"Conhecia-o? Pessoalmente, não. Habituei-me a vê-lo e a saudá-lo ao longe ..." Este um dos muitos testemunhos que vieram no jornal após a sua morte.
Espanta-me que tanta gente se tenha reunido na rua para fazer uma “última homenagem” a essa figura estranha e simpática que ficou conhecida como “o senhor do adeus”. Eu nunca passei por ele, nem nunca o vi acenar, à noite, sozinho, para os carros que passavam, provavelmente a sorrir quando lhe sorriam, essa era, segundo contam, uma forma desesperada de sentir algum calor humano na imensa solidão da sua vida de velho. Teria também um amigo ou outro, mas isso não chega, as pessoas precisam de socializar, de se sentir parte de alguma coisa, e quando não se tem nada qualquer migalha serve para preencher o vazio. Dizer adeus a um velhote que está na rua à espera que passem os carros não é integrá-lo e, muito menos, considerá-lo um “amigo” , as pessoas sentem a falta dele porque pelos vistos, ele ainda foi capaz de transmitir alguma coisa aos outros. Mas alguém se lembrou de lhe fazer uma homenagem em vida, usando os mesmos meios de comunicação que agora conseguiram juntar a multidão?
Digo isto porque fazer companhia a quem está só dá muito trabalho, cria dependência e obrigação, é preciso ir uma vez e outra, é preciso passar a ir sempre à hora ou no dia em que o outro espera por nós, não é só quando a nós nos faz falta. O problema, e é sempre esse o problema, é que qualquer gesto de aproximação quebra a liberdade de continuar a passar só a acenar, é isso mesmo que fazemos a maior parte das vezes, e consideramos que já é muita simpatia da nossa parte não ignorar pura e simplesmente, vá lá o sorriso, vá lá o adeus, o homem ficava contente e não custava nada, nem sequer uma moeda porque não era isso que ele pedia. Precisamente, ele não era um pedinte de dinheiro mas de afectos, “dê lá um adeuzinho”, não custa nada, e as pessoas davam, achando graça à originalidade, perguntando-se se não seria um louco inofensivo.Mas pelos vistos o que ele queria, dois dedos de conversa e uma roda de pessoas interessadas nele, só conseguiu depois de morto. Talvez ele também lá tenha estado, como sempre, a acenar ao longe, parado, a vê-los perder agora, tarde demais, uns minutos da sua vida enquanto falavam dele para as câmaras de televisão. "Alegrava a cidade", dizem, em homenagem a um homem tristemente só no meio da multidão.
Digo isto porque fazer companhia a quem está só dá muito trabalho, cria dependência e obrigação, é preciso ir uma vez e outra, é preciso passar a ir sempre à hora ou no dia em que o outro espera por nós, não é só quando a nós nos faz falta. O problema, e é sempre esse o problema, é que qualquer gesto de aproximação quebra a liberdade de continuar a passar só a acenar, é isso mesmo que fazemos a maior parte das vezes, e consideramos que já é muita simpatia da nossa parte não ignorar pura e simplesmente, vá lá o sorriso, vá lá o adeus, o homem ficava contente e não custava nada, nem sequer uma moeda porque não era isso que ele pedia. Precisamente, ele não era um pedinte de dinheiro mas de afectos, “dê lá um adeuzinho”, não custa nada, e as pessoas davam, achando graça à originalidade, perguntando-se se não seria um louco inofensivo.Mas pelos vistos o que ele queria, dois dedos de conversa e uma roda de pessoas interessadas nele, só conseguiu depois de morto. Talvez ele também lá tenha estado, como sempre, a acenar ao longe, parado, a vê-los perder agora, tarde demais, uns minutos da sua vida enquanto falavam dele para as câmaras de televisão. "Alegrava a cidade", dizem, em homenagem a um homem tristemente só no meio da multidão.
Pelas esquinas do mundo
ResponderEliminarFazendo aDeus aos passantes
Estamos todos, lá no fundo,
Fazendo aDeuses falantes.
Muitos de nós, por vergonha
Não entenderam ainda, bem
Outros talvez, mais por ronha,
O poder que o aDeus, tem.
Essa forma de chamar,
De mostrar o coração
De dizer; quero-me dar.
Como cantava a canção.
Ensinou-nos o Nazareno
Com toda a simplicidade
Que o maior bem terreno
É receber e dar Amizade!
;)))
Suzana
ResponderEliminarOuvi alguém dizer, em estilo de homenagem ao Senhor Adeus, que Lisboa ficou a perder e ficou mais só. Uma frase invertida, cheia de miopia e egoísmo. Para amparar a solidão e afirmar a sua existência, aquele homem descobriu na rua uma forma original de receber, pensava ele, a atenção dos automobolistas que por segundos apitavam e lhe faziam sinais de luzes. Nem todos o faziam, porque só alguns eram escolhidos, vai-se lá saber porquê. Encontrou neste ritual o que, a bem dizer, lhe dava sentido à vida. Triste, muito triste!
Excelente análise objetiva, à maneira do povo, nua e crua…
ResponderEliminarLembro-me de ter passado também pelo homem, de corresponder ao aceno do seu adeus, confesso, com um sorriso complacente, nada espontâneo, o mesmo que se dispensa a quem é diferente. Nunca parei nem vi ninguém fazê-lo! Mas soubera eu que o homem era um solitário, que aquele adeus era a forma de interagir, matar o tempo e a solidão, e teria parado!...
Caro Bartolomeu, bem merecido este poema ao senhor do aDeus!
ResponderEliminarMargarida, tem razão, é isso mesmo, afinal era ele que fazia companhia os automobilistas!
Caro jotac, eu não pararia, acho que não teria generosidade nem disponibilidade para tanto, mas também não lhe faria uma homenagem depois de morto se nunca tivesse parado para conversar com ele...