Uns dias sem computador, praticamente sem ligar a televisão, num belo recanto deste país onde ainda passam poucos carros e se podem dar longos passeios a pé à beira mar passando por praias desertas, reconciliam-nos com as agruras de um ano cheio de crises, de ansiedade e de grandes incertezas quanto ao futuro. Bem, reconciliar não sei, pelo menos apaziguam, porque na verdade as casas crescem por aqui como cogumelos, os terrenos que foram agrícolas e férteis estão praticamente todos abandonados e à venda com planos de urbanização, a estrada erma que descia até à praia saloia, durante séculos esquecida entre penhascos, é agora ladeada por uma fileira de casas novinhas em folha anunciadas por uma tabuleta pretensiosa que aponta o “novo resort” com o nome da praia, mesmo ao lado da banca das mulheres que vendem legumes na curva da estrada, debaixo de um chapéu de sol. Em linguagem moderna dir-se-ia que esta região está desenvolvida ou seja, substituiu-se a actividade produtiva essencialmente agrícola pela indústria do lazer, mudam-se as populações e os estilos de vida mas as mulheres da praça queixam-se que nem assim vendem mais e apontam desgostosas os grandes supermercados que se espalham em redor do centro de Mafra. Verdade se diga que a Vila de Mafra cresceu exponencialmente e as dezenas de novas urbanizações de uma simplicidade atraente e cuidada trouxeram para aqui inúmeros casais novos, que provavelmente trabalham em Lisboa, preferem pagar portagens e ter alguma qualidade de vida e que aos fins de semana enchem os cafés, os jardins e as praias com famílias jovens e crianças, como já não se vê em Lisboa. A Ericeira está a abarrotar de gente, só vale a pena ir lá no Inverno, mas nos arredores há sítios lindissimos e nem sequer a bruma da manhã desanima de uns belos passeios pelos areais defendidos pelos penhascos abruptos e só acessíveis na maré baixa. Quando tudo se conjuga, parece que o tempo pára enquanto se caminha a pisar a espuma das ondas, a contornar as rochas escorregadias de limo verde brilhante ou aguçadas de mexilhões, a subir as pequenas dunas que a maré alta vincou. Na areia, pegadas fundas vão pontilhando o percurso, a contrastar com as marcas breves das patitas das gaivotas, as primeiras a estrear logo de manhã a quietude das praias desertas alisadas pelo mar. Ao fundo, quando a parede rochosa entra no mar a marcar o fim do areal, ainda teima o nevoeiro, deixando apenas vislumbrar três rochas ponteagudas, muito alinhadas, quase apontadas como canhões, pequenos filhotes de Adamastor a guardar a passagem para além da Vigia. No regresso, já a bruma se desvaneceu para o lado da praia habitada pelos veraneantes, é só dar uns mergulhos antes que a maré traga as ondas grandes e depois aproveitar o descanso, a ler um bom livro. Aliás, era disso que eu vos queria falar, do excelente livro que estou quase a acabar de ler, mas isso fica para amanhã, perdi-me nos passeios pela praia...
Aí está um passeio que gostaria fizesse parte da minha rotina diária!
ResponderEliminarBoas férias, pela foto que mostra vão servir-lhe certamente para retemperar forças, fale-nos do livro e, mesmo estando de férias, não dê descanso ao computador, continue a escrever textos bonitos como este.
ResponderEliminarFelicito-a pelo bom gosto, cara Drª. Suzana. As praias a norte de Stª Cruz, são as minhas preferidas, aquelas onde com alguma frequência faço programas identicos àquele que descreve.
ResponderEliminarGosto de chegar à praia quando ainda está sem gente, passear calmamente à flôr da água, absorver os aromas do mar, desfrutar dos voos e do piar das gaivotas, conversar de mão-dada com a minha mais-que-tudo, fazer projectos para o futuro, relembrar sucessos passados e concordar no positivismo que tem sido a nossa vida em comum. São por vezes passeios que duram horas e que para nós têm o sabor agradável dos anos.
Quando regressamos ao lugar onde espetámos o chapéu de sol, já encontramos algumas ilhas humanas e um murmúrio de vozes, de chamamento de crianças, de risos e cumprimentos, sons que provÊm e outras vidas e que nos confortam pela ideia de não estarmos sózinhos no mundo. É quando vamos dar uns mergulhos, antes que a água se encha de gente e seja possível dar umas quantas braçadas sem chocar com alguém.
De regresso ao chapéu de sol, aguarda-me a cadeira onde, tal com a Dr. Suzana me deleito com a leitura, a tel ponto que chego a deixar de ouvir os ruídos que me cercam.
A diferença, é que não consigo ler um livro de cada vez, ando permanentemente a saltitar de leitura. Um hábito extremamente irritante para mim próprio, mas que não consigo emendar.
:(
Suzana
ResponderEliminarQuando era nova passei dois ou três anos de férias de praia com os meus Pais e os meus irmãos em São Bernardino, em Agosto porque Setembro era reservado à Beira. Também passámos dois anos na Areia Branca. Senti que a sua fotografia me era familiar.
Continuação de boas férias entre a praia e o campo, entre os mergulhos no mar, se conseguir porque a água é normalmente gelada e a ondulação por vezes perigosa, e a leitura de uns bons livros.
Caro Bartolomeu
Gabo-lhe a capacidade de se conseguir abstrair do ruído. Assim a leitura tem outra profundidade e o tempo rende mais.
Cara Drª. Margarida, agora, a temperatura da água nas praias da "costa de prata" é um pouco diferente de ha 5 anos atrás (3 em S. Bernardino +2 em Areia Branca. Conheço o dono de um hotel em Baleal que recolhe diáriamente a temperatura da água em períodos diferentes do dia e elabora um registo. Por ali percebe-se que desde ha uns anos a temperatura da água tem vindo a aumentar. Efeitos do aquecimento global, com certeza.
ResponderEliminarQuanto ao perigo da ondulação forte que continua a ser comum naquelas praias, acho que já não constitui qualquer perigo para a exímia nadadora em que a Drª Suzana se tornou... sem pranchinha!