segunda-feira, 23 de julho de 2012

A abnegação de uns torna outros ridículos


Bem basta o sofrimento de quem vê perdido o pouco que acumulou na vida, impiedosamente levado pelas chamas dos incêndios que todos os anos percorrem o País. Bastam as imagens das labaredas repetidas ad nauseam nas TV para gaúdio, prazer e estímulo dos loucos incendiários como há muito se sabe. Os relatos inflamados dos repórteres que procuram explorar comoções e desgraças para encher os noticiários e assim aumentar audiências e com elas a venda de mais publicidade. Tudo isto é demais para nos habituarmos. Isto e a crónica discussão sobre a falta de coordenação e de meios entre responsáveis técnicos. Um passa-culpas insuportável. No meio de tudo estão aqueles que arriscam a vida para defender pessoas e bens sem que se lhes ouça um queixume. Não são comandantes, presidentes, coordenadores. São mulheres e homens bombeiros, socorristas e muita, muita gente anónima e abnegada que tornam rídiculas as figurinhas do costume e a cobertura mediática que se lhes dá.
  

11 comentários:

  1. Caro Dr. José Mário;
    Referindo-se a um outro género de amor, na Relíquia, Eça de Queiroz escolhe para subtítulo da obra, a frase; «sobre a nudez forte da verdade – o manto diáfano da fantasia.»
    É assim, em muitos aspectos, a forma como aluns responsáveis do nosso governo, adiam decisões e... deixam que arda. Tapando a nudez da verdade, com um manto tecido de fantasias...

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  2. Caro Ferreira de Almeida,
    Percebo o post, mas tenho de discordar.
    Há anos que os bombeiros alimentam a quimera de que é possível extinguir fogos com os meios e as técnicas adequadas.
    Isso simplesmente não é verdade em algumas circunstâncias, sejam quais forem os meios e as competências não há qualquer hipótese, mas mesmo qualquer hipótese, de apagar um fogo, o máximo que se consegue é conter os danos.
    Ora ao alimentar esta quimera os bombeiros, que são sempre ouvidos no calor dos fogos, muitas vezes repetindo teorias de conspiração sobre incendiários (uma questão completamente marginal na gestão do fogo), alimentam o enorme equívoco da gestão do fogo em Portugal.
    Portugal (ou melhor, o Noroeste da península, a Galiza concentra mais de 50% dos fogos da espanha) tem as melhores condições para o fogo (para o fogo, não para o controlo do fogo) do mundo, da mesma razão que tem as melhores condições do mundo para produzir cortiça ou pinhões.
    É um dado do problema.
    Reconhecer isto é o primeiro passo para reconhecer que os fogos só são geríveis com gestão séria de combustíveis (fogos controlados, pastoreio e parar de apagar fogos na Primavera e Outono).
    Parafraseando um famoso filósofo da escola de Paris, pretender extinguir os fogos é uma ideia de crianças, os fogos não se extinguem, gerem-se.
    henrique pereira dos santos

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  3. José Mário
    O que importa para as televisões é o panorama mediático. Na ânsia de captar a atenção do grande público e de aumentar a quota de mercado de popularidade as televisões dispensam a análise, discussão e informação sérias dos assuntos verdadeiramente importantes reduzidos que ficam a uma dimensão de exploração das emoções. Numa reportagem televisiva de um directo ao fogo da Madeira uma jornalista informava que casas e pessoas dentro das casas tinham sido cercadas pelo fogo, que já não havia nada a fazer. Não havia bombeiros, a população estava entregue à sua sorte ou azar. Morte era o que faltava para adensar a adrenalina mediática. Ela própria estava em risco, note-se, no meio das labaredas. A pergunta que se põe é: como é que fazemos para acabar com este empobrecimento mediático?

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  4. Caro Ferreira de Almeida:
    De facto, é espectáculo deprimente virem uns tantos burocratas a perorarem enfaticamente sobre a falta de planeamento e coordenação. Como se o teatro do fogo fosse a réplica de modelos liofilizados. O teatro do fogo é um caos, pelo que melhor fariam esses burocratas de meia tijela ir para o local, deixar a fardinha pimpona, vestirem-se de bombeiros, para ver onde a coisa morde.

    Caro Henrique Pereira dos Santos:
    Tudo bem, quanto à prevenção.Nesse aspecto, concordo com o que diz, quanto à gestão. Mas o post era sobre o remediar a situação. Onde aparecem uns tantos a falar de galo. Mas nunca correm o risco de ficar chamuscados.

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  5. Caro Pinho Cardão,
    Não é de prevenção que falo, é da gestão do fogo em situação crítica, como as que existiram na Madeira ou no Algarve e que existirão sempre que existir vento Leste mais que dois ou três dias. Uma situação de quinze dias de vento leste forte como em 2003 dará origem a meio milhão de hectares ardidos e estará toda a gente a discutir quer a qualidade do combate, quer a adequação dos meios quando simplesmente não há maneira de travar esses fogos (para ter uma ideia, em 2003 havia frentes de fogo da altura de um prédio de dez andares a progredir a velocidades que trinta quilómetros à hora).
    Enquanto olharmos, incluindo os bombeiros, para estes fogos como coisa domináveis, haverá sempre uma pressão excessiva sobre quem está no terreno a quem se pede o impossível, que dominem os incêndios.
    Em muitas circunstâncias o melhor é deixar arder ou até provocar o fogo na frente do incêndio para consumir o combustível, ou trabalhar a dez ou vinte quilómetros de distância para o conseguir conter. Continua-se a pensar que é a água que apaga os fogos e isso não faz o menor sentido. Ou melhor, em algumas circunstâncias isso faz sentido, mas em muitas outras não.
    Dizia-me uma vez o anterior comandante nacional de operações que o sistema aguentava até 250 fogos diários, desde que não fossem muito concentrados, como se fosse possível nesses dias os fogos não serem todos concentrados.
    É de compreensão do processo que falo. Sim, é verdade que o trabalho dos jornalistas é miserável, sim é verdade que muitos responsáveis só querem sacudir a água do capote mas também é verdade que os bombeiros concorrem fortemente para uma visão distorcida do problema, por exemplo, com a ladainha dos incendiários que é uma explicação sem ponta por onde se lhe pegue (não é apenas aqui, em qualquer sítio do mundo, quando arde desta maneira, os responsáveis usam as mais delirantes teorias sobre fogos postos).
    Os mesmo autarcas que nunca puseram sequer a hipótese de servir cabrito nas cantinas das escolas espantam-se com a rapidez de progressão dos fogos no esteval da serra do Caldeirão, como se uma e outra coisa não tivessem ligação nenhuma.
    henrique pereira dos santos

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  6. Anónimo21:28

    Terá certamente muita razão, meu caro HPS. Mas como referiu Pinho Cardão o post não falava da gestão do fogo mas de incendiários que andam à volta do fogo e se alimentam dele.
    Mas é importante a sua visão do problema, que aliás já conhecia do seu blogue e que corrobora algo que há uma década ouvi no PN Peneda-Geres após ter ardido vasta área da Serra Amarela. Na altura essa visão das coisas surpreendeu-me como me surpreenderam outras revelações. Contas de outros rosários...
    Uma só nota quanto aos seus comentários. O meu post refere-se aos bombeiros que vão para o terreno, comandados e orientados. Mais ou menos jovens, mulheres e homens preocupados em darem o seu melhor por acharem ser esse o seu dever. Não são eles que prestam declarações ou que formulam os dogmas pela gestão dos fogos. Reconheço neles a generosidade e a dedicação que muito faz falta na sociedade portuguesa.

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  7. ao ler achei melhor fazer um precisão porque em 2003 (se se ler os jornais desse dia, como eu fiz mais tarde, isso é muito evidente) em 3 de Agosto, se não me engano, o vento, que era de Leste, rodou para Sul e no dia seguinte voltou a rodar para leste. Isto tem uma enorme importância porque um fogo progride com uma cabeça, relativamente estreita mas de elevada intensidade, tendo uns lados bastante extensos mas que progridem mais lentamente e com muito menor intensidade. Ao rodar 90 graus o vento transformou uma das laterais, muito extensas, em cabeças do incêndio também elas muito extensas, e ao rodar outra vez para leste voltou a repôr a cabeça onde tinha andado nos dias anteriores mas muitíssimo alargada pela progressão do dia anterior, a 90 graus da original. Esta é uma situação excepcional que terá ampliado muito a área ardida e, sobretudo, deixou os bombeiros completamente desorientados, tendo o PS aproveitado para cavalgar a descoordenação sentida no terreno e dizer que o problema se resolvia reformulando a cadeia de comando dos bombeiros e coisas que tal.
    Não significa que não houvesse e que não tenham sido introduzidas melhorias, que foram, significa que a avaliação do que se passa, incluindo pelos bombeiros, é muito deficiente e traduz-se numa grande incapacidade de evolução do sistema. Por exemplo, esta Primavera lá andaram a tentar apagar os fogos todos, quando deviam ter deixado arder, em especial nas zonas de mato, que é uma maneira barata e quase sem contra-indicações, de gerir os combustíveis e evitar situações tão graves como as do caldeirão.
    henrique pereira dos santos

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  8. Eu percebo um post, apenas discordo dessa visão dos bombeiros. Reconheço neles (sobretudo nalguns deles) a generosidade e a dedicação, mas também o seu contributo para visões erradas do fenómeno do fogo. Agora não vale a pena, mas converse com eles no inverno e verá que por mais racional e razoável na explicação da complexidade do problema, não consegue, na esmagadora maioria deles, demovê-los de que tudo isto se resolvia queimando meia dúzia de incendiários.
    Mas para explicar isto tive de dar uma volta muito grande antes que me entendessem como se eu estivesse a desvalorizar os bombeiros.
    henrique pereira dos santos

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  9. Bom contributo, caro HPS.

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  10. Comletamente de acordo com o post do caro Drº Ferreira de Almeida e reconheço muito esclarecedora para a compreensão dos incêndios as explicações aqui deixadas pelo caro HPS, que sem dúvida fazem todo o sentido. Lembro-me a este propósito os fogos brutais ocorridos na califórnia durante dias seguidos que envolveu imensos meios humanos e materiais, e no entanto não evitou que tomasse dimensões desastrosas...

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  11. Caro JMFAlmeida

    Não sei ser reparou mas, o seu post é completamente atual, para esta época e para as dos 30 anos anteriores a 2012?
    Não seria, ao cabo de trinta anos, altura de refletir porquê? Ao fim ao cabo, trinta anos é, aos dias de hoje, +/- 1/3 da esperança média de vida de um cidadão europeu.
    Como poderemos encarar as futuras geraçoes e informar que andamos trinta anos sem que os resultados sejam alterados?
    Vamos legar dívida, fogos florestais no Verão e inundações no Inverno?
    O que andamos aqui a fazer?
    Cumprimentos
    joão

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