, Pinho Cardão...espero que Nafarros forneça o ambiente propício e inspirador para o esclarecimento dessa estimulante controvérsia!

    ResponderEliminar
  6. Por mim, preferia a Praia da Coelha a Nafarros, que é muito mais abrigada de ventos.

    E se alguns tiveram prejuizo com as obrigações da SLN, houve quem fizesse óptimas mais valias com as acções da Sociedade Lusa de Negócios.

    ResponderEliminar
  7. Caro Pinho Cardão,

    Só é permanente, porque há quem propague esse mito. Se todos contribuirmos, do ponto de vista líquido, como o nosso primeiro ministro e restantes membros do governo, acaba a coisa num instante. Portanto, como não poderia deixar de ser, a culpa até agora é minha. Nós temos que nos juntar a eles e passar também a receber. Sejamos solidários com a maioria, recebamos. Vamos todos receber...

    ResponderEliminar
  8. Como dizia o outro: "Não conheço ninguém, mas alguém votou neles e agora temos todos que os aturar!"

    Segundo os resultados eleitorais, cerca de 21,8% dos portugueses votaram no populismo e agora 100% dos portugueses vão ter que levar com ele (o populismo, claro)!

    ResponderEliminar
  9. Promovo qe se institua o voto obrigatório se não for suficiente a maioria absoluta que o Parlamento detém.

    ResponderEliminar
  10. Anónimo22:48

    O problema vem de raíz, é tudo uma questão de mentalidade, não somos competitivos porque estamos atrofiados numa visão com 20 anos de atraso para os países mais desenvolvidos.

    ResponderEliminar
  11. Caro Tonibler:
    O meu amigo, com esse convite, está já a esquecer e transgredir o código de conduta agora instituído pelo Ministro António Mendonça!...

    ResponderEliminar
  12. Pinho Cardão, a lógica cartesiana de "saque em cadeia" avançada pelo Tonibler é ideia que dava para uma nova tese na area das Finanças Públicas...qualquer coisa do estilo "De como exterminar o défice público através do saque generalizado, em cadeia e patriótico dos fundos disponíveis", que tal?
    Poderíamos concitar o interesse do mundo académico para o debate aprofundado e quiçà mesmo apaixonado de tal tese?

    ResponderEliminar
  13. Anónimo01:02

    A tese do tonibler não deixa de fazer sentido. Por exemplo, Tavares Moreira, Pinho Cardão, algum de vós me sabe dizer qual a dívida pública da Somália? Ou qual o seu deficit externo? Pois é, não existe, não há estado, não há economia, não há deficits. Daí que o tonibler até pode que tenha tido uma ideia interessante. O saque em cadeia como forma de acabar com as dívidas por extinção do devedor.

    Claro que isto trás alguns problemas a jusante. Por exemplo, quem forneceria a electricidade? Ou algo mais prosaico, quem emitiria os passaportes para se poder sair do ex-país sem estado? Parece-me que algumas questões se colocariam a jusante. Mas, realmente, essas coisas de deficits e dívidas e afins deixariam de existir.

    Ou falhou algo no meu raciocínio?

    ResponderEliminar
  14. Caro Tavares Moreira,

    Na realidade, é responder positivamente às políticas do governo e aos desejos dos seus concidadãos. Estes, estou certo, não votaram no Sócrates por serem uns parasitas que esperam que eu pague e eles recebam. O respeito que nos merecem, quer os nossos concidadãos, quer os nossos governantes, obrigam-nos a usufruir, juntamente com eles, das maravilhas do estado social e dos investimentos públicos e, tal como eles, deixarmos de ser contribuintes líquidos para sermos colectores. Afinal, o Sol quando nasce é para todos neste paraíso socialista sobre Terra.

    Caro Pinho Cardão,

    Relativamente ao ministro, parece haver uma tendência para os professores universitários entrarem na política como palhaços, o que é um pouco triste, quer para nós, quer para a universidade. Se o governo quer saber dos casos de corrupção, basta auditarem o partido, que é o que há de comum. Dizerem-me que vão auditar empresas com dezenas de milhares de empregados, podem dizê-lo com sotaque espanholado, com um nariz vermelho e a tocar saxofone. Assim mostravam mais respeito pela inteligência de quem lhes paga.

    ResponderEliminar
  15. A propósito de auditoria ao partido do Poder, que seria desejável, ainda me estou a lembrar da mala do Preto. Sem saxofone, sem nariz vermelho, sem sotaque espanholado mas com o braço engessado!

    ResponderEliminar
  16. Caro Zuricher,

    Com seu interessante exemplo da Somália, enveredou já na discussão de nova tese de finanças públicas lançada pelo Tonibler...
    Parece-me todavia que o caso que apresenta será porventura o modelo final do processo de "saque generalizado e patriótico dos fundos públicos como instrumento de erradicação do défice"...
    Até chegarmos a esse ponto muitos pontos ficam em aberto como a questão de saber QUEM pode sacar, QUANTOS podem sacr, QUEM tem primazia no saque, COMO pode o cidadão comum formalizar sua candidatura para participar no saque, QUE apoios pode o Estado dispensar a quem se candidatar, LIMITES para o saque por cidadão, grupos de cidadãos, empresas, grupos de empresas, SE o saque fica sujeito à supervisão de algum regulador, ISENÇÕES fiscais para os saques de menor dimensão, SE é possível o saque por representação, QUEM assegura um registo central dos saques, etc, etc.
    Como pode ver, uma miríade de assuntos que a imaginação dos académicos ou políticos poderá começar a ESMIUÇAR...

    Caro Tonibler,

    Parece-me justo e (mais uma vez) notavelmente cartesiano o raciocínio que apresenta.

    ResponderEliminar
  17. Não há dúvida de que os argutíssimos comentários do Tonibler e do Zuricher e a prodigiosa resposta do Tavares Moreira colocaram a discussão de um mero défice e de um mero saque num outro patamar.
    A subsidiação dos pequenos saques e a regulação dos saques proposta pelo TMoreira é algo de verdadeiramente imaginativo e genial

    ResponderEliminar
  18. Caro Pinho Cardão,

    Agradeço o cumprimento, aliás indevido - todo o mérito do lançamento desta nova tese de finanças públicas deve ser endereçado a Tonibler, seu inventor.
    Pela minha parte limitei-me a suscitar alguns tópicos para discussão...que o melhor será talvez acabar mesmo por aqui...

    ResponderEliminar