quarta-feira, 7 de março de 2012

Grécia ameaça não pagar..."bluff" necessário?

1.Decorrem as últimas horas de uma negociação complexa entre a Grécia e os credores privados da República Helénica, visando reduzir a dívida da Grécia em mais de € 100 mil milhões: os credores privados detêm cerca de € 206 mil milhões da dívida pública grega e foi-lhes proposto trocarem essa dívida por nova dívida garantida, com uma perda de 53,5% sobre o valor nominal, o que deverá implicar uma perda superior a 70% sobre os valores a que essa dívida se encontra contabilizada (custo de aquisição, inferior ao valor nominal).
2.Para que seja considerado vinculativo para a universalidade dos credores, a proposta de troca de dívida deverá ter a adesão de 95% dos credores (em peso da dívida detida), não se sabendo nesta altura se será possível atingir essa cifra, até porque entre os credores haverá “hedge-funds” que, encontrando-se protegidos por CDS (Credit Default Swaps) estarão hesitantes em aceitar a troca, pois têm a garantia de receber a totalidade dos créditos...
3.A incerteza quanto ao resultado final transformou-se nas últimas horas num verdadeiro “braço-de-ferro”, com ameaças, públicas e oficiais, por parte da Grécia, de que poderá não pagar NADA aos credores que não aceitarem participar (os chamados “holdouts”) na operação de troca de dívida...
4. A ameaça da Grécia consta de uma declaração emitida ontem pelo “IGCP” lá do sítio, na qual se diz mais ou menos que a Grécia “não contempla dispor de fundos para pagar aos credores privados” que até amanhã não venham a aderir à proposta de troca de dívida.
5.Embora numa linguagem algo eufemística, é clara a intenção de deixar os “holdouts” no deserto...só que nessa situação o “default” da Grécia seria incontornável, lançando o País numa espiral de incumprimento e colocando mesmo em causa o pacote de ajuda oficial, já sancionado pelos líderes europeus, de € 130 mil milhões...
6.Numa tal situação, para além da onda de choque que por certo viria a atingir outras dívidas, nomeadamente a (e a começar na) portuguesa, a principal vítima seria a própria Grécia que se veria a braços com uma situação de extrema gravidade, sendo duvidoso que o BCE pudesse continuar a aceitar dívida pública grega como colateral para o apoio que tem vindo a conceder a bancos gregos...era o fim...
7.Estamos pois perante a ameaça de utilização de uma arma letal, com potencial para disparar em todas as direcções mas com a particularidade de atingir, com especial poder de destruição, o próprio autor dos disparos...
8.É visível o “bluff” desta ameaça, embora os analistas o entendam: os tais credores hesitantes perceberão que, apesar de se poderem prevalecer dos CDS, a situação resultante de um “default” grego será de molde a causar-lhes danos colaterais de grande amplitude, pelo que mais valerá aceitarem a proposta e esquecerem os CDS...
9.Esperemos pois que amanhã, pelo fim do dia, possamos receber a notícia de que a Grécia e os credores privados lá se conseguiram entender...que alívio!

21 comentários:

  1. Caro Drº Tavares Moreira,
    Um esclarecimento, por favor:- Poder-me-á dizer qual o pressuposto ou pressupostos que levam aceitar que esta nova dívida é garantida, estando a Grécia, como dizem, falida!?

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  2. Não percebo o ponto 9. Não vejo que a eventual notícia de um acordo da Grécia com os seus credores seja um alívio. Se calhar não passará de um adiamento do problema.

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  3. É interessante como os bancos Portugueses, e os seus accionistas e depositantes directa ou indirectamente, são chamados ao pagamento destes prejuízos enquanto uma parte substancial da banca Alemã já se livrou de tal exposição incómoda.
    Entretanto nós, pobrezinhos mas honrados apesar dos juros usurários, seremos assim chamados não só a pagar a nossa dívida como a dívida dos Gregos...

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  4. "Estamos a ajustar a economia portuguesa a um ritmo muito superior ao estimado. O primeiro-ministro sustentou hoje que o Governo está a ajustar a economia portuguesa a um "ritmo muito superior ao estimado" e a realizar reformas a um "ritmo extremamente intenso", o que terá efeitos junto dos mercados.»

    Será esta a melhor estratégia para Portugal "a do para além da Troika"? (o ritmo?) tornando-se neste "para além" contraditória com a estratégia da Troika - que avisava para se não esquecer o crescimento (e ia nesse sentido o desagravamento da taxa social única, taxa que não foi desagravada porque não há aparentemente coragem? - será coragem? - de colocar um tecto máximo às reformas ou à sua duplicação).

    Não me parece! E o que é verdade é que os números e os factos do descontrolo emprego/receitas fiscais o demonstra (o arsenal de impostos, coimas e penhoras aí estará em toda a sua sensibilidade e efeito inverso ao que se devia pretender - desvalorização fiscal)

    Há até alguns Portugueses que recomendam outras mezinhas para além da Troika!

    «Se matar os funcionários públicos, as crianças, os reformados e os estudantes e não fizer nada pelos doentes, no final de Março tem a economia com excedentes. Os arsenais e os venenos existentes, portanto sem necessidade de compra com dinheiro publico, devem chegar para a tarefa. Porque não fazer dessa maneira em vez da morte lenta que estamos a usar Sr. 1º Ministro?»

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  5. Há que ver o lado positivo das coisas! :)

    Ainda bem que a Grécia não tem um poder militar muito impressionante. Olhem se eles resolvessem fazer acompanhar o bluff com um demonstração militar à laia de Coreia do Norte, isso sim era preocupante. Afinal o que é a guerra senão a continuação da política por outros meios, não é verdade?

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  6. É default. Derem por onde derem, mascarem como quiserem, é default. O que é bom para o estado português, que se passar esta fase vai surgir com uma imagem fortíssima.

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  7. O TM lê pouco. É o chamado síndrome de Cascais.Ou será Oeiras?

    cf: http://www.voxeu.org/index.php?q=node/7695

    Quanto ao Toni é a grande demonstração de que os gorilas estão mais próximos dos humanos do que os cientistas julgavam.

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  8. É verdade Wegie, não é a primeira vez que uma senhora me diz isso....

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  9. Tam razão cara Anthrax, e cada um faz a guerra com as armas de que dispõe...esperemos que não seja preciso chegar aos exércitos para que a destruição seja completa!

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  10. Caro Tavares Moreira

    Os credores, com 99.9% de probabilidade, vão aceitar o hair cut. Entre receber 30% de algo e 100% de nada, a escolha é, sensata e "natural".
    Agora a pirotecnia em torno, bem que podia ser dispensada mas, nesta sociedade do espetáculo, torna-se (quase) necessária.
    Seria importante notar que,na prática e à vista de todos, a Grécia vai realizar a primeira tranche da alienação da sua soberania.
    Pelo menos mais uma tranche,com toda a probabilidade, se seguirá.
    Cumprimentos
    joão

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  11. Caro Jota C,

    Dos 46,5% do valor nominal que é proposto pagar aos credores privados, 15% são dívida a 2 anos do Fundo Europeu de Estabilização, garantidíssimos, os restantes 31,5% são dívida grega, a 30 anos, cujo serviço de capital e juros é garantido por uma verba depositada na "escrow account" de que já aqui falamos.
    Esta garantia de pagamento através da "escrow account" deverá funcionar enquanto a Grécia não puder voltar em condições normais ao mercado da dívida...esperando-se que esse entrave esteja resolvido dentro de 2 anos.
    É claro que se a Grecia não puder voltar ao mercado como previsto, o problema complicar-se-á...

    Caro Luís Lavoura,

    O alívio que referi é na minha perspectiva, na sua poderá não ser...teremos assim perspectivas diferentes, não vejo nenhum mal nisso.

    Caro Almeida Sande,

    O Governo não está a ajustar coisíssima nenhuma.
    Se a declaração do PM fosse nesse sentido, tem o meu inteiro desacordo...
    Mas não estou certo de que fosse esse o sentido da expressão utilizada.
    Quem está a ajustar são as famílias e as empresas, poupando mais, exportanto mais, fazendo pela vida, aquilo que o Estado teima em não fazer...
    Já aqui me referi a este assunto, ainda há pouco tempo, quando tratei o tema da redução do défice da balança de bens e de serviços.
    O Governo estará fazendo também algum trabalho, reduzindo a incomportável despesa pública, embora esse trabalho esteja incompleto e permaneçam áreas de despesa supérflua que exigem uma correcção urgente.
    E há, claro, o problema da redução do nível da renda que as empresas situadas nos sectores não expostos à concorrência (ex: energéticas) estão cobrando ao resto da economia, prejudicando gravemente os esforços de correcção dos desequilíbrios macro-económicos.

    Caras Suzana e Anthrax,

    É um bom tema para reflexão, aquele que trazem aqui à nossa atenção...
    Curiosamente, a Grécia tem um orçamento militar anormalmente elevado, devido à ameaça potencial da Turquia - sabia, Anthrax? -, uma velha mania de vizinhos historicamente desentendidos.
    Até nisso a Grécia consegue mostrar uma considerável falta de senso e, claro, um excesso de despesa pública de utilidade manifestamente discutível...

    Caro João Jardine,

    Acompanho-o no prognóstico, embora com o "credo na boca" até ao último minuto...
    Não devemos esquecer que há credores garantidos com os CDS que contraram para cobrir o risco de default...

    Caro Tonibler,

    Sabe que em matéria de "default", é possível também arranjar soluções à medida, não se trata de um produto de "pronto a vestir"...

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  12. Caro Tavares Moreira,

    "default" é daquelas coisas que o físicos chamam de "mean field". Não é, nem o credor, nem o devedor que decidem o que é ou não é. É o sistema no seu conjunto. E com tanta conversa, já é....

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  13. Caro Dr. TM,

    Tem de parár com essa mania de descobrir os nós nos meus pontinhos. :)... Eu aqui toda "lampeira" e pimbas! Lá vem o Dr. TM de pantufinhas e zuca! :D

    Pois é verdade. Os gregos têm um orçamento militar elevado dada a sua grande amizade pelos vizinhos do lado, com quem ainda têm algumas disputas por resolver.

    No entanto Dr. TM, eu não colocaria tal coisa na categoria da falta de senso. Pode até ser que seja, mas eu sou de R.I. logo a minha veia geopolítica e geoestratégica fala mais alto, ainda que ambos os Estados façam parte da mesma Aliança Militar.

    Tal como muito bem assinalado pela Dra. Suzana, a guerra tem muitas outras faces para além da convencional e há inúmeros factores que podem conduzir a um conflito armado.

    Este é, normalmente, um assunto evitado por todos pelo seu carácter destrutivo em todas as dimensões, mas é também já um risco que começa a preocupar algumas pessoas com experiência de trabalho em questões europeias.

    É claro que ninguém quer sequer pensar num cenário destes em território europeu, mas nesse caso há uma série de erros que não devem cometer porque na arena internacional, alianças (mesmo as improváveis) podem ser feitas e desfeitas num piscar de olhos, desde que sirva o interesse de alguém e a mim ocorrem-me uma série de Estados que poderiam ter interesse em aproveitar uma situação dessas.

    Mas pronto, esperemos que não.

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  14. Cara Anthrax, em 1988 conheci,na América, um casal então jugoslavo, ele era sérvio e ela era croata, não se imaginava a guerra que os seus territórios de origem haviam de sofrer poucos anos depois, com atrocidades que seriam inimagináveis na orgulhosa Europa das uniões e das democracias.A Grécia, como sabe, sempre foi, de um modo ou de outro, um "protectorado" europeu desde que, por interesse e com o apoio total e indispensável dos países europeus, se libertou do domínio turco. Definitivamente, não percebo a "surpresa" da França e da Alemanha, e dos outros, sobre a debilidade institucional do Estado Grego nem o modo hipocrita como fingem nunca ter percebido o descalabro financeiro enquanto lhes emprestavam muitos milhões. Agora, que já não se fala da entrada da Turquia na UE, os gregos podem ser postos borda fora, mas para ficarem onde? Com os turcos? Orgulhosamente sós do lado europeu? Votados ao ostracismo, como era a mais grave pena na Grécia antiga? Enfim, não percebo como se pode equacionar a saída do euro e até, várias vezes ouvi, a saída da UE, sem dizer a seguir o que se prevê que aconteça. Palavra que não percebo.

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  15. Caro Drº Tavares Moreira,
    Muito obrigado por ter esclarecido a minha dúvida.

    Falaram aqui nas forças armadas da Grécia. E lembrei-me que há dias o Gen. Ramalho Eanes veio dizer que está na altura do país decidir se quer ou não Forças Armadas.
    Não sei se a questão é assim tão simples mas, em todo o caso, sou dos que não percebo muito bem porque temos que despender 2% do PIB para tanto general andar aí a passear o mofo das fardas, quando se cortam nos hospitais coisas básicas...

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  16. Caro Tavares Moreira

    Sim, as chances são a favor da subscrição do acordo por 75% dos credores, mas....existe sempre a possibilidade....
    O que me recorda imediatamente, alguns episódios como o anúncio no FT, promovido pelos empresários gregos...
    É que, um dos credores que se manifestou renitente em pagar é, precisamente, um fundo de pensões..grego....
    Por isso, no caso da Grécia, as promessas, juras e questões relacionadas com solidariedade, têm sempre aquele inimitável trago amargo que acompanha a sensação de estarmos a ser levados...
    Cumprimentos
    joão

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  17. Cara Dra. Suzana,
    Pois é exactamente isso.

    Caro JotaC,

    Pois tem toda a razão.
    A questão não é assim tão simples, porque quanto mais não seja, também nós pertencemos a alianças militares e temos compromissos que temos de honrar.

    Para além disso, lembre-se sempre de uma coisa: tipos com armas e com treino para matar têm sempre prioridade.

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  18. Bem, a saída do euro é a saída da UE ou, pelo menos, uma saída do núcleo da UE (e a junção com a Roménia e Bulgária)

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  19. Cara Anthrax,

    Mania de descobrir os nós nos seus pontinhos? Longe de mim tal atrevimento, não me julgue tão mal se faz favor...
    Admito que a discussão em torno do risco de conflitos armados seja muito interessante no âmbito dos debates estratégicos sobre o futuro da Europa, mas já aqui confessei a minha fraquíssima apetência para análises no plano estratégico, militar ou outro...
    Por isso, na minha humilde análise vou dando prevalência aquilo que me parecer ter sido uma gestão infinitamente negligente das finanças públicas...
    Certamente que há coresponsabilidade das autoridades europeias na criação desse vício, por complacência prolongada quanto mais não seja, mas isso em nada reduz a sua dimensão...

    Caro JotaC,

    Bem observado em relação às Forças Armadas...
    Tenho de admitir que devamos dispor de algumas unidades das FA, bem preparadas e equipadas, com rápida capacidade de intervenção - até para participação em missões internacionais como tem sucedido, em diversos teatros - mas de uma coisa tenho a certeza: não precisamos de tantos oficiais generais, superiores, capitães e subalternos, bem como sargentos, como temos actualmente em cada um dos ramos das FA (com as devidas adaptações de nomenclatura em função do ramo)...
    E só aí poderão ser poupados muitas dezenas de milhões de Euros/ano...

    Caro João Jardine,

    Muito bem lembrado, e convém até salientar que no Board desse Fundo de Pensões, o representante da Confederação de Sindicatos da Função Pública votou contra a aceitação da troca de dívida...
    É claro que esta notícia não poderá ser divulgada em Portugal, por ser manifestamente herética...
    E viria agravar o ambiente de desencanto com Paul Krugman...seria tragédia a mais, a rapaziada rosa/rubra cá do burgo não resistiria a tanta adversidade!

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  20. É sabido em qualquer negócio que são os cumpridores que pagam pelos não cumpridores.

    Fica a dúvida sobre que estado(s) pagará(ão) a calote grega no negócio da dívida de estados soberanos.

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  21. Ilustre Mandatário do Réu,

    Ainda é um pouco cedo para essa contabilidade punitiva, mas já se podem fazer prognósticos, de risco baixo, sobre quem serão os principais e "felizes" contemplados...
    É só atentar naqueles que permitem que a dívida do EFSF ainda tenha rating AAA...
    Perderiam o dinheiro e os AA (alguns deles, pelo menos)...

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