sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Provença - Montes de Luberon

Uma das paisagens mais bonitas deste nosso passeio pela Provença foi o da Route des Crêtes, depois de passada a bela cidade de Marselha, rumo ao sul, até La Ciotat e depois Cassis, duas cidadezinhas com porto de pesca, lindas falésias e praias. Toda aquela região é rochosa mas a cor branca do calcário e as caprichosas formas que assume quando desaparece por completo a vegetação, já perto dos cumes, criam duas ilusões de óptica tão “reais” que por várias vezes nos fez parar no caminho para termos a certeza do que víamos. Por um lado, apesar da proximidade do mar, do calor imenso que fazia e de as montanhas serem pouco elevadas, o facto é que a brancura das pedras é tão luminosa que parece neve a brilhar ao sol; por outro lado, ao longo da cordilheira as cristas dos montes mais altos terminam com formações rochosas totalmente geométricas, verdadeiras fortificações alinhadas que parece isolarem os cumes, protegendo-os de qualquer tentativa de acesso. Os topos surgem debruados como se tivessem sido encarcerados por rochas perfeitamente alinhadas, é preciso apurar a vista, serão ruínas de castelos, será possível tão gigantesca muralha, o que esconderiam estes ermos de tão valioso para que se quisessem inexpugnáveis? Mas não, não foi mão humana, se bem que em toda a região, desde Toulouse até ao coração da Provença, tenha sido palco de acesas lutas religiosas contra os Cátaros, no séc. XIII, numa perseguição brutal que durou quase um século e que levou os perseguidos a escolher alturas cada vez mais a pique, agrestes e inóspitas que fortificavam e onde viviam em aldeias inteiramente construidas em pedra, que se confundiam com a rocha. Há inúmeros vestígios das cidadelas suspensas dos Cátaros, verdadeiros prodígios da sobrevivência e do desespero dos perseguidos, mas nenhuma se assemelha aquelas cristas brutais, violentas, paredes de rocha firme numa muralha natural e impossível que se alinha por quilómetros e quilómetros de montanha.
Já em plena Provença, para além das cidades obrigatórias de Aix-en-Provence, Avignon e Arles, grande destaque para a região montanhosa e reserva natural do Luberon, com capital em Apt, que era o nosso destino em visita a uns amigos que passavam férias em Bonnieux, uma das aldeias mais bonitas de França, com vista para o Monte Ventoux e para o seu enganoso cume calcário, branco como a neve. Bonnieux, tal como outras aldeias em redor, é encimada pelo pináculo em agulha de uma bela igreja do séc. XII e toda muralhada, perdendo-se em labirintos de rocha e muros, em socalcos, de tal modo que, visto da curva da estrada onde se desvenda, parece um presépio de pedra branca abrindo-se num manto de casinhas amontodas à medida que escorrega para o sopé da montanha. Mesmo em frente, na enconta da montanha vizinha, fica a aldeia de Lacoste, dominada pelo ainda imponente Castelo do Marquês de Sade, também ela quase inexpugnável pelos seus muros pedregosos e pelas ruas íngremes e estreitas que quase ocultam as habitações da mesma cor. O castelo e a aldeia foram comprados pela Fundação Pierre Cardin, que aí fez uma escola de arte e design e que está a reconstruir o original da aldeia, fazendo das antigas moradas residências de estudantes, salas de aula e tudo o que é preciso para aí manter um grupo de jovens artistas. Mas a mais imponente das aldeias da região é sem dúvida Gordes e o seu castelo do sec. XVI, amparada por fortes muralhas em socalcos, sem outra cor que não a do calcário luminoso e das portadas rústicas em madeira escura, num equilíbrio impossível e misterioso de ruelas, arcos, túneis, tudo salpicado de cafés, esplanadas e intenso comércio turístico. Ainda nesse círculo encantado e numa volta da estrada damos com a aldeia de Roussillon que, num capricho da natureza, se eleva sobre um conjunto rochoso vermelho vivo de que se extrai o ocre, falésias ardentes no meio da brancura das aldeias irmãs, aí o casario é rosa e amarelo forte e todo o comércio é centrado na cor, nas paletas dos artistas, nas casas de decoração e na múltiplas formas de arte em que a cor predomina estridente e calorosa.
O Luberon é uma viagem à História, às antigas formas de viver e sobreviver, à harmonia mas também á luta com a natureza, penhascos e canais de água serpenteando pela aridez, bosques frondosos e rochas nuas e escarpadas, branco e verde, azul intenso no céu, quem diria que o calor sufocante apenas aliviado pelos ramos generosos dos castanheiros seculares e dos pinheiros imensos era apenas uma breve trégua no assobio agreste do Mistral, o vento da Provença que tudo dobra e a que tudo obedece.

4 comentários:

  1. Ai que inveja!...

    Não. Não é do que pensa ( porque a inveja é um sentimento inferior!) -é do poder da sua narrativa que me faz "ver" os lugares e as coisas que descreve...
    Continuação de boas férias!

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  2. Anónimo21:40

    Somos dois, meu caro jotaC. Inveja partilhada.

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  3. Suzana
    Que linda viagem, fez-me lembrar os passeios que há já alguns anos fiz pela região. Há tanta coisa bonita para ver. Gostava de voltar. Quem lê a sua crónica parece que está a fazer o passeio! Continuação de boas férias.

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