domingo, 26 de maio de 2013

Insultar...


Incomodam-me mas não me surpreendem os insultos que se lançam por aí. Insultar é o equivalente verbal da agressão física. Insultar revela o nível da agressividade humana. Insultar é a forma mais hedionda e miserável de destruir quem quer que seja. Insultar chega por vezes a ser equivalente a um homicídio moral. Insultar é um passatempo para muitos. Insultar diverte os fracos de espírito. Insultar é transformar a palavra num punhal sujo. 
Incomodam-me mas não me surpreendem os insultos. Incomodam-me os insultos seletivos provenientes de mentes que se atrevem a pensar e a parir pensamentos, recordando que são, também, seres criativos, surpreendendo-me com as suas máximas moralistas, máximas que escondem alguma inquietude. 
Cedo aprendi as palavras e as frases da vida, tradutoras de raiva, de ódio, de mesquinhez e de desprezo, frases e palavras para ofender, para destruir, para apunhalar, para desprezar e para derrotar. Muito cedo as ouvi da varanda da casa da minha avó, quando as mulheres nos Aldogrãos, onde iam lavar a roupa, se punham a insultar umas às outras. Sua puta, seu coirão, cabra, o teu homem é um cabrão, só para dizer as mais corriqueiras. Quase sempre acabavam aos gritos e, até, em lutas violentas, em que as palavras e os corpos se fundiam na pureza do insulto e do palavrão. Mas não era só ali, na estação de caminhos-de-ferro, os carregadores, muitas vezes já tocados pelo vinho, e não era preciso esperar pela tarde, faziam uso acelerado de outras palavras, mais masculinas, mas nem por isso menos ofensivas. Foi fácil e rápido o enriquecimento do meu léxico. Fácil de mais. Claro que a sua aplicação prática valeu-me sensações de calor e dor nos respetivos sítios, sobretudo a nível das pobres nádegas, mas, de quando em vez, também ficava com dores de dentes de origem exógena, ou com a sensação de estar com frieiras nas orelhas no pico do verão. Isto para falar na parte física, porque a auditiva não ficava atrás, o pobre do bichinho do ouvido ouviu das boas, quase que ia ficando surdo! Respeito, meu rapaz, respeito, se não tiveres respeito pelos outros não prestas para nada, acabas por ser um borra-botas, um cretino, um imbecil. Meu deus, o que ouvi e o que sofri!
Incomodam-me os insultos que se fazem a certas pessoas, mas não me surpreendem. Tudo aponta para que o insulto se institucionalize como uma manifestação do direito à liberdade. Porra! Eu nunca tive direito à liberdade para dizer asneiras e insultar quem quer que fosse. Porra! Claro que era o tempo do fascismo. O tempo em que não havia liberdade, o tempo em que o insulto era punido e a asneira reprimida, não nos tribunais, não nos jornais, não chegavam lá, mas em casa e na escola. Agora não. Vive-se em liberdade, logo, podemos insultar, não com as palavras que aprendi nos Aldogrãos ou na estação, mas com as aprendidas nos salões, as provenientes da elegância intelectual e da criatividade dos eruditos. Mesmo assim incomodam-me os insultos, mas não me surpreendem. 
Puta de sorte a minha...

12 comentários:

  1. Os insultos sempre existiram. Não os defendo. Uma coisa mudou a educação e o bom senso.
    Parece que hoje insultar é tão vulgar que perdeu o valor e assim cada dia se insultam mais uns aos outros e até ao limite.

    Seria muito de bom gosto que se pensasse a sério neste assunto e se pusesse um ponto final nos insultos.
    Seria bom também que acabassem as mentiras e a falta de respeito pelos trabalhadores, pelas crianças e pelo povo em geral

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  2. Acho que não temos bem presentes o custo que a conversa aberta tem para a sociedade portuguesa, sempre preocupada com a forma e não com o conteúdo.
    Chamaram palhaço ao chefe de estado, na semana anterior chamaram-lhe covarde. A forma é fraca, o conteúdo poderosíssimo. Em ambos os casos, as palavras dizem tudo quanto à prestação da pessoa em causa enquanto chefe de estado, seja lá o que isso for.
    Há uns 3 anos que lhe chamam ladrão todos os dias. Recorrem, porém, a meias palavras, figuras de estilo, não há um único que diga "você roubou" ou "és um ladrão". Falo da ligação ao BPN,. Neste caso ninguém faz um escândalo, porque a forma é aquilo a que esta sociedade falida dá valor. O conteúdo, de importância inquestionável,quer para o acusado, quer para os eleitores, é posto de lado, andando o homem a ser chamado de ladrão, mas de "forma correcta"...

    Se fossemos uma cultura que aceitasse o insulto verbal como forma de dialogo, não só este passava a valer o que vale-nada- cono a conversa crescia muito em valor.

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  3. A mim também me incomodam os insultos, e ao contrário do Professor Massano Cardoso; surpreendem-me. E incomodam e surpreendem, os insultos feitos pelo chafe do estado aos cidadãos do seu país, àqueles cidadãos de que ele deve conhecer a situação precária em que vivem: os desempregados, os doentes, os idosos, os que alimentam uma família com filhos pequenos, servindo-se de subsídios de desempregos miseráveis, dos que vivem com reformas ou pensões que não lhes chegam para se alimentar mínimamente e para comprar os medicamentos de que necessitam. Estes sim, são so verdadeiros ofendidos, quando o chefe de estado decide comemorar o dia 10 de Junho com toda a pompa e circunstância, convidando e oferecendo estadias em hoteis, banquetes, etc. Fazendo uma despesa incomportável para o estado em que o país e um grende número de sidad(ões) se encontra a viver.
    Isto sim, é uma ofensa sem tamanho feita pelo chefe do estado aos cidadãos, muito mais do que palhaços, que até pode ser uma profissão digna, o Presidente da República chama ignorantes e abstractos aos cidadãos do seu país!

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  4. Li, quis compreender, mas não consigo, talvez porque o horizonte do meu conceito de insulto é muito limitado, fruto de uma educação ultrapassada, arcaica ou de outras insuficiências que desconheço e que me devem estar a atacar nesta fase da vida. O que está em causa não é uma questão de forma ou de conteúdo, mas sim a origem dos insultos, provenientes de "zonas arcaicas" do cérebro que, desesperadamente, querem manter viva a chama da violência. E vão manter, se não for com o insulto da palavra, será com o insulto do murro, de uma faca, de uma pistola, de uma guerra, de negócios impregnadas de trafulhices, de religiões agressivas, de governos ditatoriais, ou de uma outra qualquer forma de domínio.
    O valor da palavra vai desaparecendo com o passar do tempo. Velhas frases, construídas ao longo da existência que nortearam e construíram o homem, perderão o seu sentido, como muitas que andam por aí que já passaram a valer nada, caso da "honra" e da "honestidade".
    A "cultura do insulto" não é mais do que a prova da verdadeira natureza do ser humano, indicadora da sua origem e preditora do seu destino. O resto, a existência, é um interlúdio, triste e belo, enganador e reconfortante.

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  5. Não conheço o conceito de insulto pelo qual o Sr. Professor se rege, não conheço também, a árvore em que frutificaram. Aquilo que julgo conhecer, é o seu carácter íntegro e humanista, o quais sou capaz de jurar em qualquer circunstância, plenamente convicto de que não me engano.
    Mas para que perceba melhor o sentido do comentário que escrevi, elucido-o de que não pretendi aligeirar ou tornar lícito, todo e qualquer insulto, dirigido a toda e qualquer pessoa.
    Aquilo que pretendi no meu comentário, foi mostrar que a "medalha" tem uma segunda face, a qual não se apresenta nem mais bela, nem mais limpa, nem mais bonita que aquela para a qual primeiro olhámos.

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  6. Caro Professor:
    Aplaudo tudo o que diz. O seu texto é antológico, um grito de alma ao qual me associo vivamente.
    Abraço

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  7. concordo inteiramente consigo sobre o comportamento insultuoso

    assim como no que respeita a perda de civismo, porque educação só existe no dicionário e no ministério da dita

    a condição humana involuiu porque tudo é permitido
    com a continuação da miséria ainda acabam os 'brandos costumes'

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  8. Sejamos claros. Há insulto porque há quem pense diferentemente. E o perigo é esse.A democracia é insultada.

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  9. Compreendo o que escreveu o professor, mas não compreendo onde é que Bartolomeu quis chegar, parecendo-me que ele meteu os pés pelas mãos. Defeito meu, com certeza.

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  10. Não poderei dizer que o meu amigo é portador de um defeito, Tiro ao Alvo. Talvez exista em si alguma resistência em querer ver para lá daquilo que se apresenta aos seus olhos. Acontece a muitos de nós. Por isso muitos dos desacertos de opinião, não são mais que o resultado desse limite de visão.
    Mas, como poderá confirmar quatro comentários acima, o Professor compreendeu. Logo, estatísticamente, temos um para 9.999.999 de portugueses, que vê.
    Citando Saramago no seu "ensaio sobre a cegueira", acrescento: «Penso que estamos cegos, cegos que vêem, cegos que vendo, não vêem.»

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  11. A educação é isso mesmo caro Massano Cardoso, molda-nos para formas de convivência agradáveis, que excluem ferir os sentimentos alheios. Mas parece que agora se confunde liberdade de expressão com direito de dizer o que passa pela cabeça, de acordo com ímpetos de humor em vez de ser de acordo com ideias, daí ao insulto é um instante. O advogado com quem estagiei contava que uma vez, quando era magistrado no Alentejo, um homem insultou outro na praça pública e o advogado que o defendeu argumentava que tal linguarejar se tinha tornado tão banal que já não ofendia ninguém. Então o opositor passou a tratá-lo por esse nome, o Dr. Tal , se me dá licença, enfim, o certo é que o tal advogado ficou conhecido na terra pelo palavrão que defendia não ter mal nenhum. E nunca mais dirigiu a palavra ao que assim defendeu o ofendido, pelos vistos só não era insultuoso para os outros.

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