Apesar de ser mais nova um ano do que eu, tive logo a sensação de ter vivido muitos mais e com enormes dificuldades. Despertou-me a atenção, antes de começar a falar, a cor morena da face, bronze de um sol a sol de trabalho, o sorriso humilde, o cabelo negro, liso e longo de dores, o cheiro a lavado a lembrar o velho uso de sabão, a roupa simples, mas cuidada, e a forma como me pediu autorização para se sentar. Tratei-a com cortesia acenando-lhe para que se sentasse, começando a interrogá-la em termos de saúde, passado e presente, que tipo de atividades tinha efetuado até hoje e que tipo de trabalho ia agora executar. Estava desempregada há muito tempo e labutava no campo para poder sobreviver. Em tempos tinha sido operária, mas foi despedida. Tem muitas dificuldades e agora surgiu uma oportunidade de poder trabalhar numa fábrica para fazer limpezas durante alguns meses, poucos, mas mesmo assim estava satisfeita, porque aquele dinheirito fazia-lhe muita falta. Via-se perfeitamente o desejo da senhora em trabalhar. À observação verifiquei algo que não estava bem, coração em sofrimento, a situação era um pouco delicada. – A senhora não tem queixas? A senhora sente-se mesmo bem? – Só um pouco cansada, avançou a medo, depois de a ter auscultado, e ter reparado na minha face que algo não devia estar bem. Foi então que lhe expliquei o que estava a acontecer e que teria de ir às urgências do hospital com uma carta minha. Ficou nervosa e perguntou-me se não podia trabalhar. Disse-lhe que teria em primeiro lugar de resolver o assunto de saúde. Começou a chorar, quase que convulsivamente, com medo de que não lhe desse autorização para executar as suas atividades. Acalmei-a e disse-lhe: - Vamos fazer as coisas como deve ser. Vai ao hospital, onde os meus colegas irão observá-la, e depois do seu problema ficar resolvido continuaremos a consulta para que possa ser considerada apta para o trabalho. O senhor doutor acha que eu vou poder trabalhar? Preciso tanto deste dinheiro! – Vai sim senhora!
Comovente a vontade de uma mulher, sofredora de inúmeros tormentos ao longo da vida, alvo da traição do seu coração e vítima de uma sociedade injusta, mas que quer trabalhar, mesmo doente...
Comovente a vontade de uma mulher, sofredora de inúmeros tormentos ao longo da vida, alvo da traição do seu coração e vítima de uma sociedade injusta, mas que quer trabalhar, mesmo doente...
Contraste gritante entre a gente boa e honesta que quer trabalhar e aqueles muitos que fazem tudo para nada fazer. Com a agravante de os segundos serem os primeiros beneficiados.
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ResponderEliminarImpressionante, e ainda nós às vezes nos queixamos do que não tem importância nenhuma!
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