1. Há pouco mais de um ano, por altura da entrada em vigor do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF) acordado com a Troika, foi-me dada a oportunidade de intervir numa sessão promovida pela Associação Nacional das Farmácias, na qual tentei apresentar uma antevisão (tão realista quanto as circunstâncias aconselhavam) das implicações económicas e financeiras da aplicação do dito PAEF.
2. Recordo-me de ter então destacado, dentre os riscos a que um programa desta natureza estava sujeito, aquele a que apelidei de cansaço ou Fadiga Social: num programa com a dureza e extensão temporal do PAEF, o risco de virem a manifestar-se, de forma generalizada, comportamentos sociais de rejeição, fruto de cansaço na aceitação de medidas de austeridade, não me parecia nada negligenciável...
3. Estamos hoje a assistir, talvez mais cedo do que se preveria, à emergência desse fenómeno de Fadiga Social, traduzido nas mais variadas formas de contestação das medidas de política económica, a saber:
(i) as greves sectoriais, as mais das vezes ditadas pela defesa intransigente de interesses corporativos, mais ou menos injustificados e invariavelmente ligados à mesa do Orçamento,
(ii) os comentários de especialistas ou de generalistas agora convertidos em especialistas (por equivalência ou doutra forma) nos canais de TV e em muitos órgãos de comunicação social, condenando, nalguns casos com grande veemência, as políticas económicas em vigor (é certo que revelando um profundo desconhecimento do desempenho da economia e das implicações, sobretudo financeiras, das opções de política que vagamente sustentam como alternativa, mas o cidadão comum não se apercebe),
(iii) os pronunciamentos de personalidades relevantes da vida social e política que por aí vagueiam, zurzindo a preceito aquilo a que chamam de opções neo-liberais e ansiando (sem confessar, mas percebe-se) por um regresso urgente ao despesismo público que tanto os consolava,
(iv) os inúmeros grupos de amigos/dependentes da mesa do Orçamento, com destaque para os muitos autarcas que começam a sentir-se ameaçados com a aproximação das eleições e se habituaram a usar e abusar do Orçamento como arma de conquista de votos...
4. Para ajudar a este cenário, o próprio Governo enfrenta dificuldades de “auto-geração”, uma vez que tendo assumido como bandeira/lema princípios de rigor, sacrifício e exigência, para todos, deveria excluir qualquer imagem do velho “facilitismo”, sujeitando-se sem glória a críticas violentas (é certo que fortemente instigadas por interesses privados escondidos por detrás da cortina, mas o mal é dar-lhes um pretexto)...
5. Enfrentamos assim, um pouco mais de um ano após a entrada em vigor do PAEF – e ainda faltam quase 2 anos para o final, com tanto por fazer – o tal fenómeno da Fadiga Social que, a não ser superado em tempo útil, pode vir a causar estragos ao mesmo PAEF...
6. Resta-nos esperar que o gozo das iminentes férias possa vir a restituir alguma clarividência aos desinspirados comentadores da praça (não parece fácil mas não fica mal o voto), e permitir ao Governo retemperar forças para persistir sem recuos no cumprimento da indeclinável e dificílima missão que o espera a seguir à rentrée...
Se o governo lhes oferecesse a decisão irrevogável do fim do estado na comunicação social, quer em patrocínios, quer em limitações de antena, quer em limitações de publicidade, quer em participações sociais, viriam todos muito mais calmos das férias. Talvez as revistas do social passassem um verão menos interessante, com a falta de alguns habitues, mas nada de preocupante. Eles também não estão a ir para mais novos e umas férias menos agitadas também lhes caía bem.
ResponderEliminarEstou a estranhar o parlamento não ter já decretado férias há dois meses. Não estão a trabalhar ainda, estão?
Off-topic ou talvez não: Um bravo a dois dos três ministros doutorados que recusaram revelar as suas habilitações académicas aos jornalistas e ao Miguel Macedo, pelas mesmas razões.
ResponderEliminarPronto, e chega de dizer bem de alguém por este ano...
Caro Tonibler,
ResponderEliminarA cura de emagrecimento que sugere, além de poupar alguns milhões de Euros ao pobre Estado (e aos nossos bolsos, evidente)teria ainda o inquestionável mérito de tirar o pio a esses penduras orçamentais que são das mais refinadas e exibicionistas carpideiras que se conhece.
E acompanho-o nesse bravo...
O meu amigo fala dos "desinspirados comentadores da praça". Não concordo. Eles, pouco ou nada sabendo do que falam, sabem muito bem o que dizem. Até porque o repetem há anos e anos, num movimento contínuo. Moldam a cultura do povo, pela repetição sistemática. Por isso, dificilmente qualquer governo consegue resistir à cultura instalada.
ResponderEliminarCaro Tavares Moreira
ResponderEliminarPois é, o governo está, seguramente a fazer o seu melhor...., provavelmente, ficará a 0.5-1.5 pp de fazer o que tem de ser feito.
Acho que uma dança da chuva vinha a calhar, com sorte temos chuva, ou, pelo menos, tivémos atividade, ergo, não será uma completa inatividade.
Cumprimentos
joão
Desinspirados foi o termo mais benévolo que encontrei no meu limitado léxico, caro Pinho Cardão...mas admito ter sido brando em excesso, talvez "penduras do Orçamento" lhes assentasse melhor.
ResponderEliminarCaro João Jardine,
Também concordo que umas boas chuvadas eram susceptíveis de colocar um pouco mais de ordem nesta confusão que nos constrange, este extremo calor estival é muito propício a delírios mentais e outros...
Quanto ao objectivo do défice público, se for como diz e se o desvio se ficar a dever sobretudo a menos receita que o previsto e a mais encargos com dívida (até Maio os encargos com a dívida pública superavam em € 700 milhões o valor apurado no período homólogo de 2011), já não seria nada mau...
Dr. Tavares Moreira
ResponderEliminarDe facto assistir ao fenómeno da fadiga social já tão cedo não é bom sinal, porém esta seria inevitável dada a dureza das medidas tomadas. O problema estará no facto da tal fadiga vir a precipitar, pela pressão que provoca nos decisores politicos,a tomada de medidas pouco clarividentes , desajustadas ou extemporâneas.
Quanto aos comentadores de pacotilha, Portugal é fértil nesta especie.
Mário de Jesus
Tem razão, caro Dr. Mário de Jesus, essa pressão já se vai sentindo...espero que passe no pós-férias.
ResponderEliminarQuanto aos comentadores seria excelente a sua multiplicação se o que produzem - opinião estéril - fosse exportável...
Infelizmente não é, trata-se de um produto de consumo invendável no exterior, apenas utilizável no consumo doméstico e, as mais das vezes, só mesmo servido à mesa do Orçamento...