Há juízes assim, sensíveis aos dramas psicológicos e atentos à manifesta incapacidade de exprimir sentimentos.
Deu-se o caso na Califórnia, em que o réu, um homem de 47 anos e sem cadastro criminal, ia acusado de violência doméstica, por ter agredido e deitado as mãos ao pescoço da mulher quando ela protestou por ele não se ter lembrado de que era o dia de aniversário dela.
Como toda a gente sabe, ignorar o aniversário da mulher é um ato de grande alarme, uma autêntica prova de desamor se foi puro esquecimento ou um desafio insolente se com isso pretende demonstrar até que ponto anda descontente com a relação. Digo isto porque uma pessoa que seja indiferente a esse ponto já não tem emenda, se o marido se esquece e a mulher não o faz notar então faz de conta que já não vivem juntos, nada a salvar.
O juiz terá ouvido o relato dos factos e lá deduziu que nem ela gostou de ser ignorada nem ele gostou de se ver criticado pela indiferença, tratar-se-ia assim de um caso de incapacidade de expressão de sentimentos positivos, uma liçãozinha de sentimentos de pernas para o ar, digamos assim, devias ter-te lembrado dos meus anos, não me lembrei o que é que queres, não sei porque é que te aturo se nem dos meus anos te lembras, não quero mais conversas dessas, vou falar disso até me apetecer, e por aí fora até ao desastre.
Podia ter sido assim, não sei, mas acabou mal, ele perdeu a cabeça e bateu-lhe, quase a estrangulou com a fúria, o juiz é que teve que apreciar a questão e avaliar a punição. E decidiu que se calhar o melhor era ensinar ao homem uns básicos sobre como-demonstrar-que-se- quer-bem, então do que é que a sua mulher gosta, de bowling, e restaurantes, há algum que prefira, o homem a rir-se, enfiado, a recear estar a ser troçado, diga lá, o Lagosta Vermelha, pois muito bem. O senhor vai sair da prisão, vai comprar flores à sua mulher, arranja-se, leva-a ao Lagosta Vermelha e depois vão jogar bowling, ouviu? Vai fazer assim e acabou-se.
Todos na audiência estavam pasmados, a segurar o riso, o juiz é ridículo, mas o juiz manteve-se sério, talvez tenha tido pena da rudeza bruta do homem, talvez tenha acreditado no que a mulher disse, que estava disposta a perdoar. Lá achou que valia a pena um pouco de pedagogia, menos lei e mais lição de vida.
O homem saiu condenado a aprender a tratar bem a sua mulher, a mostrar que lhe quer agradar, pode ser que descubra que não é assim tão difícil tentar, pequenos gestos, pensar no que ela gosta, dar importância ao momento. E ela estranhará, talvez fique a pensar que ele só o faz para não ir preso, talvez até lho diga abertamente, quando o vir todo bem arranjado a estender-lhe desajeitado o ramo de flores, só fazes isso porque senão ias preso, talvez ele contenha o impulso de a esbofetear de novo por ela teimar em o criticar de novo por falta de amor, talvez ele se lembre do juíz e lhe diga, simplesmente, faço isto porque gosto de ti.
Talvez a sentença faça História, quem sabe? Às vezes os grandes problemas têm soluções bem simples.
Deu-se o caso na Califórnia, em que o réu, um homem de 47 anos e sem cadastro criminal, ia acusado de violência doméstica, por ter agredido e deitado as mãos ao pescoço da mulher quando ela protestou por ele não se ter lembrado de que era o dia de aniversário dela.
Como toda a gente sabe, ignorar o aniversário da mulher é um ato de grande alarme, uma autêntica prova de desamor se foi puro esquecimento ou um desafio insolente se com isso pretende demonstrar até que ponto anda descontente com a relação. Digo isto porque uma pessoa que seja indiferente a esse ponto já não tem emenda, se o marido se esquece e a mulher não o faz notar então faz de conta que já não vivem juntos, nada a salvar.
O juiz terá ouvido o relato dos factos e lá deduziu que nem ela gostou de ser ignorada nem ele gostou de se ver criticado pela indiferença, tratar-se-ia assim de um caso de incapacidade de expressão de sentimentos positivos, uma liçãozinha de sentimentos de pernas para o ar, digamos assim, devias ter-te lembrado dos meus anos, não me lembrei o que é que queres, não sei porque é que te aturo se nem dos meus anos te lembras, não quero mais conversas dessas, vou falar disso até me apetecer, e por aí fora até ao desastre.
Podia ter sido assim, não sei, mas acabou mal, ele perdeu a cabeça e bateu-lhe, quase a estrangulou com a fúria, o juiz é que teve que apreciar a questão e avaliar a punição. E decidiu que se calhar o melhor era ensinar ao homem uns básicos sobre como-demonstrar-que-se- quer-bem, então do que é que a sua mulher gosta, de bowling, e restaurantes, há algum que prefira, o homem a rir-se, enfiado, a recear estar a ser troçado, diga lá, o Lagosta Vermelha, pois muito bem. O senhor vai sair da prisão, vai comprar flores à sua mulher, arranja-se, leva-a ao Lagosta Vermelha e depois vão jogar bowling, ouviu? Vai fazer assim e acabou-se.
Todos na audiência estavam pasmados, a segurar o riso, o juiz é ridículo, mas o juiz manteve-se sério, talvez tenha tido pena da rudeza bruta do homem, talvez tenha acreditado no que a mulher disse, que estava disposta a perdoar. Lá achou que valia a pena um pouco de pedagogia, menos lei e mais lição de vida.
O homem saiu condenado a aprender a tratar bem a sua mulher, a mostrar que lhe quer agradar, pode ser que descubra que não é assim tão difícil tentar, pequenos gestos, pensar no que ela gosta, dar importância ao momento. E ela estranhará, talvez fique a pensar que ele só o faz para não ir preso, talvez até lho diga abertamente, quando o vir todo bem arranjado a estender-lhe desajeitado o ramo de flores, só fazes isso porque senão ias preso, talvez ele contenha o impulso de a esbofetear de novo por ela teimar em o criticar de novo por falta de amor, talvez ele se lembre do juíz e lhe diga, simplesmente, faço isto porque gosto de ti.
Talvez a sentença faça História, quem sabe? Às vezes os grandes problemas têm soluções bem simples.
Uma delícia de acontecimento e humor.
ResponderEliminar«soluções bem simples»
Nem mais.
Mas temos aqui uma tendência muito nossa: fazer por complicar as coisas simples.
Que aliás acabo de ver citada por um jornalista inglês aportuguesado por uma longa permanência e família portuguesa:
“Os Portugueses”, de Barry Hatton.
Durante uns anos confundi o aniversário da minha Dulcineia. Aliás nunca tive grande cabeça para aniversários (excepto para o meu, que levo cada vez menos a sério à medida que o tempo passa). Presentemente, com as novas tecnologias já tenho as datas nas agendas e esqueço-me muito menos.
ResponderEliminarIsto tudo para dizer que o parágrafo "Como toda a gente sabe" é um completo exagero, tipicamente feminino (a não ser que seja figura de estilo literário ou privada ironia).
Devíamos ser todos mais tolerantes a erros. Tento transmitir isso aos que trabalham comigo. Que somos pessoas e erramos acho que já percebem, agora ser tolerante aos erros dos outros (sem esquecer de tomar medidas que evitem a sua repetição) isto já custa mais a entrar.
Ainda para mais que esse esquecimento é um erro muito leve.
Sobre o resto também achei o juiz uma pessoa de muito bom senso.
Caro Bmonteiro, é que ser simples é muito mais difícil do que complicar, dá imenso trabalho!
ResponderEliminarCaro Mandatário do Réu, não é exagero nenhum, nem figura literária, é a realidade! Como bem refere, em geral as pessoas dão muita importância ao seu próprio aniversário, é de esperar que quem vive connosco se alegre e queira manifestar alegria por esse dia, o esquecimento nao é um erro, é um sinal de pouca importância. Não quer dizer que não se perdoe, mas que não se esquece, isso acho que não...