segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Dia sim, dia não

Dia sim, olhamos para os rankings internacionais e sangramo-nos em vida porque somos ultrapassados por este e por aquele País, dia não, decidimos com grande clamor que os enormes avanços que conseguimos no aumento de qualidade dos serviços públicos não têm qualquer reflexo no crescimento económico mas apenas na despesa. Dia sim, eliminamos com ardor “privilégios” que reduzem objectivamente capacidade técnica do sector público, dia não, escandalizamo-nos com a dimensão dos custos suportados com escritórios de advogados e consultoria.
Abri há dias o El País Semanal e havia vários artigos a queixar-se da crise e dos seus efeitos na vida das pessoas, em particular na diminuição que já se faz sentir dos serviços prestados pelo Estado aos cidadãos. Mas o que me chamou a atenção foi que o jornal decidiu mostrar, não o que já falta, mas o que ainda se tem e que poderá perder-se, com grande prejuízo para todos.

Por cá, na vozearia geral, o “Estado” é primariamente considerado uma fonte de despesa inútil, um amontoado de “privilegiados” que recebem salário sem se saber bem a que título. Por cá, incompreensivelmente, empresários que ainda há pouco tempo faziam contas sobre os “custos de contexto”, exigindo melhor educação, melhor saúde e melhor justiça, empresários que apregoam a importância das pessoas nas organizações, que fazem conferências sobre motivação, liderança e sentido de missão, vêm a público desvalorizar um sector inteiro, dispensando-se de um mínimo de sentido de justiça e reconhecimento, sem as quais as suas empresas ruiriam num ápice. Esses mesmos virão em breve interpelar o poder político sobre a perda de qualidade dos serviços, virão arrepelar os cabelos e indignar-se com a descida das nossas escolas, tribunais e outros serviços públicos nos rankings internacionais, que ainda há tão pouco tempo eram apontados como determinantes para captar investimento externo. E, nessa altura, afirmarão com dobrada veemência que “o Estado” prejudica o País, que o desinvestimento nas pessoas que nele trabalham foi um erro enorme, que temos os equipamentos e não tempos competências, que o País não pode desenvolver-se sem que o Estado recrute os melhores para garantir a defesa dos interesses públicos. Esses, que hoje falam desabridos contra o sector público, serão os primeiros a esquecer que contribuíram, de forma irreversível, para o empobrecimento do País. É só aguardar os próximos rankings e os dias sim e os dias não invertem-se de imediato…

14 comentários:

  1. Depois da era do " vazio abundante" temos agora a era da "enchente vazante". E o Estado entre o desgraçadinho e o pedante. Mas sem que se veja para onde se esta a ir "cegamente".
    Sendo de família de funcionários públicos rigorosos e sérios, estou a achar tudo isto deplorável.Tendo por mais de uma vez Servido a Coisa Publica com devoção e sabendo o que esta em causa (€) vejo tudo com a emoção de quem tem medo de antes do tempo " ter razão".Oxalá me engane e os rankings sejam temporariamente suspensos.Ou o Pais fique suspenso ate que haja petróleo em qualquer sítio por ca.

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  2. Cara Suzana,

    Esse tipo de argumento, peço desculpa, não faz sentido nenhum. Se me viesse dizer que os medicamentos, que os equipamentos hospitalares, que os computadores das escolas, que os reagentes ou qualquer coisa usada pelos serviços públicos que depende do trabalho de suiços, ou dos suecos ou dinamarqueses não podem ser reduzidos, tinha toda a razão.

    Estamos a falar de coisas produzidas por portugueses. E o que está a dizer é que estes portugueses produzem bem, mas só se forem melhor pagos que os outros todos. Se os outros tiverem que reduzir os custos porque não podem pagar, então já não são bons. Se isto não diz tudo sobre o profissionalismo dos funcionários públicos, vou ali e já venho. Esse argumento que apresenta, o de que a qualidade dos serviços públicos é indexada ao dinheiro que consome é, na realidade, o melhor argumento para se dizer "este país não pode ter estado porque os funcionários públicos são ingeríveis".

    Alguém acredita que uma empresa onde os custos não podem sofrer reduções, sem isso implicar reduções de qualidade, é viável???? Porque é que se acredita que um estado onde isso acontece é viável?

    Eu continuo a achar que os funcionários públicos portugueses estão a tomar um conjunto de coisas como garantidas que estão longe de estar, particularmente a existência de um público

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  3. Adorava que se enganasse na analise e previsão, que só posso subscrever. Nao auguro nada de bom para o pais, infelizmente. E só lamento toda a dedicação que a generalidade dos funcionários públicos deu a um pais que nao os merece.

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  4. Eu penso que a administração pública e privada, não encontraram ainda a forma recta de reconhecer os direitos de cada um, a equidade e a equidistância; disputando-se de forma provocatória.

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  5. Resolve-se facilmente a contenda. faz-se como em Inglaterra em que os funcionários públicos são contratados e despedidos na medida das necessidades não do Estado, mas do país.

    E cara Susana o problema actual português é que tem de se adequar o estado ao que a economia lhe pode propiciar, não ao contrário.

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  6. Não sei caro (c). Repare, a maioria dos nossos funcionários públicos, encontra-se na casa etária entre os 50 e os 60 anos.
    Se forem despedidos, dificilmente voltarão a sem empregados por vários motivos, independentes das suas aptidões e capacidades de trabalho; 1º porque o preconceito relativamente à incompetência e indolência do fp, mantem-se bem vivo. 2º porque no nosso país não existe emprego para pessoas com mais de 50 anos, independentemente de estarem dispostas a aceitar trabalhos de "categoria" inferior ao anterior. 3º a forma de funcionamento da administração pública é de tal forma burocrática e específica que difícilmente, alguém que não esteja familiarizado com as suas regras e preceitos, poderá desempenhar com prefeição as funções inerentes.
    Portanto, a sua sugestão, para poder efectivamente servir, teria de préviamente ser feita uma reestructuração dos serviços do estado, por forma a coloca-los ao nível de funcionamento de qualquer empresa privada. No entanto, as finalidades de ambos, são díspares.

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  7. E veja lá, caro Bartolomeu, que ainda assim sugerem que a qualidade do serviço vai baixar...

    Não existe nenhum preconceito face à incompetência e indolência do funcionário público. Aliás, se estamos a discutir este ponto é exactamente porque se demonstra, pelo menos o El País parece demonstrar, que não há preconceito nenhum, estamos a falar de factos. Se não ganharem mais do que os outros podem pagar então fazem baixar a qualidade. Já não estamos ao nível do preconceito, já ultrapassámos isso.

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  8. Caro Tonibler, essa avaliação penso que ´deverá ser feita de diversos ângulos.
    Note que na ampla esfera da Administração Pública existem vários tipos de funcionário público.
    Temos médicos, professores, funcionários da justiça, administradores e funcionários administrativos. Ou seja; temos sectores da administração pública onde a falta de zelo, de empenho, de qualidade de trabalho se fazem notar, onde a excelência é imprescindível (apesar de nem sempre efectiva) e outros onde a função se resume a manter a máquina em movimento.
    Assim é fácil entender-se que o preconceito nunca poderá ser aplicado equitativamente e a equidistância nunca se manterá.
    ;)))
    No entanto, o problema da baixa de qualidade, pode ser efectivo...
    ;)

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  9. Caro Bartolomeu,

    Desculpe lá mas isso é "cozinha". Pagamos milhares de chefes de isto e daquilo, chefes grandes e pequenos, eleitos e permanentes, todos escolhidos por concurso sujeitos a 450000 artigos de 18 códigos... e agora vem-me dizer que eu é que sei quais aqueles que devem ir para a rua e quais é que não devem? Quero lá saber!!... O que sei é que custam demais portanto, vai a direito.

    E dizerem-me que a qualidade vai baixar é para cortar ainda mais, de certeza. No princípio da equidade fiscal que alguns reclamam, devia cortar-se 7 salários aos funcionários públicos e não 2. Eu não sou tão radical, mas...

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  10. Bom, então, vamos bater naquilo que disse anteriormente; antes de despedir a eito, é necessário reestructurar a fundo. De outro modo, como é que pretende fazer? juntar a função pública dentro do campo pequeno e metralhar tudo?
    Naaa... essa do a eito não funciona!
    ;)
    Mas eu compreendo prefeitamente o que quer dizer, quando se refere à questão do deterimento da qualidade em função da "quantidade" do pagamento.
    Em minha opinião, uma não deveria depender da outra, é até ofensivo para a própria administração, admitir essa premissa.
    No entanto, a máquina é enorme, pesadíssima e recheada de feudos, cada um com a sua própria fronteira.
    ;)

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  11. Não funciona a eito?? Então mostrem-me as dispensas... já feitas, claro.

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  12. Anónimo18:23

    Pois é Suzana, diaboliza-se com a mesma facilidade e leveza com que se sacraliza. Neste terrivel movimento comentem-se muitas injustiças. O seu post fez-me recordar meu pai, funcionário público que dedicou a sua vida a uma carreira que pouco lhe retribui. Agora na reforma, nem o sossego de uma pensão suficiente para acorrer às despesas que a velhice impõe tem garantido.

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  13. Caro Francisco, tem razão, é realmente a alternância de “marés” que torna tudo incontrolável e impossível de planear e cumprir o que se planeia. Já perdi a conta às “reformas da administração pública”, todas urgentíssimas, seguidas pelos jornais com grande alarido e pelos sindicatos com a ladainha de sempre. Apesar disso, o Estado tem conseguido organizar e prestar importantes serviços à economia e às pessoas e, em muitos sectores, foi o Estado que se fizeram primeiro as grandes transformações trazidas pela tecnologia. Mas nós gastámos o dinheiro, formámos as pessoas, compramos ou construímos os equipamentos, mas deitamos tudo fora sem pestanejar, com a miragem de uma grande e definitiva revolução. Não há revoluções, a não ser com grandes perdas. E as transformações precisam de um rumo e de tempo, no Estado como em qualquer sector de grande dimensão.
    Caro Tonibler, sabe melhor do que eu que não servem de nada os equipamentos sem as pessoas. E não se trata de trabalhar pior porque se recebe menos, há anos que as pessoas que trabalham no Estado têm os salários congelados (excepto nas eleições), as promoções congeladas, como congelados foram os prémios de produtividade que iriam finalmente acabar com as fórmulas gerais e reconhecer o mérito. Não se trata de trabalhar pior, embora acredite que se reduzir os salários às pessoas que trabalham para si elas não fiquem radiantes. Trata-se de não ser possível manter a qualidade dos serviços porque não será possível recrutar os mais capazes, nem manter os competentes, nem haver sequer o mínimo estímulo a que se progrida e assumam responsabilidades. Queira ou não queira, o Estado assegura em Portugal importantes sectores e, até ver, não está demonstrado que os privados queiram, possam ou saibam fazer melhor, pelo menos nos essenciais, que são os que custam significativamente nesta factura Por isso, insisto, talvez baixem os “custos”, como diz, mas temos que contar com a perda de quantidade e de qualidade e isso, caro Tonibler, vale muito dinheiro para a economia. Não consigo perceber que não se valorize este aspecto, por muito inevitável que seja, e é a isso que me refiro neste post.
    Caro Bartolomeu, creio que está demasiado entranhada, salvo em discursos de ocasião, essa ideia de “divisão”, em geral porque as pessoas desconhecem bastante a razão de ser de muitas regras, de muitas práticas e das dificuldades específicas que têm os profissionais do sector público. Mas, quando se fala do assunto é, em geral, para complicar ainda mais… e todos aplaudem, julgando que é sem custos e sem pessoas preparadas que se executam as decisões. Nada a fazer.
    Caro P.A.S., a economia tem um largo contributo do Estado, só que isso não é contabilizado a não ser como custos, como despesa anual, por isso digo, e mantenho, que é impossível pretender que decisões que afectem fortemente o sector público só “aliviarão” a economia. O que não quer dizer que seja possível manter, o que digo é que isso fará parte do nosso empobrecimento, e a consciência disso não parece muito evidente das reacções que oiço.
    Caro Ferreira de Almeida, os reformados, sejam do Estado ou do sector privado, são “publicizados”, vivem a “pesar o orçamento”, e o modo como são considerados decorre disso mesmo. São “custos”.

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  14. Cara Suzana,

    Os factos são os seguintes:

    - O valor económico do estado é altamente negativo, vê-se pelo défice;

    - A qualidade dos serviços é baixa face aquilo que custam, senão o valor económico do estado não seria negativo

    Portanto, e isto não tem nada de opinativo, o estado só é viável se o seu custo se adaptar à sua qualidade que é baixa. Baixíssima, face ao que custa. Tem que se reduzir o custo. Se baixar o custo reduzir a qualidade, tem que se reduzir o custo outra vez. E assim sucessivamente. Se não sobrar nada, então é porque não somos mesmo viáveis e pronto.

    E se confiarmos nos critérios de equidade fiscal defendida por alguns, ainda temos que cortar mais 5 salários à função pública...

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