segunda-feira, 30 de julho de 2012
IRRACIONAL IDADE
Voltei a ler recentemente a tese da "irracionalidade dos mercados" a propósito da situação financeira espanhola com a mesma recorrência e intensidade que já constatara quando a Grécia, Portugal e a Irlanda evidenciaram o descontrolo e insustentabilidade das suas contas. Não sendo daqueles que defendem a tese de que os mercados são sempre racionais, considero o argumento da irracionalidade uma patetice ideológica que me tira do sério.
Por acaso os que agora se queixam da irracionalidade dos mercados alguma vez vociferaram com a mesma indignação contra a irracionalidade da despesa pública, a irracionalidade do endividamento excessivo, a irracionalidade de quem gasta sabendo que não consegue pagar, ou da irracionalidade ostentatória de quem imita a riqueza alheia não tendo como a justificar.
Chamem-me liberal que eu gosto. Mas não me venham com a treta da irracionalidade dos mercados. O que se torna evidente é que uma parte dos países europeus se endividou muito para além do que seria racional, considerando o seu limitado potencial de crescimento económico. Se a tudo isso acrescentarmos o recurso indisciplinado às engenharias financeiras e às práticas recorrentes de ocultação ou disfarce da despesa e da dívida, fica à vista de todos onde está a irracionalidade.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarConcordando e acrescentando que "os mercados" somos nós, aqueles que são os primeiros a condenar o sujeito do banco que mete os nossos depósitos em coisas com risco, aqueles que foram os primeiros a condenar os banco por emprestarem dinheiro para as pessoas comprarem casa. E agora achamos que emprestar dinheiro a estado ultra-endividados é bom?
ResponderEliminarA questão das engenharias financeiras, lembra-me os meus vizinhos rurais, na zona onde moro; todos se queixam das dificuldades cada vez mair de produzir, quando um deles aparece com um novo produto fertilizante ou pesticida, os outros, primeiro olham com desconfiança, mas logo a seguir vão comprar o mesmo produto e aplicam-no sem contudo terem a garantia de que resulta.
ResponderEliminarNo entanto, caro Professor David Justino, que outra solução haveria para a economia portuguesa - desde que Cavaco Silva, enquanto primeiro ministro desmantelou a agricultura, a pesca e a indústria, em troca de uns subsídios comunitários - se não o aumento da despesa pública, traduzido quanto possível em investimento? Um investimento que funcionou até certa altura como a voi que se atira a um náufrago?
De facto, a "esta irracionalidade" merece uma reflexão séria.
ResponderEliminarA explicação do endividamento é demasiado simplista.
ResponderEliminarA Espanha em 2007 tinha uma dívida pública diminuta, inferior a 40% do PIB (muito aquém da média dos países mais desenvolvidos e inferior à da Alemanha), com um superavit das suas contas públicas (também aqui numa situação mais favorável que a da Alemanha).
A razão é bem outra. Coisa que os governantes parecem não entender. O funcionamento dos mercados financeiros tornou-se altamente perverso e é razão primeira e fundamental da actual crise. Torna-se mesmo caricato, absurdo e estúpido o apelo que alguns fazem aos seus cidadãos para aceitarem a austeridade como condição para “acalmar os mercados”. Criaram um monstro, um mercado financeiro global completamente desregulado e agora queixam- se da sua voracidade, da sua ganancia, da sua falta de “moderação”.
Qualquer especulador, em qualquer parte do mundo e a qualquer hora, pode aceder aos “mercados” e negociar qualquer commodities, petróleo, arroz, açúcar café, soja, trigo, cobre, comprar milhares de barris de petróleo ou toneladas de arroz, sem que alguma vez pense em consumi-los. O que o move é a expectativa de vendê-los com lucro. Não é a maior ou menor produção ocasional de uma mercadoria, como seria normal, que afecta o seu preço no mercado mas a acção determinada e consertada dos especuladores. Num dia o preço do petróleo sobe não porque a diminuição da produção se tenha verificado nesse dia mas apenas por acção dos especuladores. E o dinheiro que entra em especulação é imenso. Num estudo recente do The Guardian, o enriquecimento dos multimilionários através dos paraísos fiscais, soma mais de 21 bilhões de dólares, (o PIB somado dos USA e Japão) e a cifra pode chegar aos 32 bilhões como afirma o artigo. É este o “admirável” mundo do mercado financeiro globalizado livre, leia-se desregulado, criado e alimentado pelas elites governantes europeias e dos USA.
Com uma agravante – os especuladores lembraram-se, com êxito face às altas rentabilidades que experimentaram, de atacar de igual modo e com a mesma determinação as dívidas públicas dos países soberanos.
É esta brutal especulação, nunca antes observada, que tem arrastado os países europeus, primeiro os economicamente mais débeis, para as crises económicas e sociais sem fim à vista. E será por esta razão, a manterem-se as actuais “liberdades” dos mercados financeiros, que jamais se poderá ultrapassar a chamada crise das dívidas soberanas.
Caro Prof. David Justino:
ResponderEliminarOra aí está um regresso em grande e em grande qualidade!
De facto, em relação aos países muito endividados, entre os quais Portugal, o mercado actuou com grande racionalidade. A irracionalidade esteve, de facto, antes, nas causas que apontou. Mas há gente que ainda não se convence disso.
Bom, mas importante, importante, é que o meu amigo regressou. Um post por dia é o que se exige...até para compensar as faltas passadas. Abraço.
Caro Bartolomeu:
Essa de que "outra solução haveria para a economia portuguesa...se não o aumento da despesa pública, traduzido quanto possível em investimento..." é que não foi, nem é, solução duradoura. E culpar Cavaco, que saiu do Governo há 17 anos, do que acontece agora, é proeza notável. Pelos vistos, os governantes seguintes fizeram tudo bem feito...
Mas deixe que lhe diga que o investimento público levado a cabo por Cavaco era, na altura, perfeitamente justificável e, até, obrigatório. De facto, não sendo keynesiano, até eu julgo que a política lebada a cabo por Cavaco estava certa. A despesa pública estava a um nível baixo, a carga fiscal aceitável, a dívida pública diminuta. Não fazer o que Cavaco fez, nas condições prevalecentes, seria desperdiçar recursos disponíveis. E o investimento público na altura feito teve um efeito multiplicador notável e induziu enorme surto de investimento privado. Quando Cavaco saiu, deixou todas estas grandezas macroeconómicas contoladas e controláveis. Todavia, aconteceu que, depois, se abusou da despesa e do endividamento, como se não houvesse qualquer limite. Os resultados estão à vista. Essas são as causas verdadeiras e efectivas. O resto são cantigas,cantigas, caro Bartolomeu. Pode crer que é verdade. Aliás, nem se trata de crer ou acreditar, bastará ver.
Erro ortográfico colossal no 2º parágrafo, quando escrevi " até eu julgo que a política LEBADA a cabo...).
ResponderEliminarDe facto, quando penso no aumento da despesa pública dinamizado por Guterres e Sócrates, fico com uma perturbação tal que até atinge a ortografia....
Caro Carlos Sério:
Concordo que os mercados devem ser bem regulados. E se estivessem bem regulados talvez não se tivesse chegado a este tão trágico
endividamento público.
Mas, de facto, ele existe. Que é que quer que façam os mercados?
Quer que os Bancos portugueses continuem a investir na dívida grega, colocando lá os depósitos seus, meus e dos potugueses?
Quer que os Fundos de pensões portugueses invistam na dívida grega? Quer que os Fundos de Pensões americanos, ingleses, alemães, etc, etc invistam nas dívidas soberanas de países completamente indisciplinados?
Há duas noções fundamentais em filosofia: a causa e o efeito.
Tudo o que referiu são efeitos de uma causa única, o sobreendividamento.
Aliás, é esse o entendimento de entidades que, suponho, não apelidará de especuladores, o Banco Europeu, a Comunidade, o FMI. Que impõem, sim, e bem , regulação às finanças dos países.
Com finanças sãs, acaba-se a "especulação". Ou sabe-se qual a sua natureza ou qualidade.
Caro Carlos Sério,
ResponderEliminarÉ seriedade que falta a todos aqueles tentam dar as "explicações" mais rocambolescas para a crise, sempre encontrando forma de desculpar os verdadeiros culpados. São pessoas supostamente inteligentes e informadas, mas toldadas por ideologias neoliberais que não têm, nem nunca terão como valor central o Ser Humano.
Só nos resta tentar formar, enquanto pais e educadores, uma casta de gente com espírito superior que abomine o poder, o materialismo e a especulação financeira, pois acho que quanto a isto, já batemos no fundo! Agora só poderemos elevarmo-nos!
Caro Dr. Pinho Cardão; numa aldeia pequenina, onde a maioria dos habitantes vivia da agricultura, cada um tinha um burro, que usava para os trbalhos da lavoura.
ResponderEliminarCerto dia, apareceu na aldeia um tipo bem vestido, com bom ar, que propôs a compra dos burros aos aldeões, oferecento 100 euros por cada animal.
Os aldeões entreolharam-se desconfiados e só metade concordou vender os burros.
No dia seguinte, o mesmo homem voltou à aldeia e ofereceu-se de novo para comprar os restantes burros, propondo aumentar o praço e pagar 200 euros por cada animal. Todos venderam, excepto meia duzia de resistentes. No terceiro dia, o homem apareceu de novo e ofereceu 500 euros por cada um dos burros restantes. Todos os animais acabaram por ser vendidos e, no dia seguinte, apareceu na terra um segundo fulano também com excelente aspecto, mas pertencente ao "grupo económico" do primeiro sem que ninguem soubesse, que oferecia 1.000 euros por cada burro e que voltaria no dia seguinte, para comprar todos os burros que tivessem conseguido arranjar. Os aldeões muito confusos, decidiram procurar o homem a quem tinham vendido os burros e pedir-lhe que lhos vendesse de novo. O homem concordou, mas teriam de pagar 750 euros por cada animal. Os aldeões reuniram-se, juntaram as economias, foram à caixa de crédito agrícula, contraíram um empréstimo e compraram de novo os burros, na perspectiva de no dia seguinte, obterem um excelente lucro, vendendo ao segundo fulano.
No dia seguinte e nos outros, ninguém mais apareceu na pequena aldeia. Ficaram os burros de 4 patas, os de duas e o empréstimo por saldar.
Meus caros amigos, antes de mais o meu obrigado pelos comentários e pelas boas vindas, especialmente ai meu querido amigo Pinho Cardão.
ResponderEliminarNão me quero alongar muito nos comentários aos comentários. Qualquer deles tem valor intrínseco e merece ser reflectido.
Pegando no comentário do Tonibler quero apenas lembrar que o "subprime" dos particulares americanos é uma pequena brincadeira ao pé do "subprime soberano" europeu.
Para o Carlos Sério e para Fénix, quero dizer que não sou "neo", inspiro-me claramente nos princípios liberais - que não só os económicos - mas tenho este terrível defeito de olhar para os dois lados da moeda. Quem é mais especulador: quem investe o que é seu com mais ou menos risco de o perder, ou quem gasta o que é dos outros sem garantia de retorno?
Carpirmos sobre erros passados não nos resolve o imbróglio em que estamos metidos. Todos sabemos que os fundos estruturais corriam para Lisboa a velocidades maratonistas e, de igual modo, eram gastos em autoestradas, investimentos imprescindíveis para acompanharmos o pelotão da frente, diziam uns…
ResponderEliminarMas esta questão levanta-me uma reflexão: -Será que o quadro positivo que o caro Drº Pinho Cardão ilustra da governação do Prof. Cavaco Silva, seria o mesmo sem esses milhões investidos em cimento e alcatrão, descurando-se ao mesmo tempo sectores vitais da economia?!.
Não!. O que fez realmente o país crescer naquela altura foi precisamente os investimentos naquilo que mais rapidamente faz mexer a economia, donde, sou levado a pensar que nunca estivemos bem…
Claro que houve irracionalidade, dos anjinhos face aos mercados…
Caro Pinho cardão
ResponderEliminarParece-me ter sido claro. A chamada, erradamente, crise das dívidas públicas, tem pouco a ver com endividamento dos países (ainda que tal constitua um problema), mas com a especulação financeira dos chamados “mercados financeiros”. Os especuladores passaram a encarar o mercado da dívida pública como um outro qualquer mercado de commodies. E começaram a especular nos países do euro, porque a própria estrutura da UE tal como se encontra lho permite. Isto é, os países da UE estão prisioneiros e à mercê dos mercados, ao não possuírem moeda própria e capacidade de emitir moeda. E não há estrutura comunitária que possa substituir aquele controlo monetário nacional. Tornou-se assim fácil aos mercados especularem com as dívidas públicas.
Dei o exemplo da Espanha com uma dívida pública em 2007 (inicio crise) de 37% do PIB e com um orçamento excedentário. Ao contrário, verificamos que o Japão com uma dívida soberana de mais de 200% do PIB continua com juros da dívida a 0,78%; ou os USA com uma dívida de mais de 100% do PIB e um défice orçamental de 9% (2011) com juros de 1,51% ou o Canadá com uma dívida de 84% e com juros de 1,72%.
Para uma política de direita neoliberal é cómodo atribuir ao endividamento dos países a causa do aumento dos juros das suas dívidas. É cómodo e conveniente porque lhe permite, com tal falso argumento, fazer o chamado ajustamento (leia-se empobrecimento), isto é aumentar as desigualdades sociais e reduzir ou aniquilar o estado social.
Não aceito que políticos que se afirmam verdadeiros sociais-democratas possam alinhar nesta grande mistificação.
Caro Bartolomeu:
ResponderEliminarConhecia a história. Não vejo é qualquer relação com o sobreendividamento português. O que sinceramente lamento.
Caro jotaC:
Fala em betão no tempo de Cavaco Silva. Pois lembra-se que só nos anos 90 houve auto-estrada Lisboa Porto completa? Essa era uma necessidade básica. Como foi exterminar os bairros de lata, que Cavaco iniciou. Não me venha, pois, é com essa política de betão de Cavaco.
Essa teve lugar com a duplicação de auto-estradas, de pavilhões de toda a espécie, estádios,etc, etc que veio posteriormente.
Caro Carlos Sério:
Claro que não sou eu que lhe vou modificar o raciocínio. Nem pretendo. Mas julgo que não é curial atribuir ao liberalismo ou neo liberalismo as culpas do mal feito e da crise e dos juros e da dívida. Ah, e quanto à taxa de juro, ela mede o risco e não as ideias neo liberais.
Quanto ao Estado Social, pois até são os que chama de neo liberais que tudo estão a fazer para o manter em Portugal. É que o estado Social não se defende com o palavreado socialista, mas com acções concretas de fortalecimento da economia.
Claro que tenho de falar caro caro Drº Pinho Cardão! Pois só assim é possível demonstrar que a iniciativa privada, só por si, nunca resolveu os problemas do país, a menos que o estado e a maioria dos portugueses continuem a emagrecer...
ResponderEliminarCaro Pinho Cardão,
ResponderEliminarClaro que não vai alterar o meu raciocínio. Mas esperava de si que contra argumentasse a lógica e os dados que apresentei. Não esperava que se limitasse a chavões de uma estafada demagogia situacionista.
Insisto, para uma política de direita neoliberal é cómodo atribuir ao endividamento dos países a causa do aumento dos juros das suas dívidas soberanas. É cómodo e vantajoso porque lhe permite, com tal falso argumento, fazer o chamado ajustamento (leia-se empobrecimento), isto é, aumentar as desigualdades sociais e reduzir ou aniquilar o estado social. Satisfazer os anseios com que sempre sonhou - diminuir salários, reduzir apoios sociais, reduzir ou eliminar direitos laborais, enfraquecer os sindicatos, privatizar o património do Estado, reduzir ao mínimo as tarefas do Estado e transferi-las para a actividade privada.
Uma ofensiva anti-social só comparável aos tempos das ditaduras.
Caro david justino, seja muito bem reaparecido! Venho só mesmo dar-lhe as boas vindas porque como estou de férias numa pacatissima aldeia deste nosso lindo país e só tenho 4 canais de televisão - que mesmo assim não ligo - estou bastante longe da irracionalidade dos mercados. O que vejo é que o mercado central, por aqui, reage muito racionalmente, aumentando os preços para que os turistas da zona possam ter belos legumes frescos e fruta portuguesa quando chegam da praia :)
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