Assustam-me certas notícias que envolvem medidas drásticas, extremas, colidindo com certos princípios, embora, aparentemente, sejam aceitáveis.
Quando tive conhecimento do caso da grávida assassinada na igreja, em Espanha, a quem foi feita uma cesariana para tentar salvar o feto, arrepiei-me, não pelo ato em si, mas pelas consequências que daí poderiam advir para a criança. As notícias subsequentes revelaram que tinha sido retirada em paragem cardíaca, conseguindo ser ressuscitada através das respetivas manobras. Prognóstico reservado, possibilidade de ficar com lesões neurológicas irreversíveis e eis que veio, finalmente, a notícia tranquilizadora, a criança morreu.
Agora, em Portugal, aconteceu um desastre de viação em que uma jovem grávida acabou por morrer. Fizeram-lhe uma cesariana, a criança nasceu em paragem cardíaca. Ressucistaram-na. Encontra-se com prognóstico muito reservado. Quanto tempo esteve sem oxigenação? Muito, demasiado, com toda a certeza.
Mesmo em meio hospitalar, com todos os recursos, é muito difícil fazer uma cesariana em alguém com paragem cardíaca, de forma ultrarápida. Estar sem oxigénio, mesmo por pouco tempo, no máximo quatro, cinco minutos, se não mata, vai decerto provocar lesões muito graves no sistema neurológico da criança. Caso esta criança sobreviva, o que irá ser dela? Sem mãe e com graves perturbações neurológicas, irá agradecer a alguém? Coloco-me no lugar dela. Eu não agradeceria a ninguém...
Aplicar a lei "caesarea" está bem. Uma mulher não deve ser sepultada com o feto na barriga, mas mais do que isso é questionável se estiver em causa a integridade da criança.
Claro, caro Professor!
ResponderEliminarCaro Professor, estou plenamente de acordo com a doutrina que nos deu neste seu post mas o seu último parágrafo levanta-me uma dúvida que lhe peço a amabilidade de esclarecer.
ResponderEliminarOra, se se tira o feto de dentro da mulher já morta mas o feto ainda está com vida como se pode fazer algo mais do que mante-lo? Fiquei com esta questão...
Caro Zuricher
ResponderEliminarTalvez não me tenha expressado corretamente no último parágrafo. O que eu pretendia dizer era o seguinte: se a criança nascer em paragem cardíaca, depois de um período de falta de oxigenação, será que é válido ressuscitá-la, sabendo de antemão que vai ter graves compromissos neurológicos? Era esta a referência que queria focar quando falei de "integridade da criança". Claro que se a criança nascer com vida a situação é totalmente distinta e, neste caso, o prognóstico também.
Ui!
ResponderEliminarQue tema delicado.
Sinceramente, não sei o que dizer a propósito deste tema. Nem o que pensar, diga-se em boa verdade.
Por um lado, consigo compreender a razão pela qual se tenta salvar uma vida que, à partida, não terá condições para vingar.
Por outro lado, consigo compreender os motivos pelos quais isso não deva ser feito.
Para mim a questão coloca-se no deve ou não tentar-se. Quando confrontados com uma situação que requer uma decisão imediata, não há espaço para ponderar todos os cenários possíveis e respectivas consequências. O cérebro está apenas concentrado numa única tarefa sejam quais forem as consequências posteriores à sua execução.
Não sei se será legítimo instruir, quem quer que seja, no sentido de não tentar salvar uma vida. Essa é uma decisão muito intíma.
Para além disso, Prof. MC, deixe-me colocar-lhe a questão de outra forma: Sabendo de antemão que uma criança terá problemas neurológicos deve ser-lhe negada a possibilidade de viver? É que se a resposta for "Sim", isso vai colocar-nos perante outros grandes dilemas como por exemplo: "Devem ou não, os portadores de deficiências ser impedidos de procriar?"
É verdade que estou a puxar isto um pouco para o lado da deficência, mas a questão também se coloca quando falamos de uma pessoa adulta.
Não, o tema não é fácil, nem objectivo. Levanta imensas questões de resposta dificil.
Deixe-me colocar o problema de outra forma. Ressuscitar significa dar vida, mas a mesma vida que tinha antes de morrer. Dar vida a alguém diferente da que tinha não é para mim ressuscitar. Por outro lado, sempre posso colocar a situação da seguinte forma: aceitaria ficar com lesões permanentes, irreversíveis, comprometedoras de uma vida digna e minimamente normal? Se aceitar essas condições, não tenho nada a objetar. Eu não, não aceitaria que me ressuscitassem nessas circunstâncias. Quanto ao caso em concreto, o uso e "abuso" de técnicas modernas criam novos factos que até há pouco tempo nunca se colocariam, nomeadamente estes pretensos "milagres". Morriam todos, felizmente. Ainda agora acabo de ler que a criança em causa esteve 20 minutos sem oxigenação. Vinte minutos?! Meu Deus!Como é possível??
ResponderEliminarSr. Professor, a criança já faleceu, para bem dela.
ResponderEliminarCaro Professor, obrigado. Não tinha percebido correctamente a nuance de nascer em paragem cardíaca e ser "ressuscitada" por oposição a nascer viva com normalidade.
ResponderEliminarSim, tem razão Prof. MC. Ressuscitar significa isso. Mas às vezes pergunto-me se não será também um acto egoísta. Não consigo ainda decidir de uma forma objectiva sobre isso.
ResponderEliminarTal como disse anteriormente, o tema levanta muitas questões de resposta dificil. Eu não estou a dizer que não concordo com o que escreve, mas gosto de observar as coisas por diversas perspectivas e ver os vários argumentos possíveis.
20 minutos é muito tempo.
Anthrax
ResponderEliminarEu compreendo a sua dúvida e respeito, claro. Certos assuntos são muito melindrosos, mas temos de nos debruçar sem receio, independentemente de concordarmos ou não uns com os outros. Estes casos são paradigmáticos e temo que se venham a repetir, e vão com toda a certeza. A minha pergunta fica no ar: - Valerá a pena insistir no ressuscitar de quem vai ficar meio ou quase morto? Entende-se por meio ou quase morto as insuficiências neurológicas que comprometam a vida das pessoas.
:)))
ResponderEliminarRacionalmente, a minha resposta à sua pergunta é "Não. Não se deve fazê-lo", mas não estou certa que essa resposta seria a mesma se confrontada directamente com a situação e a possibilidade de existir essa dualidade perturba-me um bocado.
Conheço a história de uma sra. cuja gravidez (sempre acompanhada pela médica), sofreu alterações irregulares nas últimas semanas (qualquer coisa relacionada com o líquido amniótico!?). A doente deu entrada no hospital e no mesmo dia foi-lhe feita uma cesariana. O nado vivo, aparentemente bem, tinha sequelas gravíssimas que levaram a equipa médica a dizer ao pai que não sabiam se sobreviria nas próximas horas, mas mesmo que sobrevivesse, não era “nada”. Sorte a dos pais, não sobreviveu…
ResponderEliminarPoisss :S
ResponderEliminarEssa cena do líquido é muito chata. O meu sempre esteve tudo muito bem e a correr dentro da normalidade até à 20 semana (acho eu), depois aconteceu qualquer coisa à placenta (cujo o nome eu agora não me recordo) e o bébé morreu sem eu dar conta disso.
Até então nunca me tinha ocorrido que há "N" coisas que podem correr mal, mas dentro do drama que foi o episódio, devo confessar que foi também uma experiência bastante interessante e até com alguns momentos engraçados apesar de na altura não ter achado piadinha nenhuma e tive de me deparar com algumas coisas, absolutamente, surreais.
Lamento, Anthrax...
ResponderEliminarCaro JotaC, muito obrigada pela simpatia :)
ResponderEliminarJá está tudo bem :)