quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

"Chiça"!

O acaso existe e precisa de ser reconhecido e interpretado, de outro modo pode induzir em erro, criar preconceitos e ser fonte de infelicidade. O raio do acaso ameaça tudo e todos, quer no dia a dia quer na ciência. Neste último caso dispomos de alguns meios que permitem controlar ou minimizar evitando os seus efeitos negativos. Um dos fenómenos com que nos confrontamos com certa frequência é a "regressão para a média". Para dar uma ideia simplificada do mesmo, podemos utilizar alguns exemplos. Um aluno regular, que vai tirando aquelas notas meio mixuruca que lhe permite passar de ano, vê-se de repente com uma alta classificação. Os pais, orgulhosos, veem no filho algo de novo. Está mudado. Até tirou uma nota altíssima. Vai daí premeiam-no à maneira. O rapaz merece, dizem ufanamente. Mas logo a seguir volta tudo ao mesmo. Conclusão dos pais, não deviam ter premiado daquela forma, estragaram-no. Em contrapartida, um bom aluno pode ter um insucesso sem que isso signifique algo de mal, mas corre o risco de apanhar um castigo dos pais, injustamente, apenas porque o acaso lhe pregou uma partida, mas logo a seguir volta tudo à normalidade, embora não se tenha livrado de algum sofrimento ou incompreensão. No desporto também acontecem casos semelhantes, heróis casuais que logo a seguir acabam na mediania que sempre os caracterizou; entrementes conseguiram gozar de fama e proveito quais novos Pelé ou Eusébio. Enfim, a regressão para a média é um fenómeno em que medidas subsequentes tendem a aproximar-se da média.
Esta introdução serve para explicar algo preocupante que está a ocorrer na sociedade portuguesa. O nível de conhecimentos está em franca diminuição, a cultura estremece, a ignorância torna-se arrogante e os cidadãos não se incomodam minimamente em demonstrá-la publicamente como se fosse a coisa mais "normal" (média) do mundo. A televisão, na sua missão de serviço público, é um bom exemplo e, também, uma boa escola, ao promover espetáculos de qualidade mais do que duvidosa, alguns mesmo deploráveis, enquanto noutros, usando e abusando dos conhecimentos, pretendem fazer com que passemos o tempo a consumi-la e, quiçá, aprendendo alguma coisa. Tenho muitas dúvidas se aprendemos ou não com certos concursos televisivos, mas, pelo menos, informa-nos da qualidade cultural dos intervenientes, alguns dos quais conseguem provocar arrepios convulsivos, umas vezes de riso outras de tristeza. Passo a exemplificar com um programa do concurso "O Elo Mais Fraco", um programa em que o apresentador, meio taranta, põe-se a fazer perguntas de rajada, acabando por insultar os participantes de forma pouco educada, ou mesmo sem qualquer educação. Num deles, e a propósito da bandeira nacional, um dos intervenientes começou a dar explicações sobre as cores e os símbolos da bandeira. Meu Deus. Nem queria acreditar. Ouvi tanto disparate, tanta ignorância, tanto despudor e o concorrente sempre com ar sorridente! Como é possível? O senhor era mesmo português, falava português, tinha nome português, Angelo, de sua graça. Incrível. Não consigo compreender. Muito fracos, demasiados fracos, fracos demais... O facto de agora haver muitos canais permitiu-me refugiar num mais simpático e menos agressivo, o Canal Panda, devido à crescente influência dos netos! Este fenómeno que acabo de escrever não é isolado, não senhor, está em franco crescimento, denotando uma "média" nacional baixa e convidando naturalmente a uma "regressão para a média" por parte dos restantes.
A solução de muitos males está precisamente em fugir à "regressão para a média", o que exige muito esforço, estudo, empenhamento e determinação. Mas com programas deploráveis e de fraco nível o que é que estamos a criar? Abaixamento das nossas capacidades, no sentido literal do termo, acabando por comprometer qualquer sucesso ou crescimento da sociedade.
"Chiça"! É demais.

1 comentário:

  1. Há as médias e as medianias, talvez se possa dizer assim, para salvarmos os dois. A média só é estimulante se nos compararmos com o que queremos alcançar, e não com o que conhecemos, a mediania é satisfazermos-nos com o que conhecemos. O ano passado, e o ano anterior, tive a gratificante oportunidade de dar explicações a um jovem vindo de um país lusófono e que tinha a ambição de entrar cá na universidade. Vinha do seu país de origem com notas muito altas, era de longe o melhor da escola e, quando cá chegou, teve que recuar um ano, mesmo assim chumbou, precisou de muito esforço e trabalho para finalmente chegar onde queria. Um dia, pouco depois de começarmos as lições, escreveu um texto em que dizia que era muito duro estar habituado a ser o melhor e de repente passar a ser o pior. Que sofria com o facto de os colegas o olharem como ele olhava os maus alunos da turma da sua escola de origem, era muito mais feliz quando acreditava que era muito bem, estava capaz de desistir. Expliquei-lhe que só se progride quando se sente essa insatisfação, quando nos comparamos com os que sabem mais e aspiramos a ser como eles, a estar na média dos que são a nossa referência e não nos contentamos com a mediania de nos sentirmos bem entre os que não nos podem ensinar nada. E insisti que, quando se sentisse na média da universidade que ele escolhera e tentasse ir para uma escola em Londres ou nos EUA, das mais prestigiadas, ia voltar a sentir o mesmo, e por aí fora, sempre que a ambição o estimulasse ia sentir o desconforto de estar abaixo da média que almejava. Mas, de cada vez que subia na escala das "médias" alvo, já era muito melhor do que estava quando partira.

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