Lembro-me bem dele na faculdade, do seu feitio irrequieto, quase truculento, que no entanto não destoava no ambiente daqueles tempos. Tínhamos todos mais sangue na guelra e a inquietude permanente, reflexo da revolução recente, ainda se fazia sentir na academia. Fizémos o estágio ao mesmo tempo, apressando a confirmação de presença nas conferências inúteis e a fugir delas direitinhos à "ginginha da Ordem", como lhe chamávamos, tomada ali, em amena cavaqueira, no conhecido estabelecimento em frente do Largo de S. Domingos. Encontrei-o, depois, nas duas ou três ocasiões em que a profissão nos reuniu. Percebi pelas referências que fui colhendo aqui e ali, na comunicação social, que a vida lhe corria bem. Contrariando os vaticínios de muitos dos seus antigos colegas que não lhe viam grande capacidade para apreender teorias, nem disposição para práticas esforçadas, afinal não se podia queixar de falta de sucesso na profissão.
Desta vez foi o acaso que nos fez sentar à mesa do café neste agosto cálido, numa Lisboa entregue aos turistas. O assunto da conversa, o mesmo de que partilham milhões de portugueses: a crise, os sacrifícios, as dificuldades. A necessidade de nos adaptarmos a novos tempos, a advocacia já não é o que foi, nem vai voltar a ser. Concordei. E desfiei o discurso treinado com os colegas mais novos, a quem procuro convencer que há que apostar cada vez mais nas novas ferramentas, na atualização de conhecimentos, na atenção aos efeitos do contínuo experimentalismo a que teimam chamar "reforma da justiça", a necessidade de repor o prestígio social perdido pela profissão, pelos profissionais e pela associação pública que os representa e que se deveria mostrar capaz de mudar este estado de coisas.
- Ó pá! Isso não interessa nada! Contactos, pá! Contactos! Temos é que estabelecer redes de contactos. Nada neste país se resolve sem contactos. Olha o exemplo do J... Tinha o escritório de rastos, estava a dispensar colegas. Hoje não o ouves queixar-se da crise...
No estilo que foi sempre o seu, excitado, foi-me relatando êxitos de outros colegas, pessoas de decisão aqui, nomeados para o conselho de administração além, de influência ali, êxitos de que contava em breve poder beneficiar. Estava prestes a fazer também seus os amigos e os contactos dos outros, dizia-me. Tinha jantado com este, tinha almoçado com aquele, reunido com o sócio de...
Despedimo-nos. Da conversa sobrou a recordação de bons e divertidos tempos. E a confirmação dos que continuamos a viver...
José Mário
ResponderEliminarAo longo da vida, o nosso trabalho vai permitindo conhecermos pessoas com quem muitas vezes estabelecemos relações que resistem ao efémero de um caso, de um negócio, de um projecto ou de uma missão. É bom que assim seja, são pessoas que passam a fazer parte do nosso círculo de contactos. Unem-nos denominadores comuns positivos. Mas as redes de contacto de que fala o seu colega fazem parte de uma galáxia de interesses que muito contribuiu para o estado a que chegou o país. O trabalho, esforço, ética, prestígio e seriedade deram lugar ao "amiguismo". As tais redes de contactos são afinal fundamentais para quem se habituou ao facilitismo de uma vida fácil. A realidade mostra que este regime paga-se caro, mais tarde ou mais cedo. O problema é que, no entretanto, destrói princípios e valores e prejudica muita gente.
Esqueça, caro Dr. Ferreira de Almeida, a solução encontra-se no regresso às origens... de fininho e às "arrecuas" para dar a impressão que está vir e não a ir...
ResponderEliminarPois, caro Drº Ferreira de Almeida, é mais ou menos assim como o seu amigo diz, contata-se para todo o lado na esperança de que o contato faça contato -nunca se sabe, não é?
ResponderEliminarHá dias no facebook um sujeito (por acaso advogado a exercer no Porto), fez uma postagem a elogiar a nomeação dum amigo, que tinha acabado de ser nomeado para presidente da instituição X. Não sei bem porquê, achei o "recado" despropositado mas compreende-se, não está fácil, vale tudo, até mesmo a falta de bom senso...
Eu ia dizer que conhecia esse advogado mas depois lembrei-me que não conheço nenhum que não seja assim :)
ResponderEliminar:))))
ResponderEliminarIsso explica alguns dos seus comentários, Tonibler. Digo-lhe que tem de ser mais criterioso nas suas escolhas. Garanto-lhe que não é difícil descobrir o mundo para si novo do advogado que, mesmo em oposição com a opinião infelizmente tornada comum, consegue fazer mudar o curso das coisas.
ResponderEliminarCaro JMFA,
ResponderEliminarCritério é caro e não sei se o
"No estilo que foi sempre o seu, excitado, foi-me relatando êxitos de outros colegas, pessoas de decisão aqui, nomeados para o conselho de administração além, de influência ali, êxitos de que contava em breve poder beneficiar. Estava prestes a fazer também seus os amigos e os contactos dos outros, dizia-me. Tinha jantado com este, tinha almoçado com aquele, reunido com o sócio de..."
não é mesmo o mais eficiente.
Ah, bom! Se o seu critério é a eficiência e é só isso que que o meu Amigo procura, pode ser que tenha razão. De facto, os Colegas que lhe recomendaria caso tivesse necessidade para o retirar desse pouco recomendável círculo de conhecimentos decerto que não lhe prometeriam se não o resultado do seu empenho e competência na defesa dos seus direitos.
ResponderEliminarNão é uma questão de procura, caro JMFA. É uma questão de preço. Se pudesse ter um advogado professor universitário versado em tudo e mais alguma coisa, teria. Não havendo possibilidade, lá terá que ser um sado-masoquista que tira prazer de ir com o oficial de execuções. Esses são mais baratos porque devem ser uns 90% :)
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