Ontem a chanceler alemã, numa intervenção no parlamento, anunciou a necessidade de reformar o tratado reformador. Anunciou o óbvio. Se a Europa sobreviver a esta crise que começou por ser financeira mas que cedo pos a nú as fragilidades do projeto europeu celebrado em Lisboa, as alterações não podem ser de circunstância, têm de ser profundas e sobretudo racionais. Diferentemente do que tem vindo a público, a solução não se reconduz somente à perda da soberania económica dos Estados a favor de uma União que se entende que neste plano se deve tornar mais federal. É o próprio modelo de governação europeia que deve ser questionado e profundamente alterado para que seja possível fazer uma verdadeira união política e económica a partir da diversidade e heterogeneidade nacionais, em vez de as ignorar ou menosprezar.
A falta de capacidade revelada pelas instituições europeias (umas criadas, outras reforçadas pelo Tratado de Lisboa) para enfrentar os momentos de dificuldade e de incerteza que os cidadãos europeus hoje vivem, diz tudo sobre a ingente necessidade de repensar o projeto europeu e não só a Europa do euro. Diz da necessidade de, tal como se exige aos Estados membros, combater a excessiva burocracia europeia, reduzir a dimensão de uma máquina que as atuais circunstâncias revelaram ser pouco competente e sobretudo pouco ágil na prognose dos problemas e no estudo de soluções. Diz da indispensabilidade de mecanismos que impeçam que os interesses de cada Estado se possam sobrepor às necessidades da União. Diz da autoridade que se tem de reconhecer a um poder europeu que não pode mais encontrar-se pulverizado por inúmeros centros de decisão e, pior do que isso, submetido aos interesses nacionais dos Estados que os podem impor.
Pode parecer paradoxal que seja precisamente a Alemanha (e o Reino Unido, após a rebelião nos conservadores a que se assiste) a reclamar por uma reforma profunda dos tratados, a mesma Alemanha que se fez surda às vozes que no dealbar da crise prognosticaram o caráter efémero do Tratado de Lisboa. Mas só parecerá paradoxal a quem, ingenuamente, acreditou na solidez do compromisso firmado em Dezembro de 2007 em Lisboa. Compromisso tão efémero quanto infantil era a satisfação do PM português traduzida naquele “porreiro, pá!” que hoje se significa algo de não risível retrata somente a leveza dos materiais com que se ergueu este edifício europeu, sobretudo após os alargamentos a leste.
Olha-se para as duas personagens do "porreiro pá", os seus passados, atitudes e comportamentos, que poderia vir de ali de positivo?
ResponderEliminarQuanto aos comparsas da antiga capital do Império, na Autarquia, nem o terreno frente à torre de Belém que deu guarida à tenda do Tratado numa noite de tempestade, foram até hoje capaz de recuperar. Falidos?
"Alegria infantil" pois.
Subscrevo inteiramente.
ResponderEliminarCom uma ressalva: Os protagonistas do vídeo estão longe se serem os mais responsáveis pelo equívoco.
Foram apenas mestres de uma cerimónia com que os autores desse equívoco quiseram ignorar uma realidade que eles sabiam existir mas supunham que a maré alta não descesse e a desvendasse.
Mas não há maré alta sem maré baixa.É a gravidade celeste a descobrir a gravidade dos actos humanos.
De acordo.
ResponderEliminar"Todos os participantes sabem que este nível de "cooperação reforçada" não é possível no quadro dos tratados existentes. A consequência de um "governo económico" comum, que também agrada ao Governo alemão, significaria que a exigência central da capacidade de concorrência de todos os países da comunidade económica europeia iria muito além das políticas financeiras e económicas, até aos orçamentos nacionais, e chegaria ao ventrículo do coração, ou seja, ao direito dos parlamentos nacionais em matéria orçamental.
ResponderEliminarAinda que um direito válido não deva ser infringido de forma flagrante, esta reforma em suspenso só é possível pela via de uma transferência de outras competências dos Estados-membros para a União. Angela Merkel e Nicolas Sarkozy chegaram a um compromisso entre o liberalismo económico alemão e o estatismo francês que tem um conteúdo completamente diferente. Se não me engano, os dois procuram consolidar o federalismo executivo implícito no Tratado de Lisboa numa autoridade intergovernamental do Conselho Europeu, que é contrária ao Tratado. Um regime destes permitiria transferir os imperativos dos mercados para os orçamentos nacionais, sem qualquer legitimação democrática própria.
Deste modo, os chefes de governo transformariam o projeto europeu no seu oposto: a primeira comunidade supranacional democraticamente legalizada tornar-se-ia um entendimento efetivo, por ser velado, de exercício de um domínio pós-democrático. A alternativa reside na continuação consequente da legalização democrática da UE. Uma solidariedade dos cidadãos, alargada a toda Europa não pode constituir-se se, entre os Estados-membros, ou seja, nos possíveis pontos de rutura, se consolidarem desigualdades sociais entre nações pobres e ricas.". Habermas, sobre a actual situação na Europa - http://www.presseurop.eu/pt/content/article/1106151-juergen-habermas-esta-em-jogo-democracia