Se não tivesse passado quem passou, passava. Mas, como
passou quem passou, não passou.
Falava-me há tempos alguém nos “caminhos não trilhados”, o
que é uma forma de imaginar o que seria se tivesse sido, ou o que não seria se
não tivesse acontecido. Em qualquer caso, é sempre uma reconstituição
hipotética, quando nos pomos a redesenhar os trilhos que lá estavam e que não
percorremos eles surgem sempre livres dos escolhos que talvez então nos
dissuadiram mas que, agora, não nos parecem tão grandes, também podemos com
facilidade orientar esses rumos para um horizonte que nos sorriria quando, na
altura, o caminho se fechava num lugar escuro. Não é só a vida das pessoas que
é feita destes “ses”, geralmente decantados pela bondade da memória, ou pela
insatisfação da realidade presente, em qualquer caso impossíveis de restaurar
na sua real importância e inúteis se influenciarem a nossa capacidade de fazer
balanços para orientar o presente. A vida dos países é, como não podia deixar
de ser, igualmente fértil nessas encruzilhadas que se abriram, qualquer livro
de História, mesmo romanceada, nos confronta com essas incógnitas que é preciso
interpretar para lhe conferir emoção ou avolumar a responsabilidade ou a
clarividência de quem decidiu na altura. Mas os “caminhos não trilhados” raras
vezes servem para que se dirijam os destinos de uma forma mais lúcida, que se
saiba nunca são as lições do passado que nos livram de errar de novo, ou de
fazer escolhas que voltam a ser diferentes do que antecipávamos, precisamente
porque as circunstâncias mudam, por muito que as queiramos pintar com as cores
nítidas com que recordamos o que podia ter sido. Sempre que é preciso escolher,
dizer que sim ou renunciar, voltamos a acrescentar “ses”, que voltarão a ser
lidos com olhos que não foram os que os viram quando os confrontámos e
decidimos, para o bem e para o mal. O mais que se aprende é prudência, é
cálculo, o mais que se consegue é duvidar e hesitar, talvez até deixar de
sonhar. Se, na vida das pessoas, isso significa menos paixão, menos ousadia, na
vida dos povos essas reconstituições, aplainadas do seu real contexto, trazem
frustração, desejo de vingança ou, talvez o pior, descrença nas capacidades de
enfrentar a realidade da melhor forma possível. Já não é nada mau se usarmos o
passado para olhar com prudência o que se nos depara sem perdermos a coragem de
voltar a decidir. Mas, por favor, não aproveitemos a confusão para desvendar os
“ses” do passado como se, tal como hoje, as escolhas de então tivessem sido isentas
de erros, dúvidas e muitas incertezas. Tal como a vida de qualquer pessoa, que
pode ser contada como uma sucessão de felicidades ou uma sucessão de falhanços,
dependendo do ponto de vista que se queira focar, a História dos povos pode ser
contada como gloriosa ou dramática porque sim, foram, ou porque, que pena,
podiam muito bem ter sido. Nunca saberemos, de certeza absoluta, como seria se
não tivesse sido ou, sequer, se poderia ter sido de maneira diferente. O que é
difícil, na verdade, é continuar para a frente, apesar do que se sabe,
admitindo que se supõe bem, esperando acertar quando é preciso decidir entre
tantos ses. Como sempre foi e será, até nos figos, que podem passar se ninguém
passar para os colher antes que passem, ou talvez não, quanto mais nos povos.
Antes de mais eu não passava por esta figueira sem fazer passar pela minha garganta este figo prestes a passar...
ResponderEliminarMuito interessante este post (até parece transmissão de pensamento!), eu próprio o teria escrito - isto se soubesse fazê-lo, claro -, depois de rever hoje o vídeo do Engº Sócrates e da Dra. Manuela Ferreira Leite, aquando das eleições de 2009. A argumentação a esta distância não deixa dúvidas sobre o caminho que deveria ser passado, mas os malditos "ses" ofuscaram mais uma vez o discernimento...
Partilho aqui. a clarividência de MFL, i interrogo-me como estaríamos hoje se a tivessemos tido como PM...
Caro jotac, era mesmo apanhá-lo e comê-lo, acabavam-se logo as dúvidas :)
ResponderEliminarSubscrevo, Suzana. O passado, o que se trilhou e o que se não trilhou. a História feita e a falhada, podem e devem, no entanto, estar presentes quando se tomam decisões. Na maior parte dos casos comportam importantes lições para que saibamos contornar os erros.
ResponderEliminarQuanto ao fruto...chamava-lhe um figo! :)
ResponderEliminarSuzana
ResponderEliminarGostei imenso da sua reflexão com a qual me identifico. De facto não se consegue construir o presente e o futuro se nos agarramos aos "ses", mas o passado dá-nos, no entanto, lições que devemos ser capazes de perceber para podermos com mais confiança, esperança e segurança tomar decisões, nunca esquecendo as circunstâncias porque não há momentos iguais. O "copiar e colar" da informática não se aplica na vida real!.