quinta-feira, 8 de setembro de 2011

"Sobre-si"

Há expressões sedutoras que nos obrigam a refletir, por serem belas, por encerrarem sons poéticos, pela raridade na sua utilização, por algum arcaísmo, por serem de utilização regional, enfim, pelos mais variados motivos. Quase que me apetece agarrá-las e não as largar mais. Foi o que aconteceu com uma passagem da "Corte do Norte", de Agustina Bessa Luís; "- Está muito magra e come limões verdes. Tomara que não esteja sobre-si. Sobre-si era a maneira cautelosa de a intitular meio louca".
Muitos concidadãos andam tristes, aumentando o seu efetivo cada dia que passa. Nota-se uma certa indiferença, um estranho deixa andar, já não conseguem manifestar angústia, andam simplesmente atordoados pelas manigâncias, incompetências e interesses mais ou menos obscuros de muitas pessoas e instituições que, por esse mundo fora, sempre conduziram este planeta na mais pura das aversões ao que deveria ser o superior interesse dos seres humanos. Mas a culpa não se cinge aos de "fora", cá dentro não faltam dignos representantes de tão predadora fauna, alguns capazes de fazerem inveja aos demais.
Deposita-se a esperança sucessivamente em grupos e pessoas que, muito rapidamente, acabam por defraudar, acabando por se esgotar os recursos humanos dignos de transformações sociais e económicas capazes de minimizar o sofrimento de muitos.
O desemprego, as faltas de apoios, os cortes anunciados em áreas vitais, as medidas anunciadas com um dramatismo teatral, que vão de encontro ao que se esperava, não se acompanhando de pinceladas, ainda que descoradas, de algum otimismo, dão cabo de muitos de nós. Se a situação atual é confrangedora, o futuro perde-se, por sua vez, em densas neblinas incapaz de estimular a criatividade e acalentar esperanças, nem mesmo a solidariedade manifestada por muitos consegue acalmar o desabrochar de algumas reações a apontar para a violência. Sempre ouvi dizer que os mansos também marram e quando o fazem não é com a nobreza esperada de um animal selvagem, acompanha-se de outro tipo de selvajaria, a humana, que tem tudo menos nobreza.
A saúde está a ser alvo de "restruturação", um eufemismo cínico, devido a sequelas de políticas meio loucas seguidas ao longo do tempo, mas não é só na área da saúde, esta é apenas um exemplo dos mais dolorosos porque deixa marcas quer na alma, quer no corpo, e se as da alma já atormentam, então o que dizer quando se associam as físicas.
Parece que querem deixar de comparticipar as "pílulas" e algumas vacinas! Será verdade? E logo dois grupos de produtos altamente eficazes com impactos mais do que reconhecidos em termos de prevenção. Sim, prevenção, não se trata de curar, mas de prevenir doenças e evitar a contraceção. Um sinal inequívoco de retrocesso civilizacional. Presumo, não posso passar da presunção (!) de que a loucura anda a germinar forte e feio, mesmo em áreas em que não seria previsível.
As medidas de austeridade que foram enunciadas pelo ministro das finanças provocou uma certa confusão na cabeça de Mário Soares, que "para dizer a verdade não percebi", disse à entrevistadora. E vai mais longe, afirmando: "Acho que não sou destituído. Já tenho provado que não sou destituído, mas não sei onde quer chegar, nem onde vai e o que pretende". Uma boa frase que pode tanto servir ao atual ministro das finanças, como ao próprio país, como aos políticos que nos governaram, entre os quais, naturalmente, se poderá o próprio incluir. No fundo não passam de loucos, que não andam magros e nem comem limões verdes, obrigam-nos a emagrecer e a comer o amargo citrino. "Tomara que a população portuguesa não venha a ficar sobre-si”, mas se ficar, e mesmo que se aponte para os responsáveis, o que é que irá acontecer? Nada muito diferente do que sempre se verificou. "A miséria fez-se para os mortos", coisa que os menos escrupulosos, crápulas e predadores natos não se cansam de provocar, a coberto de "princípios", ideologias, doutrinas e outras coisas...

2 comentários:

  1. Fica a "Mensagem"

    Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
    Define com perfil e ser
    Este fulgor baço da terra
    Que é Portugal a entristecer.

    Brilho sem luz e sem arder,
    Como o que o fogofátuo encerra.
    Ninguém sabe que coisa quere.
    Ninguém conhece que alma tem,

    Nem o que é mal nem o que é bem.
    (Que ânsia distante perto chora?)
    Tudo é incerto e derradeiro.
    Tudo é disperso, nada é inteiro.

    Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
    É a Hora!

    Fernando Pessoa

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  2. Excelente texto. Um abraço.

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