Compreende-se bem porque é que os portugueses se encontram entre os que mais sofrem de depressão na Europa, segundo li há dias já não me lembro em que jornal. Fale-se com quem se falar e só se ouvem desgraças, falta de expectativas, desconfiança e, claro, uma lassidão imensa que resulta do sentimento de que todos os nossos esforços estão votados ao mais completo fracasso. Começa-se mesmo a esboçar a ideia de que quem não está na miséria é um privilegiado na mira para abate, que quem tem algum êxito de certeza que roubou e já é um lugar comum afirmar-se que o melhor que os nossos jovens têm a fazer é tratar de ir embora antes que se faça tarde.
É incrível a quantidade de pessoas que pedem conselho sobre se hão-de ou não reformar-se já, muito antes do que alguma vez pensaram fazê-lo, sobretudo muito antes de sentirem que serão capazes de viver sem ir trabalhar, sem usar as suas energias e as suas capacidades como sempre o fizeram. Muito antes de o corpo e o espírito lhes pedirem sossego, sem estarem preparadas para essa revolução que marcará essa fase da vida em que “já não” se está no activo. Fazem contas e mais contas, antecipam reduções imprevistas e têm medo de perder se ficarem. Mas, no meio de tantas contas, noto um perigoso sentimento de vingança contra incertos, um desejo de atirar com a porta a quem os convida a sair quando lhes ameaçam o futuro com sucessivos cortes e agravos. Dantes chamava-se revolta, agora há quem lhes chame ondas negativas.
O que sempre digo a essas pessoas é que não vale a pena saírem por raiva ou por orgulho ofendido, porque ninguém vai sofrer com isso, cada um que sai é um número, uma poupança ou lá o que seja, no dia seguinte entra outro ou apaga-se a luz da sala e a pessoa fica em casa sozinha, sem saber o que fazer, um dia após outro, a acumular amargura e a agravar depressões por se sentiram sem rumo. Noto nas pessoas uma espécie de desespero destruidor, somam dificuldades às que já não podem evitar porque precisam de agir, de ter a ilusão de que de algum modo se opõem, e acabam tantas vezes a estragar o que faltava da sua vida profissional, ou mesmo a sua vida pessoal, deitando fora o que deviam preservar porque já não têm ânimo para lutar por coisa nenhuma ou porque estão saturadas e tudo lhes parece insuportável.
Há dias uma amiga comunicou-me a sua decisão de se reformar, uns bons 6 ou 7 anos antes do previsto, o que me deixou pasmada porque a conheço como uma pessoa muito centrada na sua profissão, na qual se embrenhou ainda mais depois de os filhos terem seguido as suas vidas. Como explicação, lá veio o tal sentimento de vingança impotente, o “já que eles não nos querem” mas a seguir começou a queixar-se de como agora reparava no vazio da sua vida pessoal, do marido que trabalha até tarde e está cansado para lhe dar atenção, os amigos que não têm tempo, os filhos que telefonam à pressa, a falta de gosto em ir passear sozinha, enfim, como tive ocasião de lhe dizer, ainda não se reformou e já começou a sentir a infelicidade da sua decisão e a culpar os outros por não lhe resolverem o problema. Devo ter sido convincente porque adiou a decisão...
Receio bem que, por este caminho, o nosso País venha a bater todos os recordes do número de deprimidos.
O desânimo que as pessoas estão a sentir é, de certa forma, compreensível. Para não se ficar presa nessa rede invisível mas que se sente presente e destruidora é necessário uma grande determinação, uma grande força de vontade e, por último, uma esperança que melhores dias estejam já destinados num futuro não muito longínquo. Mas os dias vão passando, as notícias não são conducentes a pensamentos positivos, não se antevê um futuro promissor. A remuneração estará além das funções exercidas (ou para mais ou para menos), a valorização e o reconhecimento pelo bom (de uma maneira geral) trabalho executado não são transmitidos, a vida familiar sofre as consequências do estado de espírito que se sente durante a maior parte do dia no local de trabalho. Não admira, pois, que a falta de ânimo comece a assolar dia após dia, para além da propensão que existe por parte dos portugueses para as lamúrias, para o “assim, assim”.
ResponderEliminarOs que, economicamente, sempre estiveram numa situação privilegiada quer por herança e pouco trabalho, ou por herança e algum trabalho ou ainda porque a sorte e o trabalho os bafejou esquecem-se ou fazem por não compreender o que a maioria das pessoas está a passar. Sou de opinião de que cada um deve ser remunerado de acordo com a sua formação profissional, e, evidentemente, o seu empenho, a sua dedicação mas quando leio acerca de remunerações e mordomias, indemnizações ou pensões vergonhosamente escandalosas – se é que há algum escândalo que não seja vergonhoso! - fico a pensar se alguma vez a situação presente se irá alterar para que os que estão no activo e durante os próximos 10 anos tenham a oportunidade de, finalmente, sentirem que valeu a pena continuar...
Causas profundas e seculares tem este fenómeno, Suzana. Está no nosso genes colectivo esta tendência para o triste fado, para a melancolia, para a depressão como bem diz.
ResponderEliminarPorém, nos últimos anos, a desesperança ganhou novas razões. É verdade que o baixar de braços antes de tempo diminui a individualidade, e, nalguns casos, assocializa - quando não atira para a solidão - quem tem muita vida pela frente e muito para dar e receber. Transforma-se num número, como muito bem escreveu. Mas isso não é assim por incondicionada opção individual. A verdade é que nos últimos anos as pessoas não são encaradas como pessoas, não só pelo Estado mas também pela comunidade. Sobretudo quem foi perdendo ao longo da vida amigos e familiares transforma-se rapidamente em "mais um". Não admira que a dada altura se inicie o processo, ainda que no subconsciente, de passar a ser "menos um".
Tem toda a razão cara Susana Toscano, hoje quem trabalha para o Estado até sente vergonha de o dizer perante desconhecidos. O que se passa neste país é uma autêntica vergonha e julgo que os nossos filhos só têm um caminho, emigrar o mais depressa possível.
ResponderEliminarO discurso político populista e demagógico, de há longos anos a esta parte, tem sido o passar a ideia de forma directa e indirecta que quem trabalha para o Estado é o responsável pela situação do país. Com base nesta ideia, os funcionários públicos, professores, médicos, polícias, etc. sentem-se quase como os judeus na Alemanha dos anos 30 do século passado. E, de facto, são muitos os que desistem de trabalhar para o Estado afirmando que "se me não querem...".
Nos serviços do estado, tambem são importantes para manter o ânimo e a vontade de continuar a ser prestativo, as decisões superiores e a forma como os gestores, as chefias em geral, vêm aqueles que trabalham sob as suas ordens.
ResponderEliminarAs decisões e a organização impostas pelas chefias, são de crucial importância para a manutenção do interesse que os funcionários dedicam ao serviço que lhes é atribuído.
A contradição, a discriminação, a preferência, os critérios desajustados e até o desinteresse que alguns responsáveis pelos serviços, denotam em relação aos funcionários que lhes estão adstritos, é, em minha opinião repsonsável pelo desinteresse e a alienação que actualmente testemunhamos na generalidade dos funcionários públicos.
Em minha opinião, todos os serviços do estado podem ser produtivos e prestarem um serviço eficaz, para tanto, é importante que sejam dirigidos por pessoas capazes de dialogar, de perguntar e de decidir em cinjunto, pessoas capazes de reconhecer as potencialidades que cada funcionário comporta, ajustá-las as necessidades dos serviços e até, potencià-las. Ao contrário da maioria dos responsáveis pelos serviços, que tendem a marginalizar o menos apto para determinado serviço, esquecendo-se, ou preferir esquecer que, por vezes, basta que esse funcionário seja ajudado, ou convidado a frequentar uma acção de formação, ou até, e quantas vezes... uma conversa, mesmo que curta, baste para que ambos, funcionários e dirigentes, se "acertem" em benefício de ambos.
Recordo-me, cara Drª. Suzana, de um episódio que se passou no meu serviço ha uns anos atrás, aquando da introducção massiva dos computadores.
Chamou-me o Secretário-Geral da altura e colocou-me ao corrente da decisão, apresentou-me uma lista dos funcionários a quem seria atribuído um computador na primeira fase e pediu-me para dar as primeiras "lições" aos utilizadores.
Eu tinha frequentado uma formação rápida de DOS e Window's e lembrava-me perfeitamente das primeiras dificuldades que senti: reconhecer o posicionamento do cursor, no monitor.
A primeira reacção das colegas a quem foram entregues os primeiros computadores, foi a esperada de desacordo... estávam habituadas a utilizar as máquinas de escrever electricas e achavam que assim, estáva muitíssimo bem.
Optei por lhes dar algum tempo, na esperança que a curiosidade vencesse a resistência, e disponibilizei-me para quando tivessem tempo, lhes prestar as primeiras ajudas.
Assim foi, passados dois dias comecei a receber telefonemas a perguntarem-me como se ligava o computador, etc.
Sempre que me ligavam, dirigia-me a essas colegas e ia muito lentamente explicando as coisas simples, imediatamente se juntavam outras colegas à volta a querer saber coisas. Pelo meio das explicações,lá íam dizendo que aquilo era uma grande confusão, que não conseguiam, que preferiam as máquinas de escrever, etc.
Com muita calma e paciência, fui tentando incentiva-las a irem experimentando, sem medos, que o computador não se estragava, etc.
Entretanto lembrei-me de as pôr a jogar os jogos de cartas, por forma a ganharem mais "traquejo" no manejo do rato.
Quando o dirigente do serviço soube, chamou-me imediatamente e perguntou-me se estava maluco, por ter ensinado as senhoras a jogar cartas no serviço.
Então, com muita calma expliquei-lhe as vantagens dos jogos de computador e empenhei a minha palavra em como por aquele métudo, as pessoas iríam aderir mais rápidamente ao uso do computador e que, a partir daí seria muito mais fácil a sua utilização.
E não me enganei, pouco tempo depois, as velhas máquinas "Brother", estávam completamente postas de lado e o computador era o rei.
As actividades lúdicas como estratégias a serem utilizadas no ensino e na aprendizagem dão mesmo resultado! Eis mais um exemplo!
ResponderEliminarA maneira mais fácil de "resolver" os problemas é afrontar as pessoas para que se crie um clima de aceitação das medidas que se adoptem em seu desfavor. No entanto, todas as teorias de gestão, das mais elaboradas às mais panfletárias, dizem que não é assim que se mobilizam as pessoas para um objectivo, pelo contrário, assim criam-se rupturas sociais e institucionais graves que vão certamente cobrar o seu preço, talvez fora da rubrica específica do defice mas com efeitos pesados que sónão assustam porque não são contabilizados em ligação com a sua origem. Mas uma coisa me parece certa, é que as decisões individuais só devem ser tomadas depois de muito bem ponderado o interesse próprio e olhando pelo menos o m«+edio prazo, uma vez que os gestos orgulhosos também se pagam muito caro e, neste caso, não têm remédio.
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