quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A revolta de Gerard Depardieu...

1. Foi notícia destacada nos últimos dias a decisão do famoso actor francês Gerard Depardieu de não só mudar a sua residência para a Bélgica mas também de renunciar à nacionalidade francesa, para adquirir a nacionalidade belga, como forma de protesto contra a decisão do governo francês de tributar os rendimentos anuais superiores a 1 milhão de Euros com uma taxa marginal de 75%.
2. “Vou, porque você considera que o sucesso, a criação, o talento - na realidade a diferença - devem ser sancionados” e “Quem é você para me julgar assim? Infelizmente não tenho nada mais a fazer aqui”, escreveu Depardieu na carta que enviou ao 1º Ministro do governo francês e que foi tornada pública por um diário francês.
3. “Devolvo-lhe o meu passaporte e o meu seguro social, que nunca utilizei. Não temos a mesma pátria, eu sou um cidadão do mundo, um verdadeiro europeu, como meu pai me ensinou”, acrescentou.
4. O gesto de Depardieu causou grande polémica em França, sendo alvo de duras críticas de sectores de esquerda e de aprovação e aplauso da parte de outros sectores - como seria de esperar, atento o estatuto de figura nacional, quase herói nacional, do popular actor.
5. Trata-se obviamente de uma atitude discutível - que tanto pode ser admirada e elogiada como susceptível de crítica negativa - mas uma atitude que tem pelo menos o mérito de ser uma pedrada no charco contra uma medida de política que em última análise é mais emblemática do que eficaz (a receita dela decorrente será muito pouco expressiva) e tem uma forte conotação demagógica.
6. A decisão de Depardieu suscita outras questões, nomeadamente a da existência de uma diversidade de regimes fiscais sobre o rendimento no seio da União Europeia, que permitem a um cidadão (de um nível de rendimento “jeitoso”, evidente) ou grupo empresarial optar pela residência/sede mais conveniente em função do tratamento que lhe é oferecido...
7. ...embora seja claro, no caso em apreço, que a diferença é gerada pela decisão do governo francês em impor uma tributação extremamente gravosa, tornando a opção pela fiscalidade belga uma decisão racional...não somos todos grandes europeístas, sobretudo quando nos convém?
8. Em Portugal, recordo-me de há pouco tempo alguém com notoriedade (já não me recordo exactamente quem) ter prometido ou “ameaçado” PIRAR-SE, caso viesse a verificar-se em 2013 o agravamento fiscal que agora se confirma; mas, após a confirmação do agravamento fiscal, essa promessa de “piranço” parece não ter passado, pelos vistos, de falsa promessa...é pena, não termos um Depardieu nacional...

21 comentários:

  1. Pergunto-me quantos de nós não nutrem, por estes dias, o secreto desejo de ser um pouco Dépardieu?

    ResponderEliminar
  2. Mas temos vários, caro Tavares Moreira, vários...

    Um dia em medida de grande justiça, se bem me lembro retirada de um plano fiscal idealizada pelo Medina Carreira e pelo irmão do Zé Que Faz Falta (esqueci-me do nome), o governo do Guterres resolveu tributar as SGPS. Medida até hoje não revogada por nenhum dos governos subsequentes. Pareceu-me ouvir outro dia que 19 do PSI20 são empresas holandesas, não estou certo disto. Como a condição para que as SGPS na Holanda sejam livres de impostos sobre o rendimento é que 8%(creio) da carteira seja holandesa, a brilhante medida transferiu 8% do investimento das maiores empresas portuguesas para o reino dos Países Baixos. Nenhum deles foi Cyrano de Bergerac, mas não me parece que mereçam menos atenção.

    Estranho também a falta de solidariedade das autoridades portuguesas para com as autoridades francesas. Afinal taxar a 75% os rendimentos de quem vive do seu trabalho, mantendo o ordenadaço dos altos funcionários da República é daquelas coisas que manifestam igualdade, fraternidade e liberdade que repúblicas evoluídas como a da França e a sua cópia tanto prezam. Mas o palácio deve estar para mandar uma cartinha a esse pantomineiro insolente... Só porque trabalha, julga o quê?

    ResponderEliminar
  3. 8. Pelos vistos acaba de se pirar. Boa viagem!!!

    ResponderEliminar
  4. Caro Blondewithaphd,

    Não devemos excluir que o exemplo de Depardieu venha a frutificar entre nós, a nível individual - no que se refere a grupos empresariais o Tonibler já nos esclareceu!

    Caro Tonibler,

    Isso é o que se chama estar sempre em cima do acontecimento!
    Sabia que algums das cotadas no Euronext tinham tomado essa clarividente opção, mas desconhecia que o movimento fosse já tão vasto...
    Em qq caso, nada que se assemelhasse, no plano da emoção nacional, ao gesto bravíssimo de Depardieu!

    Caro Rogério,

    Importa-se de nos esclarecer quanto ao acontecimento que refere?

    ResponderEliminar
  5. Anónimo23:46

    Pertinentissimos o post e o primeiro dos comentários de Tonibler sobre a tributação das SGPS.
    Quanto ao actor caseiro, nem de propósito. Como acima se diz, pirou-se mesmo. Há que louvar-lhe a coerência, salvo se, como o outro da RTP após a autodemissão venha dizer que o empurraram...

    ResponderEliminar
  6. Anónimo00:16

    Caro Tavares Moreira, em França está a adquirir contornos de epidemia a fuga de residentes de elevados rendimentos. Em Espanha há uma norma do orçamento para 2013 que acaba com a tributação das mais valias obtidas em investimentos de duração inferior a 360 dias à tributação anterior de 27% equiparando-a aos rendimentos gerais. Está a gerar um movimento similar.

    Alguém que me é próximo está a colocar em practica planos que tinha elaborados há uns anos para sair, não de Espanha mas sim da UE totalmente. Sei que não é caso único.

    ResponderEliminar
  7. São 21 trilhões de dólares o que as pessoas mais ricas do mundo escondem em paraísos fiscais. Ao mesmo tempo que os governos cortam o gasto público e despedem os trabalhadores, em prol de uma maior "austeridade" obrigada pela desaceleração da economia, os super-ricos - menos de 10 milhões de pessoas - esconderam longe do alcance do arrecadador de impostos uma quantidade igual às economias japonesa e dos Estados Unidos juntas.

    ResponderEliminar
  8. Caro Ferreira de Almeida,

    Já percebi a identidade do autor da promessa de "piranço"...que, ao contrário do que eu sugeri no Post, decidiu mesmo levar por diante, depois de muita reflexão, o prpósito que havia anunciado...
    Há que louvar a coerência da Pessoa em causa, sem dúvida, embora o episódio, talvez pelo enorme desfazamento temporal entre a promessa e a sua execução - bem como, certamente, por não ter o altíssimo grau de mediatismo que teve a revolta de Depardieu - não suscite controvérsia semelhante à daquele que o Post relata...

    Caro Zuricher,

    R ainda vamos ter a famosa taxa Tobin...cujos custos vão recair sobre as empresas, inevitavelmente!
    O cenário não está muito animador, convenhamos: ser simplesmente contribuinte (singular ou colectivo) nalguns países europeus começa a revestir evidentes características penais!

    ResponderEliminar
  9. Não é só Gerard Depardieu. Bernard Arnaud, primeira fortuna europeia e quarta fortuna mundial, com 40.000 milhões de euros, cujo salário anual se eleva a 10 milhões de euros e com investimentos que geram em cada ano 200 milhões de euros de ganancias, pediu também a sua naturalização com o fim de conseguir a nacionalidade belga.

    Para pôr fim a este abuso que priva de importantes recursos ao Estado francês, e por conseguinte aos cidadãos, bastaria vincular o imposto à nacionalidade, e não ao lugar de residência, e aplicar uma taxação diferencial. Este dispositivo acabaria automaticamente com esta praga. Assim, um contribuinte francês refugiado na Suíça que só paga 35% de imposto no seu novo lugar de residência, em vez de 41% em França por exemplo, se veria obrigado legalmente a pagar a diferença ao Estado francês, o que tornaria inútil a expatriação por razões de ordem fiscal.

    ResponderEliminar
  10. Anónimo14:44

    Caro Carlos Sério, isso é exactamente o que os Estados Unidos tentaram fazer. Simplesmente renuncia-se à nacionalidade, algo que vários cidadãos americanos (ex-c.a., melhor dito) estão a fazer.

    ResponderEliminar
  11. Caro Zuricher,

    Como vê, ainda há pessoas que ainda não conseguem estabelecer destrinça entre "tax avoidance" e "tax evasion"...

    ResponderEliminar
  12. Anónimo18:32

    Caro Tavares Moreira, para quê correr os riscos e ser criminoso cometendo "tax evasion" quando se podem alcançar os mesmos objectivos sem qualquer censura legal ou problemas de maior fazendo "tax avoidance"? :-)

    ResponderEliminar
  13. Caro Zuricher

    Os cidadãos dos estados unidos instalados no exterior pagam exactamente os mesmos impostos, conseguidos em qualquer parte do mundo, que os seus compatriotas que vivem no território nacional. Desde um ponto de vista técnico, todos os países do mundo entregam cada ano ao Departamento do Tesouro uma lista dos cidadãos dos estados unidos que vivem dentro das suas fronteiras. Assim, o exílio fiscal já não resulta possível e a única alternativa para escapar dos impostos será a evasão fiscal ilegal.

    ResponderEliminar
  14. Para atacar este tipo de delito, o Congresso dos estados unidos adoptou uma lei que permite a qualquer pessoa – em particular os empregados dos grandes bancos – que dê informações sobre os casos de fraude fiscal receber até 30% das somas que recupera o Estado. Assim, Bradley Birkenfeld, antigo empregado do banco suíço UBS, obteve a soma de 104 milhões de dólares por fornecer informação, “excepcional pelo seu volume e alcance”, sobre os delitos de evasão fiscal que cometeram os clientes americanos do Banco. Esta informação permitiu aos serviços tributários recuperar a soma de 5.0000 milhões de dólares e conseguir a lista de todos os delinquentes que tinham uma conta no UBS.

    ResponderEliminar
  15. Anónimo22:04

    Caro Carlos Sério, é precisamente por causa da legislação que menciona no seu post das 20:14 que há cidadãos americanos a renunciar à nacionalidade Americana. Ao renunciar-se à nacionalidade deixa de ser-se cidadão do país a cuja nacionalidade se faz renúncia. Neste caso, ao fazer-se renúncia à nacionalidade Americana deixa de ser-se cidadão Americano e, por conseguinte, de ter que pagar tributos ao estado Americano.

    ResponderEliminar
  16. Caro Zuricher,

    Estou para aqui a pensar quando é que será possível adquirir-se o estatuto de "cidadão do Mundo"...e dessa forma conseguir um tratamento fiscal que consagre o melhor denominador comum de todos os regimes fiscais existentes à face da Terra.
    Um estatutos desses só deveria ser acessível a cidadãos que se tenham notabilizado pela sua bravura, por exemplo, no combate contra os neo-liberais ou em defesa do Crescimento sem recursos.O Senhor ou eu jamais teriamos direito a tal distinção...ao contrário de outros ilustres comentadores...

    ResponderEliminar
  17. As pessoas procuram viver onde lhes for mais vantajoso, uns porque consideram excessivos os impostos que pagam outros porque não ganham o suficiente para viver e têm que emigrar para onde haja trabalho ou salários mais elevados. Qual é o problema? Quando um País toma uma decisão política, como a de cobrar uma taxa exorbitante que equivale a fixar um tecto de rendimentos, não deve esperar que os cidadãos abrangidos suportem passivamente dessa decisão, tem que contar com esse efeito. É a vida, como se diz,quem decide tem que avaliar essas consequências e ver se são melhores ou piores do que a decisão que tomou para os interesses do País. A alternativa é construir-se um muro...

    ResponderEliminar
  18. Cara Suzana,

    Excelente síntese, clara e sem rodeios! Mas, como sabe, não falta por aí quem entenda a construção do muro como a solução óbvia...

    ResponderEliminar
  19. Caro Tavares Moreira,

    Um ponto a favor: Escrever sobre Depardieu, o melhor intérprete de Cirano.

    O post era sobre impostos mesmo? ah...

    ResponderEliminar
  20. Caro Carlos Monteiro,

    Cirano, o de Bergerac? Não seria, também ele, um esforçado contribuinte?

    ResponderEliminar
  21. A pessoa que refere no ponto 8 tem um nome e o autor deste post pode não ter a coragem de o dizer mas sabe perfeitamente qual é. Mas essa pessoa exerceu simplesmente a liberdade de expressão para se defender do Estado. E se o autor tivesse lido Alexis de Tocqueville teria percebido a importância enorme que essas pessoas têm na defesa da liberdade dos cidadãos contra o despotismo do Estado. Quem já foi acusado de manipulação de resultados numa instituição financeira não tem o mínimo de autoridade para criticar uma pessoa que cumpriu sempre com os seus deveres fiscais e legais perante o Estado e a sociedade.

    ResponderEliminar