Foi quando ia a subir para o avião que ele me fez a surpresa. Disse-me baixinho, a rir-se com aquela covinha na cara que aparecia sempre que ele pregava uma partida, então ias embora sem mim, ias ver Luanda sem eu te ensinar a olhar tudo como era, de que te servia ires lá sem eu te ensinar? Deu-me a mão e nunca mais a largou. Foi comigo a todo o lado, sempre a apontar os sítios, a fazer-me ver renovadas as casa decrépitas, a queixar-se do trânsito, parece impossível, a escandalizar-se com a modernização do edifício da Fazenda, agora todo envidraçado. Gostou de rever a Igreja da Nª Senhora do Carmo, mas não era lá que ia à missa, a Igreja de S. Paulo já não existe. Ficou mudo de emoção quando fomos à Ilha, quis tocar na areia e ficou contrariado por não termos ido molhar os pés. Provou comigo o kalulu de peixe, a fuba e a ginguba doce, a cerveja Cuca também, comeu mamão e reclamou de não haver mangas das que ele se lembrava, doces como o mel.
Viajou comigo ao Lubango, meteu conversa com portugueses que tinham ido para lá nos anos 50, como ele, e ouviu calado as memórias dos dias vividos em África depois de ele se ter vindo embora. Na Serra da Leba ouvi-o repetir a frase que tantas e tantas vezes ele dizia, Angola é um país fantástico, já viste esta imensidão, já viste a força desta paisagem, já viste o que era andar de jipe nas picadas, passar rios nas jangadas?
Viu Benguela com curiosidade distante, Luanda ainda lhe enchia a alma, a Luanda dos vestígios de grandeza mas sobretudo a Luanda que renasce, as obras por todo o lado, os hotéis que se erguem no horizonte, as estradas a pedir restauro, tanta coisa por fazer, tanta coisa para fazer, esta terra parece querer voltar a ser uma terra de oportunidades para quem tem coragem, em Lisboa atrofiava-se, bem fez ele em ir para lá quando era novo, ali a família crescia em liberdade, com cabeça arejada, não era como em Lisboa, uma cidade de sacristias, como ele dizia para escandalizar a minha avó.
E reconheceu logo a Restinga, no Lobito, a rua direita que vai até ao fim, as casas alinhadas, o Clube Ferroviário, a brisa do mar, aqui vivia-se bem, já viste, isto aqui era um paraíso, vim cá em trabalho e depois com a mãe e convosco, eras pequena e não te lembras, mas viemos, foi um grande passeio.
Fui a Luanda com o meu pai no coração, foi ele que guiou os meus olhos pelos sítios de que ele falava, que ele filmou e que tantas e tantas vezes nos fez reviver. A minha memória era a memória dele, era ele que se lembrava e queria que as filhas se lembrassem também, queria por força que fizéssemos parte de Angola, onde nascemos, e onde ele viveu os anos mais felizes da sua vida.
Em Luanda sonhei com a presença do meu pai, revi nítido aquele olhar entusiasmado de quando falava de África, soou-me a sua voz e o seu riso, vi-o de novo jovem, muito moreno, as filhas pequenas no banco de trás, a guiar pelas estradas largas que ajudara a construir, no tempo em que não duvidava de que aquele seria para sempre o seu País.
Nesta viagem a Angola senti-o tão perto, tão perto, que parece que me vinguei das saudades.
Viajou comigo ao Lubango, meteu conversa com portugueses que tinham ido para lá nos anos 50, como ele, e ouviu calado as memórias dos dias vividos em África depois de ele se ter vindo embora. Na Serra da Leba ouvi-o repetir a frase que tantas e tantas vezes ele dizia, Angola é um país fantástico, já viste esta imensidão, já viste a força desta paisagem, já viste o que era andar de jipe nas picadas, passar rios nas jangadas?
Viu Benguela com curiosidade distante, Luanda ainda lhe enchia a alma, a Luanda dos vestígios de grandeza mas sobretudo a Luanda que renasce, as obras por todo o lado, os hotéis que se erguem no horizonte, as estradas a pedir restauro, tanta coisa por fazer, tanta coisa para fazer, esta terra parece querer voltar a ser uma terra de oportunidades para quem tem coragem, em Lisboa atrofiava-se, bem fez ele em ir para lá quando era novo, ali a família crescia em liberdade, com cabeça arejada, não era como em Lisboa, uma cidade de sacristias, como ele dizia para escandalizar a minha avó.
E reconheceu logo a Restinga, no Lobito, a rua direita que vai até ao fim, as casas alinhadas, o Clube Ferroviário, a brisa do mar, aqui vivia-se bem, já viste, isto aqui era um paraíso, vim cá em trabalho e depois com a mãe e convosco, eras pequena e não te lembras, mas viemos, foi um grande passeio.
Fui a Luanda com o meu pai no coração, foi ele que guiou os meus olhos pelos sítios de que ele falava, que ele filmou e que tantas e tantas vezes nos fez reviver. A minha memória era a memória dele, era ele que se lembrava e queria que as filhas se lembrassem também, queria por força que fizéssemos parte de Angola, onde nascemos, e onde ele viveu os anos mais felizes da sua vida.
Em Luanda sonhei com a presença do meu pai, revi nítido aquele olhar entusiasmado de quando falava de África, soou-me a sua voz e o seu riso, vi-o de novo jovem, muito moreno, as filhas pequenas no banco de trás, a guiar pelas estradas largas que ajudara a construir, no tempo em que não duvidava de que aquele seria para sempre o seu País.
Nesta viagem a Angola senti-o tão perto, tão perto, que parece que me vinguei das saudades.
É uma narrativa muito bonita, a transbordar saudade, a causar uma ligeira comoção…
ResponderEliminarNão conheço Angola, mas já me confidenciaram, centenas de vezes, a sua beleza e o “feitiço” que lança sobre os europeus que por lá passam, pois não há nenhum que não a recorde com saudade. A prova mais verdadeira é-me dada por narrativas igualmente bonitas, feitas por alguém que, há trinta e muitos anos lá cumpriu serviço militar e por ela se apaixonou - o meu irmão!
A escritora Suzana Toscano em todo o seu explendor, como ja ha algum tempo não tinha oportunidade de ler.
ResponderEliminarTocante texto.
Esteja ele onde estiver, reviveu...
n'aquela melancolia das coisas que só têm sentido porque não as pudemos amar como devíamos...
;)
Maravilhoso, Drª. Suzana!
Suzana
ResponderEliminarQue maravilhoso mergulhar no passado do presente e no presente do passado. Qual a ordem, não sei bem. Sei que o passado vem primeiro e por isso dá sentido ao presente.
E que bonito partilhar uma viagem com alguém de quem muito gostamos, que nos faz sentir bem, com quem podemos partilhar as emoções, sem nostalgias mas com boas recordações.
Parabéns Suzana pelo texto e obrigada por nos fazer viver um bocadinho dessa sua grande viagem!
Lindo, Suzana!
ResponderEliminarOh, Suzana, e ando eu aqui a falar do défice, das asneiras do governo, da dívida pública e até das cagarras das Selvagens, tão longe do doce enlevo, da sentida nostalgia, do profundo sentimento, da renovada paixão por sítios e coisas que não esquecem, e da eterna saudade por entes queridos que tudo foram para nós!...
ResponderEliminarA Suzana lembrou-nos das coisas verdeiramente importantes. Bonito texto, magnífico conteúdo, e extraordinariamente bela a forma de o expressar.
Acabo de ler o seu texto na mata do Buçaco, paraíso perdido, fonte de encanto, onde gosto de refugiar-me. Nem imagina o resultado da combinação da sensação do espaço mesclada com a emoção do texto. Um sabor muito difícil de repetir. Não vou esquecer. Um beijinho.
ResponderEliminarFiquei preso à narrativa, fascinado, a imaginar os dois!
ResponderEliminarObrigada, caros amigos, gostei muito que tivessem podido sentir um pouco do especial prazer que me deu esta viagem.Foi mais um bom momento que a vida me tem prodigalizado.Mas também é uma alegria voltar à vossa companhia!
ResponderEliminarChego de um passeio, entro no 4R e lá vou passear de novo para Luanda! Que bonito, cara Suzanna!
ResponderEliminarCagarras das Selvagens?! Que bicharocos serão esses? Tenho que pôr a minha leitura em dia aqui na Quarta!....
Já lhe tinha marcado falta, Catarina ;)ainda bem que regressou a tempo de uma nova viagem à boleia do 4r!!!
ResponderEliminar: )
ResponderEliminarSim, gosto das boleias do 4r! São sempre confortáveis, acessíveis e nunca decepcionam!
Agora me recordo... o caro Pinho Cardão também andou “desaparecido” durante uma temporada...e não encontrei – no 4r – nenhuma justificativa da ausência! :) ))))) Lá terei que me manifestar em post apropriado!
Para fazer descansar os leitores da tortura das minhas prosas, cara Catarina...
ResponderEliminarAh, caro Pinho Cardão, essas são torturas saborosas e não sou masoquista! : )
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