Naquele dia de sol luminoso a esplanada estava cheia de gente. Enquanto procurava uma mesa livre, ela pressentiu a presença dele ainda antes que os seus olhos o reconhecessem. Há quanto tempo, meu Deus?, quanto tempo, sem que se encontrassem ou sequer soubessem um do outro?
Ele estava sentado numa mesa distante, acompanhado por uma mulher, mas parecia absorto na leitura de um livro. Num relance, ela confirmou-lhe os mesmos gestos, notou-lhe o cabelo já grisalho, reparou que a maturidade não lhe apagara o jeito tenso que tinha na juventude, um pouco altivo, como se pairasse acima da multidão.
De súbito, uma silhueta invisível aos olhos dos outros ganhou vida, passeou entre mesas e cadeiras e insinuou-se diante dela, ambos, de novo jovens, a caminhar juntos, o braço dele a abraçar os seus ombros, aconchegando-a junto ao peito, como era seu hábito, um pouco curvado, a querer fechar o espaço visível para além deles. Nada do que cada um tivesse dito ou feito durante aqueles anos da sua juventude podia ser desligado do outro, o mais pequeno gesto ou a menor descoberta, o dom do deslumbramento ou a fria desilusão, nada tinha existido sem que o outro tivesse estado presente ou nada tinha valido a pena quando assim não fora. Sentiam-se antes que falassem, antecipavam-se como se um instinto comum os guiasse e unisse para além de toda a razão. Foi assim quase sempre, desde o princípio, talvez por isso tenham sido tão poucas as palavras necessárias quando se separaram, perdida a magia, esquecido o amor, abandonado para sempre o lastro de uma memória comum. Há muito que não sabiam comunicar sem palavras, a silhueta já se desvanecia e ela duvidava de que alguma vez tivesse sido possível.
Demorou-se ainda um instante suspenso a recuperar-lhe os traços, a estudar-lhe as marcas do tempo, a adivinhar nos vincos dos anos a história que já tinha sido escrita sem ela.
Saboreou a doce melancolia que a invadia, aquela tristeza que sobra das memórias felizes, a mesma que se sente ao passar numa casa que habitámos longamente e que depois se revê, vazia de nós. Demorou-se nessa posse silenciosa, como se nesse breve instante tivesse caminhado a vida inteira a seu lado, sem que ele a sentisse.
Depois saiu, atravessando sem pressa o passeio da esplanada cheia de desconhecidos.
Ele estava sentado numa mesa distante, acompanhado por uma mulher, mas parecia absorto na leitura de um livro. Num relance, ela confirmou-lhe os mesmos gestos, notou-lhe o cabelo já grisalho, reparou que a maturidade não lhe apagara o jeito tenso que tinha na juventude, um pouco altivo, como se pairasse acima da multidão.
De súbito, uma silhueta invisível aos olhos dos outros ganhou vida, passeou entre mesas e cadeiras e insinuou-se diante dela, ambos, de novo jovens, a caminhar juntos, o braço dele a abraçar os seus ombros, aconchegando-a junto ao peito, como era seu hábito, um pouco curvado, a querer fechar o espaço visível para além deles. Nada do que cada um tivesse dito ou feito durante aqueles anos da sua juventude podia ser desligado do outro, o mais pequeno gesto ou a menor descoberta, o dom do deslumbramento ou a fria desilusão, nada tinha existido sem que o outro tivesse estado presente ou nada tinha valido a pena quando assim não fora. Sentiam-se antes que falassem, antecipavam-se como se um instinto comum os guiasse e unisse para além de toda a razão. Foi assim quase sempre, desde o princípio, talvez por isso tenham sido tão poucas as palavras necessárias quando se separaram, perdida a magia, esquecido o amor, abandonado para sempre o lastro de uma memória comum. Há muito que não sabiam comunicar sem palavras, a silhueta já se desvanecia e ela duvidava de que alguma vez tivesse sido possível.
Demorou-se ainda um instante suspenso a recuperar-lhe os traços, a estudar-lhe as marcas do tempo, a adivinhar nos vincos dos anos a história que já tinha sido escrita sem ela.
Saboreou a doce melancolia que a invadia, aquela tristeza que sobra das memórias felizes, a mesma que se sente ao passar numa casa que habitámos longamente e que depois se revê, vazia de nós. Demorou-se nessa posse silenciosa, como se nesse breve instante tivesse caminhado a vida inteira a seu lado, sem que ele a sentisse.
Depois saiu, atravessando sem pressa o passeio da esplanada cheia de desconhecidos.
Ha sentimentos com que a natureza nos dotou, que vêem a revelar-se perfeitas armadilhas que nos prendem para toda a vida.
ResponderEliminarO amor é, por exemplo, uma dessas armadilhas.
Quantos de nós desejariam nunca ter sentido os efeitos desse sentimento, sobretudo depois de ter conhecido a dor do desencontro, da interrupção, do corte abrupto desse amor...
Uau!!!Susie, autênticamente breathtaking!! Dão dá para fazer uma adaptação erótica?
ResponderEliminarAdorei o seu “vídeo texto”, digo assim, porque consegui ver as imagens, as cenas e os pensamentos com uma nitidez impressionante...
ResponderEliminarNão é preciso fazer qualquer adaptação erótica, pela simples razão de que ver ou não erotismo num texto depende mais de quem lê, do que quem escreve...
Excelente texto.
"(...)Ele estava sentado numa mesa distante, acompanhado por uma mulher, mas parecia absorto na leitura de um livro(...)"
ResponderEliminarEsta imagem sugere-me a ideia de que, também "ele", poderia escrever este mesmo texto, restando-lhe apenas saborear "a doce melancolia..."
Muito bonito!
Suzana
ResponderEliminarLindíssimo texto!
Curioso que ela não tenha querido e esperado que os olhos dele por momentos se levantassem da leitura do livro e percorressem a esplanada até a encontrar! Talvez que não quisesse que acontecesse, para assim no seu íntimo, lá longe no passado, pudesse reviver sem medo um grande amor…
Peço-lhe imensa desculpa, cara Drª. Margarida, mas não concordo com a parte final do seu comentário.
ResponderEliminarNuma visão masculina, se a personagem da história esperasse que o olhar dele encontrasse o seu, daria lugar a um momento mágico; a algo que iria para além do tempo e dos próprios personagens. Mesmo que no momento seguinte, voltassem cada um, à sua anterior vida, no entanto, não deixariam de viver uma forte emoção e quem sabe, a seta que anos antes lhes trespassara o coração, voltaria a inflama-los...
;)
Caro Bartolomeu
ResponderEliminarTentei apenas advinhar o porquê do não encontro de ambos os olhares!?
Seria mágico, sim, concordo!
Sim, é verdade, cara Drª Margarida. Terei de voltar a pedir-lhe desculpa, porque efectivamente, expressa uma suposição e não uma afirmação.
ResponderEliminarEstas histórias de amor, perturbam-me um pouco o entendimento...
;)
Caro Bartolomeu, é bom sinal, imagine se as histórias de amor já não perturbassem ninguém, não tinha graça nenhuma :)
ResponderEliminarMargarida,podemos responder à sua dúvida com uma frase do género: "Hesitou brevemente, ali de pé no meio das mesas ocupadas, desejando que ele a visse, temendo que ele a visse, de novo aquele dilema que a atormentava quando se separaram e que a memória lhe trazia tão vivo, como se fosse ontem, como se fosse ontem…", mas nesse caso o post tinha ficado muito longo e, em qualquer caso, o instante não se transformava num encontro.
Caro Miguel, pode-se sempre tentar imaginar essa persectiva mas isso exige mesmo muita imaginação :)
caro Massano Cardoso, obrigada!
...Cara Dra. Suzana Toscano, não me parece necessária assim tanta imaginação, senão vejamos: -O sujeito estava numa esplanada acompanhado por uma mulher, mas parecia absorto na leitura de um livro!...Pergunto: -Quem é que numa esplanada acompanhado de uma mulher está absorto num livro!? - Talvez ninguém, exceto, uma alma infeliz!; donde, presumo, que o homem estaria apenas só, o livro e as memórias...
ResponderEliminarBem...mas para o caso pouco importa...a mulher que o acompanhava já devia estar habituada aquelas leituras...O que importa mesmo é que desta estória saiu um lindo texto! :)))
Bem observado, caro Miguel, talvez o homem não estivesse realmente muito entusiasmado com a companhia mas, como não levantou sequer os olhos, lá teve que ficar na mesma ;)
ResponderEliminar