"As noites são mais longas, mais longos são os dias". É assim que Stefan Zweig abre o primeiro dos cinco pequenos textos sobre a Grande Guerra. A forma, profunda e sentida, como aborda os sentimentos, as preocupações e os comportamentos dos humanos no início do conflito, despertou-me um paralelismo com a situação atual, não que haja qualquer identidade com a destruição, a morte e as feridas da guerra, mas pelo facto de as noites de muitos passarem a ser longas, demasiado longas, assim como os dias, longos e vazios de esperança. A miséria está aí, à porta, não é o espectro da morte com a foice a querer cortar o fio da vida, são seres humanos de fato e gravata, e pasta de bom cabedal, a quererem cobrar dívidas, ou melhor, são agiotas que emprestando dinheiro a aflitos sabem com extorqui-lo, obrigando a que os devedores se mantenham vivos durante o máximo de tempo possível, porque só assim reaverão os seus investimentos e respetivos lucros. Uns "filantropos" de trampa, que querem salvar o mundo, nem que para isso ceifem as esperanças de noites sossegadas e de dias de saudável trabalho. "Longas são as noites, mais longos são os dias".
Longe vão os dias da alegria, da esperança, da tranquilidade, do bem-estar, gentilmente oferecidos pelos príncipes do tudo, os que, sabendo navegar nas águas da economia e da especulação, usaram, sem quaisquer escrúpulos, crédulos humanos ansiosos de alcançarem o céu na terra, transformando-os em príncipes do nada. Agora sofrem, e vão sofrer mais, porque as noites longas ainda se tornarão mais longas, mais penosas, mais negras e o descanso da alma irá desaparecendo a cada dia que passa. E os dias? Para que servem os dias? Para taparem as longas noites de desespero que os esperam. Pobres, sem futuro, sem dignidade, tudo por causa de meia dúzia de espectros cuja foice é mais dura e mais afiada do que a da morte, porque ceifa as esperanças. Entretanto, eles andam por aí, impunes, arrogantes, donos dos seus destinos, matando e humilhando como se tivessem ganhado a guerra. É preciso sacá-los ao seu sossego e conforto e obrigá-los a responder perante a justiça, e, como condenação, que as suas noites sejam longas e muito mais longos os dias, porque merecem ser punidos.
Olhei-a mais uma vez. Diz que não consegue dormir, passa as noites a pensar no futuro dos filhos e durante o dia percorre longas distâncias na esperança de encontrar trabalho. São longas as noites e mais longos são os dias, senhor doutor. Olhei-a e fiquei confuso, será que leu Zweig? Não acredito, pensei, nem deve saber quem é. Vai ver que tudo irá acabar em bem. Acredite. Sorriu, um sorriso triste de quem anda cansada. Com a minha idade? A senhora tem familiares e amigos que a podem ajudar. Gosto muito deles mas não é justo pedir-lhes o que não têm. Fez uma breve pausa e arrematou, eu não acredito na humanidade. A forma como prenunciou esta frase fez-me estremecer, porque me relembrou novamente o autor judeu, nascido austríaco, que, desiludido com o mundo, se foi por sua vontade. Na carta de suicídio, o escritor, na parte final, saúda todos os seus amigos, desejando "que lhes seja dado ver a aurora da longa noite". "Eu, demasiado impaciente, vou-me antes".
Muita gente anda impaciente e são cada vez mais as que afirmam "as noites são mais longas e mais longos são os dias"...
Não sabia que Stefan Zweig se tinha suicidado. Mas sim, é preciso muita coragem para encarar um novo dia sem esperança, ou conciliar o sono depois de um dia de desilusão e desespero, desgraçadamente todos conhecemos casos próximos, às vezes nem medimos o que dizemos.Recentemente, deipor mim a cair nesse erro.Uma jovem dizia-me que o namorado, desempregado, ficava em casa numa depressão profunda, via televisão, não se vestia sequer, ficava de pijama, enfim,um quadro desolador, e eu impacientei-me e disse mas porque é que ele não sai à rua, não vai passear, ao menos que se distraia enquanto espera a resposta aos curriculos que mandou e ela respondeu-me, mas pensas que ele tem dinheiro para ir à rua beber cafés ou andar de autocarro, o que é que se faz na rua sem dinheiro no bolso? A partir daí passei a reparar na quantidade de vezes que gasto dinheiro só de andar na rua, uma moeda aqui, outra ali, a pensar como esse gesto quase automático é impensável para tanta gente. Longos dias, longas noites, sem dúvida, devem parecer intermináveis.Que coragem deve ser precisa.
ResponderEliminarCaro Professor Massano Cardoso,
ResponderEliminarQue texto profundo e maravilhoso que me leva a ficar tocado com a crueza da vida de tanta gente para quem a -“As noites são mais longas, mais longos são os dias". Como é fácil, assim, perceber o desânimo de muita gente, mais jovem do que velha, que todos os dias desiste, prolonga a noite e dorme de dia…
Excelente comentário, Dra. Suzana Toscano, principalmente pela realidade que encerra. E não se pense que são apenas aqueles que não estão bem preparados!. Não. O flagelo é transversal a todos...
ResponderEliminarÉ uma completa ilusão pensar que a felicidade se encontra com bens materiais. Compreendo que na desolação actual e na mais completa falta de repéres se caia ao fundo do poço.
ResponderEliminarUsando uma imagem religiosa, há muitos demónios à solta. Nas Zweig não pediu, como Ulysses, para o amarrarem ao mastro...
"O que é que se faz na rua sem dinheiro no bolso?"
Tanta coisa!
Caro Mandatário, já experimentou? Não digo sair uma vez, ou duas, digo aguentar assim meses a fio, sem expectativa.
ResponderEliminarCara Suzana Toscano,
ResponderEliminarNão sei se percebo muito bem a sua pergunta. Supus que estávamos perante uma pessoa saudável sem problemas psíquicos.
Estar "sem expectativa" é algo que não faz parte da minha maneira de ser. Eu tenho sempre expectativas, faço muitas coisas em paralelo, e sei que muitas das minhas "expectativas" serão "whisfull thinking". Se "não tenho expectativa" em relação a uma coisa mudo de rumo.
Tenho expectativas a uma semana e a 10 ou 20 anos.
Também conheço pessoas que vivem de esmola alheia, são úteis à sociedade, e têm expectativas.
Sabe, tive a sorte de durante uma pequena parte da minha vida viver no meio de gente rude. Um dia tive a sorte de ouvir a conversa entre dois deles: "Sicrano fala de barriga cheia.".
Lamento mas tenho pouca paciência para os de "barriga cheia", i.e. 90% da população tuga.
Cumprimentos, IMdR
Caro Ilustre Mandatário, confesso que não percebi absolutamente nada da sua resposta, daí não poder comentá-la.
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