Na Idade Média as execuções eram públicas, para exemplo e também para satisfação popular, pois assim o povo podia comprovar com os seus próprios olhos que fora feita “justiça” e saciar a sua sede de vingança. Muitas vezes era parte da punição deixar os cadáveres insepultos, pendurados na forca ou com as cabeças espetadas em lanças, à vista de todos, sendo esta a negação última de um tratamento humano, a falta de respeito pelos restos mortais.
Hoje, em pleno séc. XXI, as “Primaveras” chegam-nos acompanhadas de imagens que lembram, às vezes por excesso, a barbárie que há muito julgávamos intolerável. Hoje, no orgulhoso mundo global que exporta princípios de democracia e humanidade, os discursos sobre a Líbia das altas autoridades europeias e mundiais são o fundo sonoro de um filme de terror que mostra, uma e mil vezes, o linchamento de um governante derrotado.
Hoje, em pleno séc. XXI, a Europa e o mundo ocidental, do alto da sua arrogância civilizacional, vêem as imagens e mantêm o discurso, glória ao futuro de paz, vivam os vitoriosos. Não dizem, como César, “vae victis”, ai dos vencidos!, não, nem pensar, mas fazem de conta que as imagens captadas por telemóveis da turba insana que golpeava o meio-morto ditador não contam para os registos, estão mal filmadas, levantam dúvidas, a Nato diz mesmo que vai mandar abrir um inquérito para saber “as circunstâncias” da morte. Na perspectiva da Nato, portanto, é da maior relevância “esclarecer” os espíritos inquietos sobre se o homem que antes recebiam com honras de chefe de estado já estava ou não morto antes de a multidão o estraçalhar, os juízos têm que ser justos e ponderados, pois claro, é preciso pensar bem antes de condenar, alto e bom som, o modo como foi executado, à moda da Idade Média, o odioso Coronel Kadhafi. Nós ouvimos as “palavras de esperança” dos homens que guiam os destinos do mundo e ficamos aterrados com as imagens que as ilustram e nos entram pela casa dentro. E duvidamos que elas possam ser sinceras, suspeitamos fortemente que sejam ditadas pelo medo, pelo horrível medo de afrontar a barbárie, de não suscitar ódios ou retaliações em relação a futuras diplomacias.
Não há coragem para qualificar com clareza as imagens que vemos na Líbia. As câmaras de rapina fazem grandes planos do cadáver miseravelmente exposto, da cara putrefacta, das feridas, do cobertor imundo lançado às três pancadas sobre as pernas, das máscaras que defendem do cheiro. As filas e filas "do povo que quer ter a certeza de que ele morreu” não deixam acabar com este horror e as televisões passam, uma e outra vez, no mundo inteiro, o cúmulo da degradação humana. À milésima vez, já nada nos emociona, já tudo parece indiferente, já se afastou para bem longe a fronteira do inconcebível.
Que tremam, os seus sucessores e todos os poderosos do mundo que não conseguem arranjar palavras para se indignar. Que tremam e leiam os sinais. Que não são de esperança nem de redenção. São de vingança e de barbárie, o que pensávamos já não ser possível ver sem que se levantasse num coro indignado. Mas as vozes são cada vez mais fracas, o politicamente correcto é muito relativo, tão relativo quanto assustador. A Idade Média não alarma ninguém, nem abala as proclamadas esperanças. Vae victis, como sempre, afinal.
Hoje, em pleno séc. XXI, as “Primaveras” chegam-nos acompanhadas de imagens que lembram, às vezes por excesso, a barbárie que há muito julgávamos intolerável. Hoje, no orgulhoso mundo global que exporta princípios de democracia e humanidade, os discursos sobre a Líbia das altas autoridades europeias e mundiais são o fundo sonoro de um filme de terror que mostra, uma e mil vezes, o linchamento de um governante derrotado.
Hoje, em pleno séc. XXI, a Europa e o mundo ocidental, do alto da sua arrogância civilizacional, vêem as imagens e mantêm o discurso, glória ao futuro de paz, vivam os vitoriosos. Não dizem, como César, “vae victis”, ai dos vencidos!, não, nem pensar, mas fazem de conta que as imagens captadas por telemóveis da turba insana que golpeava o meio-morto ditador não contam para os registos, estão mal filmadas, levantam dúvidas, a Nato diz mesmo que vai mandar abrir um inquérito para saber “as circunstâncias” da morte. Na perspectiva da Nato, portanto, é da maior relevância “esclarecer” os espíritos inquietos sobre se o homem que antes recebiam com honras de chefe de estado já estava ou não morto antes de a multidão o estraçalhar, os juízos têm que ser justos e ponderados, pois claro, é preciso pensar bem antes de condenar, alto e bom som, o modo como foi executado, à moda da Idade Média, o odioso Coronel Kadhafi. Nós ouvimos as “palavras de esperança” dos homens que guiam os destinos do mundo e ficamos aterrados com as imagens que as ilustram e nos entram pela casa dentro. E duvidamos que elas possam ser sinceras, suspeitamos fortemente que sejam ditadas pelo medo, pelo horrível medo de afrontar a barbárie, de não suscitar ódios ou retaliações em relação a futuras diplomacias.
Não há coragem para qualificar com clareza as imagens que vemos na Líbia. As câmaras de rapina fazem grandes planos do cadáver miseravelmente exposto, da cara putrefacta, das feridas, do cobertor imundo lançado às três pancadas sobre as pernas, das máscaras que defendem do cheiro. As filas e filas "do povo que quer ter a certeza de que ele morreu” não deixam acabar com este horror e as televisões passam, uma e outra vez, no mundo inteiro, o cúmulo da degradação humana. À milésima vez, já nada nos emociona, já tudo parece indiferente, já se afastou para bem longe a fronteira do inconcebível.
Que tremam, os seus sucessores e todos os poderosos do mundo que não conseguem arranjar palavras para se indignar. Que tremam e leiam os sinais. Que não são de esperança nem de redenção. São de vingança e de barbárie, o que pensávamos já não ser possível ver sem que se levantasse num coro indignado. Mas as vozes são cada vez mais fracas, o politicamente correcto é muito relativo, tão relativo quanto assustador. A Idade Média não alarma ninguém, nem abala as proclamadas esperanças. Vae victis, como sempre, afinal.
Normalmente dar armas a rufias acaba por ter maus resultados. As armas são uma coisa demasiado séria para estar nas mãos de quaisquer outros que não profissionais. Pena que no ocidente se continue com ideias de proselitismo metendo o nariz em guerras internas de países terceiros. Este é um dos resultados.
ResponderEliminarExcelente texto, cara Suzana.
ResponderEliminarTodavia, tal tratamento aos vencidos não vem só da Idade Média, mas é descrito desde que que há história. O homem pouco ou nada mudou e, quando as circunstâncias o permitem, volta à barbárie.
Suzana
ResponderEliminarQuem não se lembra do enforcamento de Saddam Hussein filmado em directo, certamente com direitos vendidos, sabe-se lá a que preço, para a sua transmissão e retransmissão pelas televisões de todo o mundo? Voltámos, ou nunca de lá saímos, a bem dizer, às execuções públicas, agora com a vantagem de a globalização e os avanços tecnológicos poderem satisfazer à escala global a mórbida curiosidade daqueles que dizem respeitar a vida e choram a morte com recato e tristeza e que se deveriam indignar com a degradação humana. Mas não, a política, a economia, os negócios e mais uns quantos interesses falam mais alto que a dignidade e depois é o resultado que se vê.
Escolhi não ver estas imagens. E sim, teria gostado muito de ver as altas instâncias, como a NATO, banir o uso destas imagens mais do que pugnar por uma dúbia investigação.
ResponderEliminarMas não acredito que seja nossa condição a barbárie, embora saiba que sempre existirão "bárbaros". Acho que estes episódios são tristes anomalias de uma longa história de evolução, que não abarcamos mas da qual todos fazemos parte. Todos.
Não há solução para certos comportamentos. São eternos, quer os bárbaros que governam, quer os que os matam e ainda os "heróis" da comunicação social a relembrar a canção do ceguinho a vender a folha da tragédia, cantando-a ao mesmo tempo...
ResponderEliminarA maioria dos nossos combatentes no Ultramar, fazia como os meus pára-quedistas.
ResponderEliminarCapturado um frelimo em combate, passado um pouco desfaziam-se das suas rações de combate para o alimentarem.
Na verdade, não há guerra sem barbárie.
A não merecer que os responsáveis (políticos) não venham depois fazer de virgens.
«Ai dos Vencidos»
ResponderEliminarSobretudo se impuseram um regime ditatorial sobre aqueles que governanram, sobretudo se aniquilaram bárbaramente, se assassinaram sem piedade, todos aqueles que se lhe opuseram.
«Ai dos Vencidos»
Sobretudo se viveram uma vida rodeada de opulência em contraponto à miséria daqueles que governaram, sobretudo se exploraram as vidas alheias e se dispuseram delas como se de propriedade sua se tratasse, com o fim de satisfazer caprichos absurdos e extravagâncias extremas.
Desde antes da idade média, o sangue reclama sangue e a ignomínia é saldada com ignomínia. A Paz e a concordia são utopias que alimentam a metade do mundo capaz de o manter equilibrado.
A frase "Vae Victis!" não foi registada por Tito Lívio como proferida por César, mas por Brennus, chefe da tribo Gaulesa dos Senones, em 390 AC.
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ResponderEliminarComeço por dizer que é difícil encontrar as palavras adequadas para exprimir o elogio que este post merece. Dito isto, a morte do coronel kadafi é bem demonstrativa de como, tanto uns como outros, quem deu a ordem aos aviões para parar a coluna e os agressores que em terra procederam ao linchamento em directo, são culpados deste crime hediondo. É nestas alturas que a descrença na felicidade humana vem ao de cima, e com razão, e nos lembra que o nosso comportamento primitivo em pouco mudou.
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