Diariamente surgem notícias que abalam algumas convicções e promovem uma certa ansiedade quanto ao futuro da nossa espécie. Faz capa de muitos jornais a notícia de um trabalho realizado com base no genoma da única população mundial onde isso é possível, a islandesa, revelando que, "a cada ano que passa, os espermatozoides do pai têm, em média, mais duas mutações novas no seu genoma que transmitem aos filhos". Sendo assim quanto mais velho for o pai maior é o risco de mutações que, neste estudo em concreto, estaria associado a um aumento da esquizofrenia e do autismo. É um facto que estas duas doenças estão em crescendo, havendo quem fale de uma epidemia de autismo. Relativamente a esta última, foi implicado há alguns anos a utilização de um composto mercurial, conservante das vacinas, como sendo o principal responsável originando uma fobia social a vacinas sem precedentes, o que fez com que muitas crianças deixassem de poder usufruir os benefícios da maior conquista da medicina. O trabalho que despontou este fenómeno foi publicado na prestigiada The Lancet, em 1998. Passados doze anos a revista foi obrigada a retratar-se na medida em que foi provado que o estudo era falso. Há cerca de dois anos comentei este assunto de onde transcrevo a seguinte passagem: "Pois bem, agora, ao fim de 12 anos, a revisa médica britânica acaba de retirar do seu arquivo o polémico artigo. Esta retratação surge na sequência de um pedido formal nesse sentido efetuado noutra publicação científica, The British Medical Journal. Afinal, o autor do artigo, Andrew Wakefield, é acusado de má conduta científica. Trabalhava para os advogados de pais que achavam que os filhos tinham sido vítimas das vacinas".
Agora surge esta notícia, maior risco de autismo caso o pai seja de idade avançada. Talvez, porque o processo de envelhecimento é acompanhado ou devido a acumulação de erros. No entanto, é preciso destacar que em ciência existe um fenómeno que merece ser destacado; a associação entre um factor e uma doença é uma condição necessária mas não suficiente para explicar a causalidade, logo, não pode nem deve ser considerada como sinónimo desta. A pluricausalidade das doenças é uma realidade que merece ser destacada.
Votando ao tema "envelhecimento do espermatazoides e acumulação de erros no genoma e sua transmissão às gerações seguintes" não me parece ser nada de preocupante e mesmo que seja podemos ter a certeza de que estamos perante um fenómeno de evolução cultural e biológica.
O homem vive a maior parte da sua vida num estado de excecão, a velhice. As espécies têm uma finalidade evolutiva, chegar à idade de reprodução. Após esta os seus elementos já não são necessários. No caso dos humanos, a evolução passou a ter, também, um importante contributo cultural com efeitos biológicos não previsíveis. A reprodução, influenciada por forças sociais, tem passado a ser cada vez mais tardia, tanto nas mulheres como nos homens. É perfeitamente natural que surjam efeitos mutacionais decorrentes deste fenómeno. Muitas das mutações são neutras, outras são negativas e terá de haver, forçosamente, algumas positivas. Quais? Não se sabe, até porque são necessárias muitas gerações para se poderem manifestar como algo "natural". É preciso, igualmente, não esquecer que a propensão para certas patologias podem ser positivas, caso daquele "toque" ligeiro a apontar em direção à esquizofrenia, por exemplo, que acaba por tornar os seus portadores mais criativos, mais inteligentes, mais afoitos, enfim, mais "diferentes". Como a doença é um continuum, os que estão na mesma linha, e que não são categoricamente doentes, são dotados de alguns atributos benfazejos.
Curiosamente, os espermatozoides, ao contrário de outras células, em que os telómeros (apêndices dos cromossomas) vão ficando mais curtos com a idade, e quanto mais curtos menor é a longevidade, aumentam com a idade transmitindo esta característica à descendência. Tudo aponta para que a longevidade de um indivíduo seja definida mais pelo lado paterno do que materno. Sendo assim, o provérbio, “homem velho e mulher nova fazem filhos até à cova” deve ser complementado pelo seguinte: homem velho e mulher nova fazem filhos que nunca mais chegam à cova... Maior risco de autismo? Maior risco de esquizofrenia? E depois? Maior longevidade, e talvez "maior propensão para a criatividade e inteligência". Esta última frase é mera especulação minha, mas nunca se sabe, porque o Homo sapiens originou a subespécie Homo sapiens, sapiens e esta poderá originar outra, Homo sapiens, sapiens, "sapiens", graças à forma como estamos a evoluir. Espermatozoides velhos? Velhos são os trapos!
...Ou seja, nada como publicar aquilo que as pessoas querem ler em vez de publicar a verdade. Na minha curta vida científica cada vez mais me convenço que o cientista bem sucedido é aquele que publica aquilo que corrobora ideias feitas. Quando li a notícia pareceu-me demasiado lógica a relação entre as mutações e a idade do pai e demasiado forçada a relação com essas "doenças" em concreto. Tal como a declaração de que a idade da mãe não tem influência nestas mutações em concreto me pareceu "não achamos uma dependência, logo é independente".
ResponderEliminarObrigado pela opinião.
Sempre ouvi dizer que a idade da mãe é que podia ter influência, se afinal o pai também é posto na berlinda pelos estudos sempre fica mais equilibrado ;)
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