terça-feira, 19 de outubro de 2010

Frankenstein

Já conhecia a história, mas é sempre agradável revivê-la, porque ajuda a estruturar as nossas ideias e a estimular a criação de outras. Foi o que aconteceu com a leitura de um interessante artigo intitulado “Frankenstein: a origem da Neuroética” da autoria de Adela Cortina.
Nos princípios do século XIX, durante um período de mau tempo, nos arredores de Genebra, Byron, Shelley, Polidori e Mary Wollstonecraft Godwin, mais tarde Mary Shelley, para passarem o tempo, decidiram fazer uma aposta; cada um devia escrever um livro de terror. Polidori, médico, e Mary Shelley escreveram duas obras, mas a do primeiro foi “sufocada” pelo sucesso de “Frankenstein: O Prometeu moderno”.
Lembro-me de o ler e até de ver o filme, que, curiosamente, não corresponde à obra de Mary. No filme é Henry, um vilão, um monstro, com o cérebro de um assassino e partes de corpos mortos, na novela é Victor, uma criatura criada com o objetivo de ser perfeita. No entanto, o desejo de atingir a perfeição humana pode ter um revés muito perigoso, a criação de monstros.
Frankenstein é um ser infeliz, diferente dos restantes, com algumas capacidades que poderão ser consideradas perfeitas, mas que não consegue encontrar ninguém semelhante a ele. Não ama e não é amado. Acaba por odiar o seu criador, porque este se esqueceu de lhe dar os meios para ser feliz, compartilhar a vida e o destino. Afinal para que serve a perfeição? Para nada, ou melhor, serve para saborear, na extrema solidão, a infelicidade. Até o diabo tem melhor sorte, já que pode contar com a solidariedade de amigos, outros diabinhos e muitos homens, ele não, é um ser solitário.
É interessante o facto de esta figura fantasmagórica ser utilizada como “símbolo” da neuroética, uma disciplina que emerge em consequência das inúmeras possibilidades que o futuro nos acena em termos de melhoria e estímulo das capacidades neurológicas e cognitivas dos seres humanos. Talvez seja fácil, e rápido, investir, com sucesso, mais no cérebro do que no genoma, originando, no futuro, seres com capacidades de fazer inveja a qualquer um de nós. Imaginem memorizar tudo e mais qualquer coisa! Uma maravilha? Uma tristeza, se não conseguirmos esquecer o sofrimento e a tristeza. Aumentar a criatividade artística? Nada de novo, já que muitas obras literárias e pinturas foram “feitas” imersas em bebedeiras, drogas e até devido a infeções propositadamente contraídas, como a sífilis, por exemplo. Mas há quem vá mais longe ao considerar que se poderá modificar o caráter das pessoas e reformular valores e princípios morais. Não deixa de ser curioso a criação da denominada “ciência da moralidade”.
Lentamente, o progresso nestas áreas tende para a produção de “cabeçudos” dotados de capacidades difíceis de prever. Resta saber se serão úteis. Recordo ter lido, em tempos, alguns ensaios, de cientistas que se dedicam à vida extraterrestre, segundo os quais a nossa ciência pode andar a sobrestimar a frequência de inteligência extraterrestre, ou, então, a evolução da inteligência tem tendência para se autolimitar, se autodestruir ou liquidar-se umas às outras. Sendo assim, o melhor é não mexer muito nas cabeçorras, porque a emenda ainda pode ser pior do que o soneto.
Basta de Frankensteins, chega e sobra o de Mary Shelley...

4 comentários:

  1. Caro Prof, quando se fala no desenvolvimento e na capacidade do nosso cérebro, recordo-me sempre desta conferência (há muitos anos) onde ouvi que nós apenas utilizamos 10% do nosso cérebro. Fiquei com esta informação bem guardada na minha memória (tudo o resto relacionado com esta conferência se desvaneceu) e continuo com a mesma curiosidade: é mesmo verdade? Como se pode provar cientificamente a percentagem da nossa utilização? Às vezes penso: se conseguimos fazer o que fazemos (o mal e o bem) com 10% , imagine-se agora, como... digamos.... 60%!

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  2. Nunca descobri onde foram buscar os 10%. Eu penso que é um daqueles estereótipos pseudo científicos que tem como objetivo esconder a nossa ignorância. Sendo assim, significa que somos ainda 90% ignorantes nestas matérias. Nesta perspetiva talvez concorde.

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  3. Magistral exposição, caro Professor!
    Pessoalmente, sou adepto do conceito de noética, o qual concilia e completa os conceitos de vida, espíritualidade e ciência, com o objectivo de atingir a harmonia e o equilíbrio.
    Recordo que Buda disse, que o mundo é criado pelos nossos pensamentos, que a consciência está em toda parte e que a realidade e a vida são uma só, estando todos os seus elementos constituintes intrínsecamente ligados por teias de interdependência.
    Parece-me que foi um pouco baseada nestes conceitos que Mary Shelley "construiu" o seu "Frankenstein", o montro que habita em cada um de nós, o nosso contraste, aquilo que nos aterroriza suspeitar que possamos ser.
    Mas repare... o nome não foi escolhido aleatóriamente, «Franken» corresponde aos centros "mormons" onde se encontram registados os dados de todas as famílias do planeta e «stein» tem a tradução de pedra. Portanto, podemos imaginar que Mary Shelley, terá pensado na figura ficcionada de um templo de pedra, onde se encontram encerrados todos os segredos que dizem respeito à humanidade, mas que não cabem esfera divina.
    Quanto à utilização das capacidades cerebrais... recordo um a frase de um filósofo «o que diferencia um tronco flutuante de um barco feito da mesma madeira, é que esta última tem remos e pode navegar contra a corrente»
    Para alguns de nós, é importante remar contra a corrente, ou ... como diz um outro filosofo, atrevermo-nos a pisar caminhos que nunca foram pisados por outros.
    Pessoalmente, dou mais crédito à sábia filosofia da minha avó, que me dizia; cada um deve pensar pela sua cabeça!

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  4. :) "Fantástica" a ideia da "criação" de Frankenstein.

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