No livro "O medo", de Zweig, Irene personifica o medo, essa forma horrorosa de saber que está viva ao ser alvo de interesse de outro ser humano que a sabe explorar em seu proveito os seus desejos e intimidade. O livro atrai-me e repulsa-me ao mesmo tempo. Atrai-me pela profundidade e minúcia com que o autor disseca a alma humana e repulsa-me porque faz reviver os meus próprio medos. Ficção? Sim, mas nem por isso deixa de ser verdadeira e se for necessário também posso recuar ao dia de São Valentim de 1989, quando Khomeini declarou a fatwa sobre Salman Rushdie. Passados estes anos, é estimulante ler o relato do escritor sobre a sua condenação à morte e a forma distante como analisa o ocorrido, sobretudo o seu medo. Viver escondido por medo é horrível, é um corroer permanente das entranhas.
O medo constitui o mecanismo mais elementar de sobrevivência, sem medo não existiríamos, mas quando se prolonga no tempo ou quando se estende a outras esferas passa a constituir uma fonte de sofrimento e de morte.
Cheira a medo, sente-se por toda a parte, cresce de dia para dia e faz estremecer o mais esperançoso. As razões são conhecidas, as consequências é que não, por enquanto, quem sabe, porque o medo anda sempre de braço dado com a incerteza.
Ouço os debates, as pessoas entram com as suas convicções, as suas ideologias e soluções em conformidade, ao saírem nota-se que tudo continua na mesma, ou, então, ficam mais reforçadas, até mais extremadas. O chamado bom-senso deixa de ter lugar, mas como pode o bom-senso ter lugar em situações sociais muito complexas? O bom-senso só existe quando os seus cultores dispõem de meios e condições para o manifestar. Um animal ferido, encurralado e sem esperança reage da forma mais natural, através da violência, a forma mais primitiva de esconjurar os medos. E os seres humanos? Os seres humanos são, antes de tudo, animais, depois, convencidos de que têm alma, pensamento e razão, fazem coisas maravilhosas que nos deliciam até ao êxtase. Mas quando chega o tal momento, o do império do medo, deixam transparecer sinais de magma ou de energia acumulada que, prestes a libertarem-se, não são mais do que vesúvios adormecidos.
Olho para os debates e vejo raiva, desespero e fome de mudança, seja ela qual for, como se tivessem a certeza de que a solução que defendem é a melhor cura para os males que nos afligem. Não sei se é ou não, mas não acredito, nem posso acreditar. O que eu sei é que aqueles que começam a posicionar-se em campos opostos são capazes de generosos atos de solidariedade e de amor pelo próximo, mas também são capazes de fratricídios assim que estejam criadas as condições económicas, sociais e políticas para o efeito. E se chegarmos a este ponto? Nada de novo, é um ciclo previamente estabelecido que se repete de tempos a tempos. Quando a miséria, o sofrimento, a morte e o sangue prevalecerem, então, ressurgem novamente a solidariedade e a consciência do mal praticado. E voltamos a renascer, desfrutando da riqueza e do bem-estar, até à próxima crise violenta, apenas porque haverá sempre uma "próxima", é uma mera questão de tempo, porque estes fenómenos fazem parte da essência humana e como tal nunca irão desaparecer. O que fazer, então? Não sei bem, talvez representar, fingir que o medo não existe. Se fingirmos que o medo não existe, a esperança acaba por manifestar-se de forma intensa, mesmo que seja no palco. Mas representar é fugir à realidade, dirão, talvez, mas a realidade beneficiaria, e muito, da fantasia. Afinal o que é fazemos a toda a hora e instante, não é representar?, não é fingir?, não é fantasiar?
Eu tenho medo, confesso, mas vou fingir que não tenho...
Deliciosa esta abordagem ao "medo". O medo é aquela "coisa" sem o qual o mundo seria certamente mais cruel e ao mesmo tempo melhor. A nossa vida é feita desde que nascemos de medos: medo de cair, medo da doença, medo de nos perdermos, medo da da justiça, medo do fracasso, medo de sermos descobertos de um crime e por aí adiante.
ResponderEliminarMas tenhamos esperança, porque "a esperança é o antídoto do medo".
eu acho que os portugueses se instalaram numa espécie de paz podre que acreditam ser uma virtude. Acontece que essa paz podre se manifesta nas perversões (demasiados casos de pedofilia para um país pequeno e "familiar" - violência doméstica que ultrapassa todos os padrões imagináveis) e na corrupção institucional que só pode ser comparada com os países árabes e africanos. Obviamente que existe aqui uma contradição insanável com o desejo dos portugueses serem "europeus a sério" e a sua aspiração última a serem como os do "Norte" (da Europa).
ResponderEliminarBasicamente a salvação do lugar está nas mãos da UE, mas de uma UE claramente dirigida pelo eixo Alemanha/França.
ResponderEliminarO modelo da UE Durão/Constâncio está podre e mais-que-falhado, parece que conseguiram reduzir UE ao regime dos mediocres lusos. Claro que assim a UE só pode (e deve!) desaparecer se entretanto a Alemanha unida à França não impuserem um modelo diferente. Tudo depende disso porque Conselhos Europeus e BCE’s estão nas mãos da máfia que destruiu os países do Sul.
Olhem que se a UE desaparecer é melhor não contarmos muito com comentários livres neste e em outros blogues… (claro que há aqueles que praticam o lápiz azul nos seus sites e blogues mas esses não contam para nada pois são ou uns asquerosos “politicamente correctos” ou uns comunos/salazarentos que apoiam os regimes mais horrendos e sanguinários do presente)
o funcionamento da AR, do governo e da PR, custa ao país 3.5 mil milhões de euros anuais, metade do orçamento anual para a educação! Isto é não só uma aberração como uma disfuncionalidade liminar. De facto assim não há democracia que resista.
ResponderEliminarevidentemente que é tudo à grande e à francesa na AR, na presidência (provavelmente o TC tb é "instituição política" e come desta fatia) e no governo: gabinetes ministeriais com dezenas de boys e girls a ganharem como ministros; centenas de motoristas a ganharem ordenados base de profs dos últimos escalões (com as horas extraordinárias na prática levam muito mais), "grão a grão" a "máquina" consegue a proeza de gastar anualmente 3.3 mil milhões de euros! Há que pôr umna travão a isto já senão é a própria democracia (à portuguesa) que está em causa.
ResponderEliminarAs situações sociais, capazes de provocar o medo, são historicamente recorrentes.
ResponderEliminarEm 1900, na altura em que o nazismo ganhava expressão e os Judeus eram um povo perseguido, Stefan Zweig sentiu medo, ou, melhor dizendo, medos de vária ordem e de vários graus.
Hoje, medos de contornos idênticos, desenham-se num horizonte cada dia mais próximo.
Iremos conseguir reunir forças e sabedoria suficientes, capazes de nos permitir enfrenta-los, combate-los e ultrapassa-los?
Sem pretender entrar em maiores filosofias historicas, arrisco-me contudo a fazer uma breve exegese, chamando ao tema o providencialismo que tem acompanhado ao longo dos séculos, o povo Lusitano. Na raiz etimológica da palavra, está como bem sabemos, uma outra; Luz.
Deve ser esta, penso, que tem guiado este povo, conduzindo-o através das trevas que ciclicamente sobre ele se abatem, levando-o a encontrar, consecutivamente, o caminho da Luz.
E o que afirmo, não tem por base uma simples intuição, ou um oxalá, mas sim, a diáspora que encetámos à séculos atrás, testemunho do génio que caracteriza este povo, capaz dos maiores actos de heroísmo, de altruísmo e de humanísmo.
"que tem guiado este povo, conduzindo-o através das trevas que ciclicamente sobre ele se abatem, levando-o a encontrar, consecutivamente, o caminho da Luz."
ResponderEliminara olhar para a corrupção de Estado e para uma máquina que funciona a favor dos protagonistas do próprio Estado (não são 3.3 MM anuais gastos com as "instituições políticas" mas muito mais tendo em conta que toda esta gente fica a receber aposentações pagas pelo "povo" através da CGA e da SS, não havendo diminuição da despesa das "instituições" porque entram novos "boys e girls". O sistema português é extremamente perverso e mafioso dada a sua opacidade. Se contabilizarmos os boys e girls nas EP's, EM's, Fundações e IP's, mais os aposentados do "sistema", vamos concluir que cerca da metade da despesa do país vai para o próprio sistema e seus protagonistas, mas se contabilizarmos os "rombos" como o BPN e as PPP - cujos responsáveis são aqueles que já consomem cerca de metade da despesa pública, e aí chegaremos a números dramáticos e "impossíveis". Por mais tretas e "luzes" a conclusão da história só pode ser uma. Diria nesse registo de forma mais elaborada que o Ser se desvela na história e que fazendo a atrocidade parte da humanidade do homem a conclusão de uma Estado déspota e atroz será um desvelamento mais da direccionalidade do Ser na História, ainda que a história de Portugal a partir de agora será sempre escrita com letra minúscula, ainda que histericamente com muita Luz.
Ha muito de metafísico e de místico nos egrégios anais da nossa História, caro Álvaro.
ResponderEliminarEsse facto fará, espero, que mais alto que as vozes, se venham a levantar as vontades genuínas deste povo, que na verdade nunca se soube governar, mas que também nunca abdicou da sua legítima independência.
A independência neste momento só serve os que têm espoliado o lugar. A questão será equacionada brevemente nos seguintes moldes: ou governo federal europeu, que implica desde já uma tomada de posição em força pela Alemanha e França, porque isto não pode ficar nas mãos dos brutos incompetentes Barroso/Constâncio. OU um drama terrível - terrível repito - nos países como Portugal, Espanha e Grécia. Quanto à Itália há já regiões que querem a independência e vão-a conseguir a breve prazo. (como a Catalunha, só que na Itália tal situação não era previsível para já - e não estou a falar da Liga Norte)
ResponderEliminarmas isto é "lindo" e prova que o Ser se revela Desvelando-se. E mais: que a Atrocidade é Arte (por isso K. Stockhausen afirmou que o ataque ás torres gémeas foi a obra de arte mais grandiosa da história - história com letra pequena, claro porque ele KS está na História - na altura fiquei indignado, agora que já morreu compreendo-o) faz mover a História para estádios superiores.
ResponderEliminarveja a Síria: não vai ser Belo ver como os Alouitas vão ser dizimados até ao "último homem"? Claro que vai. Não nos vai dar uma enorme prazer ver isso em directo já que eles chamavam aos "rebeldes" ratos e outros nomes do género? Claro que vai. Vai haver inocentes massacrados? Claro que vai tal como já está a acontecer desde o início da revolta. E isto não faz parte da "humanidade" do Homem?
ResponderEliminarleia-se o "Belo" em sentido figurado. Acontece que nas situações de atrocidade máxima, como acontece na Síria - situação resultante de um regime profundamente corrupto e despótico - os nossos padrões deixam de ter funcionalidade. Por isso é liminarmente irrelevante se os "rebeldes" são ou são manipulados pela Qaeda ou os walabitas, ou lá o que isso seja. É irrelevente porque o que interessa é pôr um termo ao regime corrupto e despótico que já reduziu as pessoas à "instrumentalidade" máxima há muito muito tempo. Por isso é "Belo" ver esses poderosos despóticos e corruptos serem reduzidos à nulidade máxima que é a morte.
ResponderEliminarNo que toca ao Belo Witgenstein associava o Ético ao Belo, logo essa extreminação desses corruptos e déspotas (ex) poderosos e "invencíveis", que não hesitaram em extreminar milhares de pessoas para as poderem continuar a reduzir ao grau de "instrumentalidade" absoluta que corresponde ao grau máximo de "desumanização", será não só um acto Belo como também um acto Ético.
LUDWIG WITTGENSTEIN - note-se que me limitei a fazer uma abordagem liminarmente superficial do pensamento ético/estético de LW.
ResponderEliminarsobre o "Ser", "desvelamento", "instrumentalidade", "humanidade do homem", remeto-me evidente e claramente a Martin Heiddeger.
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