“Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Pinto Coelho, digno director da Companhia das Águas de Lisboa e digno membro do Partido Legitimista. Dois factores igualmente importantes para mim me levam a dirigir a V. Exa. estas humildes regras: o primeiro é a tomada de Cuenca e as últimas vitórias das forças carlistas sobre as tropas republicanas, em Espanha; o segundo é a falta de água na minha cozinha e no meu quarto de banho. Abundaram os carlistas e escassearam as águas, eis uma coincidência histórica que deve comover duplamente uma alma sobre a qual pesa, como na de V. Exa., a responsabilidade da canalização e do direito divino. Se eu tiver a fortuna de exacerbar até às lágrimas a justa comoção de V. Exa., que eu interponha o meu contador, Exmo. Senhor, que eu o interponha nas relações de sensibilidade de V. Exa. com o mundo externo! E que essas lágrimas benditas, de industrial e de político, caiam na minha banheira! E, pago este tributo aos nossos afectos, falemos um pouco, se V. Exa. o permite, dos nossos contratos. Em virtude de um escrito, devidamente firmado por V. Exa. e por mim, temos nós – um para o outro – certo número de direitos e encargos. Eu obriguei-me para com V. Exa. a pagar a despesa de uma encanação, o aluguer de um contador e o preço da água que consumisse. V. Exa., pela sua parte, obrigou-se para comigo a fornecer-me a água do meu consumo. V. Exa. fornecia, eu pagava. Faltamos evidentemente à fé deste contrato: eu, se não pagar, V. Exa., se não fornecer. Se eu não pagar, V. Exa. faz isto: corta-me a canalização. Quando V. Exa. não fornecer, o que hei-de eu fazer, Exmo. Senhor? É evidente que, para que o nosso contrato não seja inteiramente leonino, eu preciso no caso análogo àquele em que V. Exa. me cortaria a mim a canalização, de cortar alguma coisa a V. Exa…. Oh! e hei-de cortar-lha!… Eu não peço indemnização pela perda que estou sofrendo, eu não peço contas, eu não peço explicações, eu chego a nem sequer pedir água! Não quero pôr a Companhia em dificuldades, não quero causar-lhe desgostos, nem prejuízos! Quero apenas esta pequena desafronta, bem simples e bem razoável, perante o direito e a justiça distributiva: quero cortar uma coisa a V. Exa.! Rogo-lhe, Exmo. Senhor, a especial fineza de me dizer, imediatamente, peremptoriamente, sem evasivas, nem tergiversações, qual é a coisa que, no mais santo uso do meu pleno direito, eu possa cortar a V. Exa. Tenho a honra de ser, etc., etc."
Eça de Queirós
Boa!
ResponderEliminarEntão e o que é que vamos cortar-lhes?... às Agências de rating, isto é.
Não sei se a esses, ainda sería possível cortar-se-lhes alguma coisa, cara Anthrax.
ResponderEliminarLembro-me de alguém os definir como sendo os alunos cábulas, que agora estão a querer vingar-se dos colegas marrões, logo... uns capados.
Olhe amigo Bartolomeu, capados ou não, cada um é como cada qual e eu não tenho nada a ver com isso, mas... se eu for a passar na rua e houver um caramelo qualquer que me chame um nome feio; se eu estiver mal-disposta, a criatura leva um "entoxe" do caraças e se eu estiver bem-disposta, processo-o só por difamação.
ResponderEliminarAquilo que as agências de rating estão a fazer é terrorismo económico e financeiro, logo o mínimo que devíamos fazer era declarar-lhes guerra, porque é assim que se lida com terroristas.
E vá lá que eu hoje até estou pacífica, tolerante e generosa, porque o que eles mereciam mesmo era serem, literalmente, bombardeados e apagados do mapa da existência.
E ainda a propósito de Eça:
ResponderEliminar"Nós estamos num estado comparável, correlativo à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesmo abaixamento dos caracteres, mesma ladroagem pública, mesma agiotagem, mesma decadência de espírito, mesma administração grotesca de desleixo e de confusão. Nos livros estrangeiros, nas revistas, quando se quer falar de um país católico e que pela sua decadência progressiva poderá vir a ser riscado do mapa – citam-se ao par a Grécia e Portugal. Somente nós não temos como a Grécia uma história gloriosa, a honra de ter criado uma religião, uma literatura de modelo universal e o museu humano da beleza da arte.
Eça de Queirós, in 'Farpas (1872)'"