quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Grelhador da dívida: Grécia vai ter companhia?

1. O que se está a passar por estes dias nos mercados financeiros com a dívida grega e por arrastamento com a dívida portuguesa (e não só) não poderá continuar indefinidamente assim, sob pena de implosão: o spread da dívida da Grécia, no principal benchmark (10 anos), ultrapassa já os 300 bps, duplicando a taxa de juro da dívida alemã, sendo o da dívida portuguesa superior a 100 bps.
2. Tem-se verificado um agravamento contínuo nos últimos dias, face aos rumores de um possível “default” por parte da Grécia, em prazo não muito longo, que tem sido aventado por comentadores com impacto nas opções dos investidores.
3. Hoje foi a vez do conhecido investidor e consultor de investimentos Marc Faber, de cidadania suíça, actualmente com base de negócios em Hong-Kong ter profetizado o default de alguns Estados membros do Euro, nomeadamente da Grecia e de Portugal, num prazo de 2 anos.
4. Porque Marc Faber foi capaz, noutras situações, de fazer previsões arriscadas mas certeiras – crash bolsista de Outubro de 87, crise asiática de 98 – este tipo de profecias tem influência no comportamento dos investidores, que estão fugindo da dívida grega e (também) da portuguesa e da espanhola agravando consideravelmente os custos de emissão de nova dívida.
5. Não vai ser fácil inverter este clima de incerteza e de desconfiança dos mercados em relação às dívidas soberanas dos países do “arco da dívida”...arriscamo-nos a viver mais uns meses neste clima e a ter de aumentar pesadamente a dotação da rubrica dos juros da dívida pública, bem como a suportar os efeitos perversos sobre toda a economia de um agravamento generalizado dos custos de financiamento.
6. Estamos numa encruzilhada extremamente complexa, em que, contrariamente ao que ainda há duas semanas afirmava com segurança o PM, teremos mesmo de esquecer a crise e dar prioridade ao défice...
7. Não encontro com franqueza outra solução, pois esta tremenda pressão dos mercados não vai diminuir – podendo até agravar-se consideravelmente – enquanto não forem tomadas medidas duras de combate ao défice, medidas de contenção/diminuição efectiva da despesa, não medidas de meia-cosmética que não convencem já ninguém.
8. Bem sei que a situação de frágil saída da crise em que nos encontramos torna esta opção muito mais dolorosa...era só o que nos faltava ter de regressar a uma austeridade a doer, quando ainda nem saímos de um período de crise económica profunda, com o desemprego a caminho de 11% da população activa...
8. Mas se assim não for a situação de encarecimento da dívida pode tornar-se insuportável, obrigando, porventura a meio do ano ou ainda antes à apresentação de um orçamento rectificativo extraordinário, com medidas adicionais de combate ao défice...
9. Este é um momento em que se exige grande lucidez e coragem políticas...e é o momento em que devemos recordar os avisos sérios feitos há tanto tempo por pessoas de opinião independente como Medina Carreira, infelizmente tratados como descartáveis pessimistas...que não criam empregos! Viu-se no que está a dar o optimismo, em matéria de criação de empregos...
10. Não parece que tenhamos muitas opções nesta altura...ou aplicamos agora medidas correctivas que não permitam dúvidas de uma diminuição visível do défice orçamental ou arriscamo-nos a fazer companhia à Grécia no grelhador da dívida...até quando?

10 comentários:

  1. No início deste ano de 2010, o spread da dívida pública portuguesa para a alemã na maturidade dos 10 anos andava pelos 60b.p. Em 20 dias ultrapassou os 100 b.p.
    Por outro lado, para além do aumento dos spreadas das mencionadas dívidas da Grécia, Portugal e Espanha, o mesmo aconteceu às da Irlanda e Itália.
    Começa a tornar-se uma bola de neve, de consequências imprevisíveis no que respeita ao custo do dinheiro e a dificuldades de financiamentos no exterior.
    O meu amigo particularmente tem vindo a chamar a atenção para este grave assunto de que os portugueses, por ausência de debate, estãol onge de conhecer a severidade que os pode atingir.

    ResponderEliminar
  2. É verdade, esta explicação é clarissima e o assunto muito difícil de compreender da leitura dos jornais e da confusão de opiniões/explicações que por aí proliferam.O certo, e o que faz muita confusão, é que de repente já ninguém fala nos produtos tóxicos, ou na bolha do imobiliário ou nas práticas abusivas que estiveram na origem da crise, como se tudo se tivesse esfumado. As atenções centram-se agora nos países que, a acreditar no discurso oficial, foram vítimas inocentes da crise, mesmo sem práticas financeiras aberrantes nem bolha imobiliária em escalada.No rescaldo, os mais endividados estão em apuros com os credores e parece que a crise é só deles...É injusto mas parece incontornável.

    ResponderEliminar
  3. Bem, se fosse só Portugal e a Grécia era mau. Serem tantos já não é assim tão mau porque pode significar algo que pode ser a nossa única safa - ou pagam (garantem) todos a dívida da Grécia (e a nossa de caminho) ou acaba-se com a palhaçada do euro. E os spreads estarem a subir depressa também é bom porque não vai dar grande margem de reflexão.

    ResponderEliminar
  4. Outra pergunta difícil...

    Com a brasa incandescente
    neste churrasco penhorado,
    o regabofe indecente
    terá um fim depauperado.

    O discurso descartável,
    qual aragem refrescante,
    tem sido tão lamentável
    e pouco edificante.

    As medidas correctivas
    do défice orçamental
    terão de ser objectivas
    para o bem regimental.

    ResponderEliminar
  5. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  6. Detesto, melhor, desprezo as profecias. Em especial, as produzidas por sociólogos e economistas. E tenho um cepticismo militante relativamente aos scares que sucessivamente se têm abatido sobre nós dos anos 80 para cá.

    Mas não consigo deixar de acompanhar o dr. Tavares Moreira no raciocínio que constrói sobre factos. O mais recente "ouro do Brasil" que caiu no colo dos governos do Engº Guterres, quando o país acedeu a um baixa tremenda no custo do crédito, ameaça agora transformar-se numa prensa esmagadora.

    Será de facto muito triste que alguém, em breve, venha a fazer humor negro com uma frase do tipo: «afinal não havia mesmo vida para além do défice»...

    ResponderEliminar
  7. Anónimo10:18

    Caro Dr. Tavares Moreira,


    Obrigado pelos esclarecimentos e o teor pedagógico do seu post.
    Sugiro que vá mais longe, com a apresentação dos cenários possíveis para os próximos 12 meses. Tanto em termos de apresentação dos principais rubricas de despesa e receita do estado, etc., como hipóteses de resolvermos o estado das coisas.
    É muito importante termos análises sintéticas em simultâneo com a precisão dos números. Apesar da proliferação de meios de comunicação, escasseiam informações direccionadas para a resolução da situação.
    Temos todos e, rapidamente, formar opinião sobre a resolução do problema que temos em mãos. O seu contributo, porque independente e competente, é muito importante.

    ResponderEliminar
  8. Caro Pinho Cardão,
    A grande questão que agora se nos coloca, para além dos problemas bem suficientes que já enfrentavamos, chama-se Grécia...
    Se é verdade que o problema tem (?) de ser resolvido pelos gregos, não é menos verdade que se eles não forem competentes para o resolver - e se não mostrarem quanto antes essa competência - as consequências dessa incompetência alheia desabarão sobres as nossas cabeças.

    Cara Suzana,

    Sábias palavras certamente, mas quando diz que a crise é só deles (ou seja nossa, dos endividados) eu acrescentaria, se me permite, que a crise é deles em duplicado: quando ainda enfrentamos as duras sequelas de uma crise ecnómica generalizada, eis que uma nova crise, esta bem mais localizada, nos atinge em cheio.
    Mas repare que ao contrário da anterior, nesta crise nós não somos inocentes...

    Caro Tonibler,

    Até tem alguma razão no comentário, o problema é que nós parecemos estar nas preferências dos mercados como noivo ideal para a desventurada Grécia...e aqui nem precisamos de nos prevalecer das recentes e brilhantes alterações ao regime jurídico do casamento, pois temos O noivo Portugal com A noiva Grécia...

    Caro Manuel Brás,

    Cá está a sua indispensável poesia, combatendo a esquizofrenis social que vai tomando conta desta gente...

    Caro Paulo,

    Muito bem visto, resta saber o que vamos nós vender para além da Cimpor e do BPN (?!!!)...

    Caro Eduardo F.,

    Boa observação, sem dúvida. Quanto às profecias, valem o que valem, certamente - só as cito pelo impacto indesmentível que têm sobre o comportamento dos investidores...e sobre o nosso bolso, não esqueça...

    Caro Agitador,

    Não disponho de meios nem de informação, neste momento, para elaborar cenários orçamentais possíveis, com previsões sobre a receita e a despesa dos vários sub-sectores que compõem o Orçamento do Estado.
    Sugiro-lhe que aguardemos pela apresentação da proposta de Orçamento para 2010, para então nos debruçarmos sobre a verosimilhança dos números apresentados e sobre a eventual necessidade, em prazo mais ou menos breve, de um Orçamento rectificativo...

    ResponderEliminar
  9. Caro Tavares Moreira

    O Prof Marc Faber, (ele tem um PhD), tem a fama e o proveito, de acertar com alguma regularidade.
    Era um "wunderkid" no defunto "Drexel Burham Lambert", recorda-se?
    Não vive em Portugal, porque, nesse caso, não teria clientes, seria, no mínimo, insultado e, no máximo, internado em asilo de alta segurança, catalogado como louco....

    Apenas uma "achega",(que é uma pergunta e um alerta), ao seu mail:
    quando os nossos dirigentes, compreenderem qual a importância do que se passa na Grécia, para a nossa economia, pode-lhes "cair" o céu (leia-se, a nossa vizinha Espanha pode apanhar uma valente constipação) em cima.
    Nessa altura, o que lhe parece que vão fazer?

    Cumprimentos
    joão

    ResponderEliminar
  10. Caro João,

    Se não me lembro da Drexel Burnham Lambert, se não me lembro! Os trabalhos que tive com essa financeira, felizmente tudo resolvido a total (mais do quee total, pois recebeu mais de 100% do crédito inicialmente detido...) contento do BdeP!
    Permita-me retorquir dizendo que, num cenário de adesão nossa ao modelo grego - que tenazmente continuamos a prosseguir - nem precisaremos da ajuda da Espanha para tornar a tarefa "mais impossível"...
    Quanto ao (Prof.) Faber, sendo certo que poderá não ter razão neste caso, veremos, julgo que ele saberá mais a dormir do que os nossos comentadores de regime todos juntos e bem acordados...

    ResponderEliminar