Sempre que há uma manifestação em que a polícia actua de forma mais musculada, é certo e sabido que jornalista ou repórter também apanham pela medida grossa, como ainda agora aconteceu no dia dito da greve geral. A polícia já não respeita os jornalistas, tal como os árbitros, segundo ultimamente leio e ouço, não respeitam alguns clubes quando os adversários lhes ganham. O episódio fez-me lembrar uma história dos meus tempos de Económicas. Nesse tempo, havia uma casa de fados na Rua das Trinas, o Solar da Madragoa, em que pontificava o fadista César Morgado, serralheiro de profissão, que tinha no Desejo Canalha (de cada vez que te vejo, sinto um desejo canalha, beijar-te e marcar-te o beijo, na ponta d`uma navalha…) a sua criação suprema. Próxima do Instituto, no Quelhas, o Solar era frequentada por muitos fadisteiros, também aspirantes a economistas. Certa noite, e por razões que não vêm ao caso, os “senhores doutores”, como a gerência nos chamava, armaram uma enorme zaragata, com mesas e cadeiras e copos pelo ar, tal como agora no Chiado, e que levou à intervenção da polícia. Chegou rapidinha ainda durava o banzé, andavam aos pares pela rua, e sem mais conversa toca a usar o casse-tête em tudo o que aparentava ser “doutor”. Quando o instrumento já se erguia por cima da cabeça de certo “doutor”, este gritou numa voz que se sobrepôs à chinfrineira geral: "respeito, que eu tenente miliciano..."
Numa variação de direcção verdadeiramente notável, o bastão policial desviou-se repentinamente da cabeça do “tenente” e foi atingir com redobrado vigor o parceiro do lado.
De imediato, tenentes, capitães e até generais nasceram rápida e expontaneamente nessa casa de fados, deixando os polícias perfeitamente hesitantes na sua bastonal tarefa. Mas o que conta é que os "militares" permaneceram incólumes...
O prestígio de oficial do exército era mais do que suficiente para evitar umas bastonadas no lombo. Por comparação, concluir-se-ia ser a classe jornalística pouco prestigiada junto das forças policiais. Não creio que seja só isso. A questão é que a classe tanto malha na polícia que, quando a ocasião é propícia, também por esta é malhada sem respeito. Ao fim e ao cabo, uma questão de mútuo desrespeito.
PS: Depois contarei o fim da história...
Numa variação de direcção verdadeiramente notável, o bastão policial desviou-se repentinamente da cabeça do “tenente” e foi atingir com redobrado vigor o parceiro do lado.
De imediato, tenentes, capitães e até generais nasceram rápida e expontaneamente nessa casa de fados, deixando os polícias perfeitamente hesitantes na sua bastonal tarefa. Mas o que conta é que os "militares" permaneceram incólumes...
O prestígio de oficial do exército era mais do que suficiente para evitar umas bastonadas no lombo. Por comparação, concluir-se-ia ser a classe jornalística pouco prestigiada junto das forças policiais. Não creio que seja só isso. A questão é que a classe tanto malha na polícia que, quando a ocasião é propícia, também por esta é malhada sem respeito. Ao fim e ao cabo, uma questão de mútuo desrespeito.
PS: Depois contarei o fim da história...
Tivesse esse episódio ocorrido 3 décadas antes, e poderia ter sido ele o mote para o "fado do estudante" interpretado por Vasco Santana no filme "Canção de Lisboa", com algumas alterações, é claro...
ResponderEliminar;))
A polícia não deixa os jornalistas virem atrás deles? Uma coisa que faz confusão é que os jornalistas estão sempre em frente à polícia. Por detrás não se vê melhor?
ResponderEliminarTonibler,
ResponderEliminaro jornalista que levou umas bordoadas estava, segundo palavras do próprio, a pedir à polícia que o deixasse passar pra trás.
Dr. PC,
Essa questão do respeito tem pano pra mangas. Eu estendo essa questão do desrespeito mútuo mais para além dessa dupla polícia/jornalistas.
Decerto estariam alguns animais do lado dos manifestantes. Estão sempre. Não era de esperar (digo eu) era que existissem também, iguais ou piores, do lado das forças da lei e da ordem.
Aliás, "repor a ordem" parece-me um eufemismo para uma carga desenbestada através de esplanadas, cadeiras, transeuntes e tudo o mais que estivesse à mão. E, particularmente irritante, a tendência manifestada em manter a ordem através do mecanismo de malhar umas bordoadas no repórter que já está no chão. Não uma, mas repetidas vezes. Por diferentes agentes.
Animais, que empurram e agridem mulheres. E não estou a falar da jornalista, nem de nenhum elemento perigoso que estivesse a "provocar a autoridade". Quem viu as imagens viu o mesmo que eu, decerto.
Enfim, assusta-me esta animalidade. De todos os lados. Mas acima de tudo, por parte de agentes da polícia.
Pois a mim não me choca assim tanto. Tenho para mim que as cargas policiais, para além de terem a função imediata de repor a ordem, têm também a de servir de exemplo e dissuassor de pantominas futuras. Daí que... quando há disturbios, só se perdem as que caem no chão.
ResponderEliminarSimultaneamente não ponho, de todo, ao mesmo nivel a violencia exercida pelas forças policias e a dos manifestantes, em absoluto. A violência é monopólio do Estado, disse Max Weber, e eu concordo plenamente tanto com o enunciado como com o desenvolvimento que Weber fez sobre o tema. E as forças policiais são representantes da autoridade do Estado. Portanto, numa carga policial não são policias a bater em cidadãos mas sim o Estado a exercer a sua autoridade contra uns quantos arruaceiros que atentam contra a liberdade individual e os direitos da sociedade, incluindo contra o direito de manifestação pacífica. Desde onde vejo a coisa, atirar uma chávena que seja contra um polícia justifica só por si que o que a atirou leve automaticamente uma belissima sova até se lhe acalmarem os nervos. É que ele não atira essa chávena contra um Polícia. Atira-a contra o Estado.
Há ainda outra coisa. Quando uma carga é ordenada, aqueles que a executam, não podem de nenhuma maneira ver onde acertam. Vai tudo à frente e não há tempo para olhar primeiro, dar depois. O olhar primeiro cabe a quem está mais acima na hierarquia, não aos que a executam, até por manifesta impossibilidade.
É interessante a explanação do caro Zuricher a dizer, e muito bem, que a polícia representa o estado. E de facto assim é, até mesmo na ditadura o princípio era válido, era sempre em nome da coesão e respeito pelo estado que a polícia de choque, a PIDE e afins atuava...
ResponderEliminarMas a questão é outra, vivemos numa democracia onde há regras comumente aceites, e por isso, importa saber se houve excesso de força policial.
Estou com o AF. Considero que todo o agente que descarrega a sua fúria animal sobre um cidadão que se encontra subemetido no chão deveria ser sujeito a processo disciplinar e sujeito a estudo da sua personalidade...
PS: submetido, obviamente!
ResponderEliminarCaro Zuricher,
ResponderEliminarEssa dos exemplos é boa. Levanta logo, a meu ver, o problema da discricionaridade. Hoje é um dia bom, vamos lá ser mais mansinhos. Hoje estou mal disposto, vai ser dia de "exemplo". Honestamente, num estado de direito, não encontro lugar para esses "exemplos". Ou há leis e regras, ou não há.
Quanto a colocar ao mesmo nível a violência praticada pelas forças policiais e pelos manifestantes, se o meu amigo não as coloca no mesmo patamar, eu muito menos. No entanto, faço uma leitura algo diversa do princípio que enuncia. É precisamente por causa da tal violência coerciva ser uma prerrogativa do Estado, que esta deve procurar ser minimalista, justa e pautar-se sempre por critérios bem mais elevados que o resto dos "actores". É um bocado como dizia o tio Ben do Homem-Aranha: "With great power comes great responsability" (eu sei, não é um Weber, mas pronto, é uma espécie de referência moral ;) )
Tenho pra mim que quanto mais "musculada e exemplar" a face de segurança de um estado aparenta ser, mais deficitário este é nas coisas que realmente importam.
Por outro lado, o exemplo que dá do tipo que atira uma chávena ao polícia merecer levar umas bordoadas... sabe, eu até concordo com isso. O problema são os fotógrafos, os transeuntes, os manifestantes pacíficos... esses também merecerão? Eu acho mesmo que não. O meu amigo parece achar que sim, a coberto do "exemplo".
E pra finalizar, que já vai longo, a questão da ordem e da execução, e da impossibilidade dos executantes conseguirem avaliar bem o que fazem. Por favor! Eu até percebo onde o Zuricher quer chegar, mas não percebe que essa atitude desculpabiliza todos os excessos na actuação das forças policiais? E, a sério, acha mesmo que os vários polícias que foram "molhar a sopa" no repórter que já estava caído, tiveram alguma dificuldade em avaliar da perigosidade deste?
Melhores cumprimentos
O Estado tem o monopólio da violência?! Zuricher não se afasta muito da visão de quem alimentou o Estado Novo e o Estado Totalitário Hitleriano. Também este tinha o monopólio totalitário da ordem pública e do direito a abafar o direito à indignação e ao pensamento diferente.
ResponderEliminarEstá explicado porque dificilmente teremos uma democracia ao estilo das sociais democracias, que colocam o homem no topo das preocupações. Sá Carneiro, que foi um dos nossos melhores, não ia gostar do que viu e do caminho por onde anda a sua social - democracia!
Há ainda há muitas reminiscências do Estado Novo, hoje corporizadas numa "elite", ontem "contada" no Prós e Contras em 40-50.000 almas, que já não se distingue pela formação, pela virtude ou pela decência, que vive na ilusão e ilude, apenas pelo sequestro do Estado trauliteiro, que vive de enganos e más contas.
Deve o Estado defender a maioria? Deve, mas dentro dos limites da decência, da proporcionalidade, não jogando com as mesmas armas de quem tem comportamentos desviantes ou frustrações sentidas.
Zuricher, pessoa com certeza de bem, só podia mesmo estar a ironizar!
Meus queridos amigos... :)))
ResponderEliminarPor favor "não batam" no Zuricher... muito :) Max Weber tem um pensamento político... vá.. interessante, mas não é propriamente um dos pensadores políticos mais brilhantes. Não na minha óptica, pelo menos.
Efectivamente, concordo que o monopólio da violência privada pertence ao Estado. Mas... única e exclusivamente na medida em que "nós" (indivíduos) aceitámos atribuir-lhe tais funções em troca de protecção.
É a garantia desta protecção que faz com que os indíviduos aceitem submeter-se à ordem estabelecida por uma autoridade. Isto, porque lhes traz paz, segurança e bem estar.
A questão é que quando estes princípios são postos em causa e o Estado deixa de funcionar como garante desta protecção (que funciona tanto internamente, como externamente), há ou não legitimidade para reclamar o retorno desse monopólio para a esfera do indivíduo?
Se me perguntarem a minha opinião, eu acho que sim. O indivíduo tem legitimidade para o fazer porque há uma quebra de contrato, mas é uma situação indesejável porque o regresso a um estado de natureza é sempre complicado, para além de que lança um granel filosófico-moral gigantesco.
Para mim, as coisas são muito mais simples. A violência está-me no sangue, porque não sou nenhuma amíba e se me derem uma bofetada, posso garantir-lhe que ofereço várias outras coisas, mas nunca a outra face.
A carga policial foi infeliz, mas estas coisas acarretam um risco de parte a parte que, no contexto actual, é natural que aumente. Por isso é natural, também, que nestes eventos comecem a aparecer umas nódoas negras, umas cabeças partidas, etc. Agora há que ficar feliz enquanto for só isto, quando e se houver fogo de artíficio, aí é que é que é mais complicado.
Cara Anthrax:
ResponderEliminarOra aí está, filosofia e prática filosófica musculada servidas de forma proporcional e entendível.