É
bom lembrar, porque anda esquecido, que as medidas de austeridade tomadas por
Mário Soares e Hernâni Lopes em 1983, no âmbito do Programa do FMI, foram bem
mais gravosas do que as medidas agora em curso. Tanto
mais gravosas que a própria proposta de aumento da TSU para os trabalhadores em
7% e a sua redução para as empresas, e que tanta contestação gerou, seria uma
medida suavíssima no contexto das medidas aplicadas na altura.
Em 1983, os cortes directos nos salários e no subsídio de Natal e o
aumento de impostos, para além do congelamento de admissões na função pública
equivaleram-se tendencialmente nos seus efeitos às medidas similares actuais.
Para além disso, a desvalorização do escudo em 13% diminuiu substancialmente, e
por si só, o poder de compra já de si abalado pelo corte nos salários. Mas
aconteceu ainda que os salários reais tiveram ainda uma outra diminuição drástica de cerca de 12% em 1983 e 1984, pelo efeito
inflação. Porque os aumentos salariais verificados não acompanharam a inflação,
que atingiu os 30%, tal levou a uma transferência de fundos dos trabalhadores para as empresas,
já que estas, através da inflação iam fazendo subir o preço dos produtos. Transferência
essa em tal montante que torna ridículo o montante agora proposto pela TSU. A
inflação da altura criou assim uma colossal ilusão monetária e, porque ilusão,
razoavelmente aceite por todos, ao contrário de agora.
Mas
se, no primeiro momento, a crise se acentuou, a economia entrou em recessão, os
despedimentos aumentaram e o desemprego subiu em flecha e a fome apareceu, as
medidas tomadas vieram rapidamente a melhorar o
mercado de trabalho e o emprego cresceu,
a diminuição dos custos empresariais
levou a maior competitividade e aumento das exportações, no fim, a uma
reactivação da actividade económica.
A grande virtude da política então seguida foi a de uma actuação fulminante. O que havia de ser
feito foi feito de uma vez e de forma instantantânea. Foi possível fazê-lo
graças ao génio (também incluindo mau feitio) do Ministro Hernâni Lopes, com o apoio
do 1º Ministro, Mário Soares (e aqui reconheço-lhe mérito) e à cooperação do
PSD que, num governo maioritariamente PS, deu suporte às medidas de austeridade
tomadas. Por isso, em muito pouco tempo, as medidas mostraram a sua eficácia e
o país saiu da difícil situação em que se encontrava.
Diferentemente de agora, em que o Partido Socialista se compraz
em criticar toda e qualquer medida, sem apresentar uma única alternativa que
dependa do Governo, e acusando-o até de não tomar as que única e exclusivamente
dependem de terceiros, da União Europeia ao BCE.
Também, e ao contrário do que Mário Soares fez em 1983, o PS vai
insistindo em prolongar a crise por mais tempo, como se esse prolongamento não
trouxesse ainda mais austeridade.
Critica-se o Ministro das Finanças. E eu também. Mas não creio
que se Hernâni Lopes fosse hoje o Ministro das Finanças tomasse medidas muito
diferentes das de Vítor Gaspar. A não ser ter obrigado o 1º Ministro a diminuir
mais rapidamente a despesa pública.
Sim, caro Pinho Cardão. Mas havia duas diferenças substanciais. Uma, como bem refere, é o corte automático dos ordenados em pensões da função pública por impressão de papel moeda. Outra a existência de um PR que, em respeito pela soberania popular que jurou defender, permitiu que isso acontecesse. Embora, como diz bem, os efeitos para os funcionários públicos fossem equivalentes a cortar salários em 40%, devemos sublinhar que o actual presidente da república não permitiu sequer esses 7%. Aquilo que seria o ajustamento automático da economia para o sector privado (como se existisse economia fora do sector privado...) foi truncado pelo actual processo revolucionário em curso. A diferença entre Hernâni Lopes e Vitor Gaspar é a existência de um presidente da república de inspiração soviética.
ResponderEliminar...digo eu, aqui da Praça Afonso de Albuquerque...
ResponderEliminarCaro Pinho Cardão,
ResponderEliminarMais uma vez a governação de Mário Soares. Algo sempre muito actual...
Mas eu acrescentaria às suas palavras, que graças a Mário Soares, um político, coisa em falta agora, havia objectivos na sociedade portuguesa; havia a permanente "luz ao fundo do túnel", havia a CEE como objectivo... Havia um discurso motivador e havia competência em Hernani Lopes. E isso só um político consegue.
Não compare Mário Soares a Seguro. Compare-o a Passos Coelho. Pensando melhor, não compare também. Não há comparação possível...
Caro Pinho Cardão,
ResponderEliminarAnoto as suas expressões "actuação fulminante" e "feito de uma vez", que é dos livros desde, pelo menos, Maquiavel.
Uma grande diferença deste Governo e dos de Sócrates para o Governo do Bloco Central é que vamos andando de PEC em PEC, ou de OE recessivo para OE recessivo, sem perceber que caminho trilhamos, ou onde queremos chegar.
E o Governo não era "maioritariamente do PS". Era uma coligação PS/PSD em que, honra lhe seja feita, o Prof. Mota Pinto percebia o que estava em causa, ao contrário do que Paulo Portas evidencia.
E sobre o post do Carlos Monteiro, sobre a competência e definição de objectivos, acrescento outra diferença: coragem. Manobra política ou não, Mário Soares "levou" na Marinha Grande; os de hoje escondem-se no pátio interior da Câmara de Lisboa.
Não me considero saudosista, mas qualquer comparação com esses tempos...
Caro Pinho Cardão, uma das reconhecidas dificuldades da situação actual é precisamente a ausência desses mecanismos "fulminantes" e não é só por cá, pelos vistos os teóricos destas medidas também têm a maior dificuldade em avaliar o seu real efeito. Outra grande dificuldade é que essas tais medidas fulminantes eram transversais, atingiam todos, não dando margem a decisões cirúrgicas, a demagogias e a avaliações de justiça fiscal que, obviamente, dão origem a reacções. Não vejo que possa comparar-se nem presumir que é possível "reconstituir" os efeitos da inflação ou da desvalorização da moeda com essa precisão. Além disso, as consequências que tira sobre o efeito das decisões de 83 na recuperação económica omitem o contexto, não sei se é possível estabelecer com essa certeza uma relação causa-efeito. E não havia crise nenhuma de financiamento bancário, nem endividamento total das famílias e das empresas, do mesmo modo que não havia praticamente despesas de protecção social, a começar no sistema de pensões e a acabar nos subsídios múltiplos de apoio na pobreza, como não havia cobertura de saúde, ou de educação, e muitos outros benefícios que hoje são considerados parte integrante da capacidade competitiva de um País.
ResponderEliminarCaro Tonibler:
ResponderEliminarÉ muito injusto para com o Presidente da República. No que à função pública respeita, bem ou mal, o Tribunal Constutucional é o único responsável.
Caro Carlos Monteiro:
Um homem não tem só defeitos. Mesmo que seja Mário Soares...
Mas Mário Soares devia ter vergonha de dizer o que diz, quando praticou medidas tanto ou mais "gravosas", mas necessárias, e sofreu, por isso, o que sofreu.
No mínimo, devia calar-se.
Caro Jorge Lúcio:
ResponderEliminarBom, então quer dizer que a actuação fulminante de Ernâni/Soares foi uma actuação maquiavélica? Creio que não, mas, se foi, deu resultado. Em pouco tempo.
Diz que Mário Soares "levou" na Marinha Grande; mas isso foi depois, na Campanha para as Presidenciais. E fazer qualquer ligação do facto às Comemorações do 5 de Outubro é uma lástima. Aliás, o próprio António Costa explicou, mas mal passou nos telejornais, que as Comemorações eram feitas no Salão Nobre da Câmara e só nos últimos anos na Praça do Municipio. Aconteceu que as condições de chuva, vento ou temperatura deram lugar a muitos protestos, pelo que decidiu que deviam ser feitas no novo Espaço do Pátio da Galé. Só isso.
... que repetiu exactamente aquilo que o PR disse antes (após 6 anos de silêncio em que o Teixeira dos Santos andava a ser apanhado pelo Eurostat a meter dívida debaixo do tapete). E, que se saiba o TC não emitiu qualquer opinião sobre os 7% e sobre a TSU. Foi apenas o PR, por interpostas pessoas, e até chegar ao ponto de chamar ao soviete supremo o ministro rebelde que teve a coragem de tentar ultrapassar a decisão do TC. Este ponto da história, que deu origem à divisão do país e vai dar origem ao fim da república portuguesa, não vai ser reescrito caro Pinho Cardão, naquilo que depender de mim. E é este o ponto fundamental de diferença entre as duas situações, Hernâni Lopes não teve que lutar contra o estado português ao mais alto nível.
ResponderEliminarCara Suzana:
ResponderEliminar1. Claro que há sempre dificuldade em avaliar os efeitos. Nesta matéria não funciona a matemática. Mas é possível prever que algumas medidas têm grande probabilidade de resultar, enmquanto outras não.
2. Para o que se pretendia na altura, as medidas tomadas tinham alta probabilidade de resultar. E resultaram.
3. Foram medidas de guerra, potentes, confluentes e adicionais umas às outras. Queira-se ou não, o reajustamento e a competitividade foram assegurados por diminuição do poder de compra e cortes nos salários por 3 vias: cortes directos, cortes indirectos por desvalorização da moeda, cortes indirectos pelo desvio entre a inflação e os aumentos nregocias.
4. Queira-se ou não, este último procedimento equivaleu a uma transferência de fundos dos trabalhadores para as empresas.
5. E havia uma fortíssima crise de financiamento bancário. Na altura, os juros ultrapassavam os 40%, nas letras eram pagos à cabeça e havia os plafonds de crédito. Era uma dificuldade o acesso ao crédito, muito pior do que hoje. Lembro-me bem desse tempo.
6. É facto de que existe causa-efeito no que respeita à recuperação a partir das medidas tomadas. Tanto houve, que, na realidade, resultaram.
7. Nas actuais circunstâncias, em que não é possível desvalorização, nem há inflaçlão, o instrumental teria que recorrer a outra medidas, mas que produzissem o mesmo efeito.
8. Como o efeito ilusão monetária não se poderia dar face ao ponto anterior, as medidas não podiam ser apresentadas tecnocraticamente, tal como foram. Tinham que ser bem "vendidas", bem embaladas, para que o produto fosse aceite. Tinham que ser estruturadas politicamente, porque um governo não é de tecnocratas, é de políticos.
9. Masd por melhor embaladas que fossem, e não foram, gerariam contestação, agora ampliada por uma comunicação social que não havia em 1983.
10. E porque já vou no ponto 10., termino, crendo que Ernâni Lopes não faria muito diferente do que agora goi feito. Teria até sido brutal. Numa da suas últimas entrevistas, e perguntado sobre a matéria, disse que diminuía da noite para o dia, e sem qualquer aviso prévio, o salários dos funcionários em 30%. O que significa que, àparte o que já não podia aplicar, faria exactamente como em 1983. O meu post, sujeito naturalmente a contraditório, apenas quis evidenciar isso.
Caro Pinho Cardão,
ResponderEliminarNão, Soares e Lopes foram apenas consequentes e objectivos: quando se tem de dar más notícias é de uma vez!
E desculpe a minha insistência, mas quanto à cerimónia na CML... quem anda à chuva sabe que se pode molhar, quem tem medo... vai para o Pátio da Galé.
E também me lembro que Soares "levou" na campanha das presidenciais; mas não terá sido pela política do Governo? Talvez os votos que ganhou nessa noite, em que preferiu não ficar dentro do carro tenham feito a diferença...
E, já agora, quando não reconhece a Soares o direito a protestar: será exagero meu, ou uma parte da necessidade de pedir ajuda em 1983 foi resultado da política dos Governos da AD? Não me parece que MS ande a utilizar este argumento para justificar a sua intervenção contra um Governo dos mesmos partidos.
Só uma correcção de forma, pouco importante dada a relevância e acerto do conteúdo. Ernâni Lopes (e não Hernâni).
ResponderEliminarCaro Pinho Cardão, e quanto é que já desvalorizaram os salários da função pública nos últimos 3 anos? e quanto é que aumentaram os impostos? E quantos apoios foram dados às empresas para que sobrevivessem? que me lembre, em 85 ainda não vivíamos num mercado aberto á China ou aos outros mercados concorrentes, nem havia a unificação alemã, nem os países emergentes, nem o escudo era uma moeda fortissima, nem a tinha caído o muro de Berlim. Demasiadas diferenças, creio eu, que devem ser consideradas para avaliar a receita e a causa-efeito que se pretende garantir.
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ResponderEliminarSanta Mãe de Deus
ResponderEliminarNão façam isto ao Prof. Êrnani!
A situação não é igual.
A desvalorização não é para somar à inflação.
A erosão monetária foi substituída pela redução da massa monetária disponível mas esta não é menos violenta: a sua percepção é que é diferente.
O Prof. Êrnani teve naturalmente que lutar para fazer valer o seu programa e a sua autoridade granjeou o reconhecimento dos objectores, favorecendo o acolhimento pelos restantes.
Mas, sobretudo, ele era um grande humanista.