Há trinta anos, procurar casa era uma decisão heróica pois não havia mercado de arrendamento nem casas para comprar. Ainda não tinha havido o boom de construção nem crédito fácil que permitisse que as pessoas se abalançassem a uma compra sem poupança prévia de longos anos. Vivia-se no rescaldo da revolução, marcada pela ocupação de casas e slogans contra os “ricos”, pelos salários em atraso e, claro, pelo congelamento impiedoso mesmo perante a inflação galopante da época. Os senhorios, pessoas de uma geração em que o investimento em prédios ou andares para “rendimento” fazia as vezes da reforma, não podiam aumentar as rendas mesmo num novo contrato e além disso era praticamente impossível um despejo por falta de cumprimento. Em consequência, muitos empobreceram sensivelmente, deixaram de conseguir fazer obras de conservação ou preferiram manter as casas vazias ou vender a patacos aos inquilinos.
Durante todos estes anos, apesar do evidente nó cego instalado, os jovens não tiveram outro remédio senão endividar-se brutalmente logo no início de vida para poder ter uma casa, ficando assim “amarrados” a um local, a um emprego e a uma dívida, perderam mobilidade e liberdade e a casa passou a ser a condição determinante do curso da vida.
Agora que o crédito mudou de rumo e que passou a haver liberdade de fixação nas novas rendas, dir-se-ia que o mercado podia animar, menos à custa da confiança no regime de rendas do que na necessidade de muitos. Mas não, e compreende-se. O aumento anual possível ainda é fixado pelo Governo, enquanto as rendas antigas foram sujeitos a um processo de “recuperação” que depende da actualização do IMI para valores actuais (chega a ser centenas de vezes superior) e, mesmo assim, pode arrastar-se em penosas tranches de dez anos para que se atinja o montante da avaliação actual!
Quanto à actualização anual, está indexada à inflação sem contar com o preço da habitação, pelo que no ano passado as rendas tiveram aumento zero e este ano foram contempladas com um aumento de 0,3%! Aumento para o inquilino mas uma redução objectiva para o senhorio se considerarmos o englobamento da renda no IRS, que teve um aumento substancial, e o aumento quer do IMI quer das inúmeras taxas que vão recaindo sobre as propriedades. E, claro, os valores do condomínio, os salários dos porteiros ou das empregadas de limpeza, etc., todos sem indexação alguma a não ser à partilha das despesas comuns e à justiça de se pagar a quem trabalha. Há, portanto, pelo segundo ano consecutivo, uma diminuição objectiva do rendimento.
Em suma, é mesmo muito duvidoso que a confiança renasça e que se possa, finalmente, evoluir para um mercado de arrendamento que compense quer o investimento quer os encargos que a propriedade necessariamente acarreta.
Durante todos estes anos, apesar do evidente nó cego instalado, os jovens não tiveram outro remédio senão endividar-se brutalmente logo no início de vida para poder ter uma casa, ficando assim “amarrados” a um local, a um emprego e a uma dívida, perderam mobilidade e liberdade e a casa passou a ser a condição determinante do curso da vida.
Agora que o crédito mudou de rumo e que passou a haver liberdade de fixação nas novas rendas, dir-se-ia que o mercado podia animar, menos à custa da confiança no regime de rendas do que na necessidade de muitos. Mas não, e compreende-se. O aumento anual possível ainda é fixado pelo Governo, enquanto as rendas antigas foram sujeitos a um processo de “recuperação” que depende da actualização do IMI para valores actuais (chega a ser centenas de vezes superior) e, mesmo assim, pode arrastar-se em penosas tranches de dez anos para que se atinja o montante da avaliação actual!
Quanto à actualização anual, está indexada à inflação sem contar com o preço da habitação, pelo que no ano passado as rendas tiveram aumento zero e este ano foram contempladas com um aumento de 0,3%! Aumento para o inquilino mas uma redução objectiva para o senhorio se considerarmos o englobamento da renda no IRS, que teve um aumento substancial, e o aumento quer do IMI quer das inúmeras taxas que vão recaindo sobre as propriedades. E, claro, os valores do condomínio, os salários dos porteiros ou das empregadas de limpeza, etc., todos sem indexação alguma a não ser à partilha das despesas comuns e à justiça de se pagar a quem trabalha. Há, portanto, pelo segundo ano consecutivo, uma diminuição objectiva do rendimento.
Em suma, é mesmo muito duvidoso que a confiança renasça e que se possa, finalmente, evoluir para um mercado de arrendamento que compense quer o investimento quer os encargos que a propriedade necessariamente acarreta.
Até quando continuará a habitação a ser uma forma encapotada de ir suprindo cegamente as flutuações das crises financeiras, criando por sua vez distorções na liberdade de movimentos e no estímulo à poupança?
Cara Suzana Toscano
ResponderEliminarUm pequeno apontamento sobre o tema arrendamento:
a) O contrato de arrendamento é um elemento de um mercado que, noutros países, representa uma fatia importante do PIB. Infelizmente em Portugal continuamos a ver como um contrato, quando se trata de uma indústria.
b) Portugal conseguiu ser o único país europeu onde os particulares financiam directamente uma parte da política social de habitação, sem qualquer contrapartida. O regime de arrendamento, na parte jurídica, fiscal e outras, transformou um bem privado: renda sobre um activo, num bem semi-público com confisco parcial do proprietário: só parte da renda é dedutível para custos de manutenção.
c) Em 35 anos nesta como em outras áreas, não se conseguiu realizar qualquer alteração estrutural que transformasse em mercado um sector essencial da nossa economia; uma fatia importante da nossa dívida externa é devido à irresponsabilidade de duas gerações de políticos e da incúria de, igualmente, duas gerações de eleitores.
d) Com o argumento do custo social das rendas antigas, aceitamos que idosos se mantenham em casas que são piores do que canis e, em muitos casos, condicionam-se as soluções desses mesmos idosos dada a distorção em que se encontram parte das rendass.
e) Hoje, comparativamente, é mais caro o arrendamente de um T4 em local nobre do que o mesmo apartamento em localização equivalente em Bruxelas com a difeença que este está mais bem conservado que aquele.
Perdemos uma fatia enorme da nossa qualidade de vida por uma lei íniqua, desigual e predatória; mas como sucede com outras leis e costumes nacionais já entrou na paisagem, sempre temos o sol, praia e marisco barato...
Cumprimentos
João
Suzana
ResponderEliminarMia um pequeno apontamento. Para além das consequências que referiu no seu texto, acresce que o "monopólio" da aquisição de habitação prejudica a mobilidade, tornando mais difícil, especialmente em tempos de crise, a deslocalização das pessoas e das famílias e, consequentemente, das actividades económicas.
O mercado de arrendamento, ou a falta dele, é mais um daqueles males crónicos que se arrastam.
Caro João, completamente de acordo com a sua perspectiva, não podia ser mais certeira, o que devia ser tratado como um mercado tornou-se um "apoderado" da política de distribuição de rendimentos conforme as conveniências políticas.
ResponderEliminarMargarida, andamos muitas vezes à volta dos falsos problemas sem ter coragem de enfrentar os que realmente nos tolhem. Mesmo que as correcções do passado fossem difíceis, o que é espantoso é que se esteja já a contaminar, com a mesmissima mentalidade, um mercado que não chegou a renascer depois de uma suposta reforma.