terça-feira, 3 de agosto de 2010

O impossível é possível...

A narrativa é um pouco longa, mas bem mais curta do que a eternidade que durou a aventura. Vinha ontem a caminho de Lisboa, depois de passar um fim-de-semana alargado na minha casa na Beira, quando decidi parar numa área de serviço para fazer um abastecimento de combustível e aproveitar para distender um pouco as pernas e beber uma água fresca.
Estaciono o automóvel numa das bombas de combustível, fecho a porta e dirijo-me à caixa para fazer o pré-pagamento. Até tive direito a um bónus. Deram-me a escolher uma revista que meti debaixo do braço e vim até ao automóvel a pensar nesta inesperada simpatia. Nada mau!
Como sempre, quando viajo sozinha, abri as portas com o comando e pousei a carteira, a revista e a chave no banco do lugar do “morto”, mantendo a porta aberta até finalizar o abastecimento. A área de serviço estava carregada de automóveis, com um enorme movimento, basta pensar na época de férias que estamos a atravessar, fazia muito calor mas corria um vento que embora quente aliviava o ambiente.
Terminado o abastecimento, lá veio de novo o hábito de fechar a porta e deslocar-me até à porta do condutor, entrar e depois pôr o automóvel a andar. Então não é que bato a porta e todas as portas são imediatamente bloqueadas, com o alarme a tocar, sem parar, num barulho infernal, sem qualquer hipótese de entrar no automóvel. Fiquei petrificada, completamente imobilizada, a olhar para a minha situação. Tudo estava dentro do automóvel. Só tinha comigo a roupa que vestia, mais nada. Senti-me como que assaltada, uma fugitiva à força de um qualquer perigo que não admitia qualquer possibilidade de resgatar qualquer cosia que fosse.
Depois de ter tentado abrir por várias vezes cada uma das portas, compenetrei-me que dali não sairia, a menos que alguém me desse uma ajuda. Num primeiro momento, não me ocorreu uma ideia brilhante, nem sequer dirigir-me aos funcionários da área de serviço para pedir o favor de me deixarem fazer um telefonema. Mas o pior é que estava com uma branca e não conseguia lembrar-me dos números de telefone. Depois, mais tarde, percebi que não era uma branca, era mesmo desconhecimento. A culpa era do telemóvel! Portanto, a bem dizer, não tinha a quem telefonar, teria que recorrer a uma lista telefónica, o que me pareceu ser uma coisa muito estranha.
Mas eis que de repente, oiço a sirene da polícia. Olho para o lado e vejo a aproximação de um automóvel da GNR. Então não é que me pus a correr para que me vissem e pudesse pedir ajuda!
E assim foi. Depois de tudo explicado, os guardas estavam a perceber a situação, mas com um ar de quem estavam a lidar com alguém que não estaria no seu perfeito juízo. Contactaram a assistência da Brisa e deram como coordenadas a área de serviço e o número do posto em que estava estacionado o meu automóvel. Não quiseram saber o meu nome, se precisava de mais alguma ajuda, nem quiseram saber de mais nada. No final, palavras de boa sorte e o prognóstico de que o automóvel e eu iríamos de reboque, com toda a probabilidade, até Lisboa. Disse cá para mim, que não, que deveria haver uma forma de desbloquear as portas.
A assistência da Brisa foi rápida a chegar. Lá contei de novo a história e o mecânico logo me disse que ia tentar abrir uma das portas do carro, introduzindo um pau de ferro através da ranhura da porta. Ainda nos rimos, porque o homem lá foi dizendo que aquela era uma técnica muito eficiente utilizada pelos assaltantes de viaturas. Depois de cerca de uma hora e meia de tentativas, a técnica não funcionou. O homem não era realmente um especialista de assaltos. Faltava-lhe a perícia dos experts.
Por sorte, ou talvez não, chegou mais um reforço da assistência, pois certamente estranharam o tempo dispendido pelo primeiro mecânico que, sou testemunha, se dedicou de corpo e alma ao dito “assalto”, não tendo por qualquer segundo que fosse abandonado o local do “crime”. Depois de terem conferenciado, colocaram à minha consideração tentar retirar um vidro traseiro (não sei o nome, é um vidro triangular das portas traseiras), sem o partir, de modo que pudessem chegar ao trinco da correspondente porta traseira. Depois de uma boa meia hora de tentativas, o dito vidro, desamparado, acabou por ceder e estilhaçou-se em milhares de pequenos fragmentos. Mas eu não queria acreditar no que estava a acontecer. É que não lhes tinha ocorrido, e a mim muito menos, que o trinco das portas estava centralizado e, portanto, nenhuma das portas abriria sem mexer no comando central. Aí comecei a pensar, que outros vidros se iriam seguir e se o automóvel depois de tamanha intervenção teria condições de prosseguir viagem. Já me estava a ver a pedir boleia, mas nem uma placa tinha para me fazer notar.
Então não é que os dois bons homens decidiram juntar ao pau de ferro um isco de arame que com mestria rapidamente moldaram e colocaram numa das extremidades. E foi então que estiveram uma boa meia hora a tentar pescar a chave que estava pousada no banco da frente. O problema é que as costas do banco não permitiam ver onde estava a chave e como deveria ser iscada. O risco de ser mal iscada era enorme e por diversas vezes a chave caiu e foi mudando de posição. Enquanto um dos mecânicos pescava o outro dava orientações: “Ó pá guina para a esquerda, agora mais para a direita, está quase, não assim não, ó pá anda mais devagar, vamos lá outra vez…”.
Esquecia-me de dizer que ao longo destas horas, muita gente parou para abastecer, olhou, voltou a olhar, alguns com uma vontade grande, expressa nas suas caras, de querer saber qual tinha sido a desgraça, o que teria aquela criatura feito para estar rodeada de duas carrinhas da assistência com as sirenes a rodar sem parar e com dois mecânicos que afincadamente tentavam “assaltar”o automóvel. Uma cena que reconheço dava uma boa reportagem televisiva. E foi o que me ocorreu que às duas por três poderia muito bem acontecer. Só me faltava mesmo esta!
Vi dezenas de caras de condutores e viajantes olhando esbugalhados para todo aquele aparato. Mas nem uma única pessoa foi capaz de se aproximar para dizer alguma coisa, para oferecer uma ajuda. Muitas dessas caras permaneceram mais tempo na área de serviço à espera dos próximos minutos, como que aproveitando um entretimento extra. Incrível!
Finalmente a chave foi pescada e retirada acrobaticamente para fora do automóvel. Foi uma festa! As palavras no momento certo não terão sido suficientes para agradecer a estes Profissionais que deram tudo por tudo para resolver o problema com o menor dos estragos possível.
No caminho para Lisboa tenho por hábito passar em Penacova para comprar uma especialidade única da região que dá pelo nome de “nevadas”. São uns fofos recheados de ovos-moles cobertos totalmente por uma camada espessa de açúcar branco. Uma delícia. Tinha comprado duas caixas de meia dúzia de nevadas cada. Tinha a intenção de as oferecer, como é tradição, aos meus Pais.
Naquele momento de reconhecimento e gratidão pelo trabalho e paciência daquelas pessoas, que nem por um minuto desistiram ou facilitaram uma solução, lembrei-me de oferecer a cada uma delas uma caixa de “nevadas”. Não sei se apreciaram, acho que sim, porque a oferta foi genuína, mas foi a forma que encontrei de ficar satisfeita comigo própria, prescindindo de algo de agradável que trazia no regresso, as preciosas “nevadas”.
E muito ficou por dizer sobre esta aventura do primeiro dia de Agosto de 2010. Muitos pormenores ficaram por revelar, mas o importante ficou contado. Atenção às chaves e aos comandos electrónicos do fecho das portas. O impossível pode acontecer…

7 comentários:

  1. Margarida, mas que grande aventura!Mas olhe que a uma pessoa da minha família aconteceu o mesmo mas dentro do barco para Cacilhas! Tirando o alarme, que o carro não tinha, a aventura foi semelhante, fizeram a viagem para cá e para lá várias vezes até que um passageiro meteu um ganho na fechadura e ela soltou-se!

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  2. Cara Margarida, mas que peripécia! Descreveu tão bem esse “acontecimento” que também eu me senti uma espectadora mas no banco da frente para não perder nenhum pormenor. . No banco da frente mas da plateia... de contrário ter-lhe-ia dado a chave!

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  3. As duas definições que a Drª. Suzana e a nossa Amiga catarina usam, não poderiam estar mais de acordo... que grande aventura e que grande peripécia. Mas, apesar de resolvido, no final, nem tudo ficou bem, como se poderia esperar, para confirmar o rifão; perderam-se as "nevadas", o vidro, o tempo e penso que a paciência.
    Ganharam os visitantes do "quarta" a possibilidade de se deleitar com uma fabulosa reportagem e ganharam os "feiticeiros" da assistência em viagem, que foram presenteados pela cliente mais simpática que tiveram até dia 1 de Agosto de 2010 a oportunidade de assistir.
    Ganhou ainda a fama lusitana que confere ao português a fina capacidade para o desenrascanço.
    ;))

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  4. Estas coisas acontecem a muito boa gente…
    Estamos rodeados de sistemas de protecção, de códigos para tudo, de passwords que nos permitem entrar sem necessidade de partir o vidro. O problema é que não nos podemos esquecer dos procedimentos, dos códigos…
    Mas pronto, a aflição já passou valeu, presumo, a solidariedade dos cavalheiros, principalmente do engenheiro do gancho…:)
    Mas engraçado é o mesmo acontecer no barco de Cacilhas, como aconteceu ao familiar da Dra. Suzana…

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  5. É nestas alturas qua faz falta um larápio de automóveis. Às tantas, quem sabe se não passou pelo local um "profissional" do ramo. Imagino os seus comentários. Mas foi palerma, porque se tivesse dado uma ajuda ganhava umas "nevadas". Que saudades tenho de as comer...

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  6. Caro Professor Massano Cardoso
    Penacova fica tão perto!
    Saborear umas "nevadas" na varanda panorâmica de Penacova, conhecida por Pérgola Raul Lino, avistando a serena beleza do rio Mondego é uma espécie de paraíso.

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  7. Suzana
    Meter um gancho na fechadura não foi coisa que não me tivesse ocorrido!
    Cara Catarina
    Enquanto relatava o "acontecimento", já a umas horas de distância, também tive a sensação de eu própria ser uma espectadora. Imagine!
    Caro Bartolomeu
    Muita simpatia sua! Os profissionais da assistência talvez estivessem à espera de qualquer coisa diferente. Quando lhes apresentei as duas caixas e falei em "nevadas" torceram o nariz!
    Confesso que me esmerei na "reportagem" e na capacidade de síntese. É que ao longo de duas horas e meia na área de serviço tive ocasião de observar algumas coisas que se não visse não acreditava. Foi um dia memorável! Partilhar este "acontecimento" aqui no 4R foi uma ajuda para me aliviar de uma certa pressão que persistia em não me largar.
    Caro jotaC
    Com tanta automatização e sofisticação, quando as máquinas falham ficamos muitas vezes sem saber o que fazer. Eu não tinha o código nem forma de o obter. São coisas que devíamos saber como funcionam. Uma espécie de seguro para o que der e vier...

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