segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Ano após ano, fogo após fogo


Todos os anos, um após outro, assistimos a este terror dos fogos a queimarem serras e campos, a apavorarem ou arruinarem populações, ao trabalho titânico dos bombeiros e ao rescaldo de vidas perdidas, modos de vida condenados, paisagens calcinadas. Cada ano parece pior que o outro, se chove de inverno é porque choveu de inverno, se o inverno é seco quem daria que tivesse chovido. Também todos os anos assistimos à fase de balanço, de que fazem parte as suspeitas de fogo posto, algumas prisões anunciadas ansiosamente, muitos números com os gastos e a lenga lenga das causas não criminosas, as festas das aldeias e os foguetes, a incúria na limpeza das matas, o deserto demográfico de algumas regiões, para além das sibilinas perguntas sobre quem é que pode ganhar com os incêndios. 
No entanto, lembro-me de que, por exemplo, em 2003, ano dramático em que os telejornais fixaram labaredas como pano de fundo durante muito tempo, se fizeram elaborados planos de prevenção, envolvendo um ror de entidades e muita determinação no seu anúncio. Depois disso, na sequência de mais fogos, lembro-me de que novos planos igualmente laboriosos e exigentes apresentaram estratégias concertadas e firmes, muito firmes e determinadas, para evitar esta calamidade ou, ao menos, a sua dimensão. 
Estamos de novo, infelizmente, na fase do rescaldo, das cinzas ainda mornas e de violenta emoção de 5 mortes de bombeiros e alguns feridos com gravidade, estamos mesmo a encetar a ladainha dos gastos com os combates aos fogos versus os gastos da tal hipotética prevenção. Não digo que não se tenha feito nada, não faço ideia e provavelmente ter-se-à feito, mas não seria exigível que alguém viesse a público fazer esse balanço, o que se fez para prevenir, o que falhou, porque é que falhou, o que houve de diferente, o que será preciso fazer além disso? Não seria mesmo oportuno esse balanço, a somar aos diagnósticos do costume, o que aconteceu a tanta estratégia sempre jurada no fim de cada Verão e alguma dada à estampa como compromisso a cumprir? Francamente, não percebo que cada Verão de dias bem quentes pareça surpreender-nos com a mesma força e os mesmos dramas dos anos anteriores, como se tudo fosse um anátema ou o resultado de gente insana e maldosa. As populações mereciam isso, sobretudo as que vivem em zonas de risco, mais isoladas, e que nos surgem no écran como a viva imagem do abandono e do desempero cada ano pontualmente relembrado.

8 comentários:

  1. Quando domina a ignorância, podemos ouvir tiradas destas:
    «é preciso obrigar os proprietários a limpar a floresta» - Sampaio PR.
    a) Proprietários há muitos anos radicados e falecidos no estrangeiro, sem familiares em Portugal?
    b) Floresta de um território em vias de regressar à não ocupação humana de há 100/150 anos?
    c) Se em Lisboa, vai chegar o inverno, e nem as sargetas de escoamento de águas pluviais, são capazes de limpar,
    vão limpar o quê?
    Batatas.

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  2. Quanto a planos & liderança, estamos entendidos:
    «Ou bem que os portugueses não fazem nada, ou bem que vão até ao último pormenor e, chegados aí, largam tudo como de costume»
    Dominique de Roux (1977, Paris)
    “O quinto império”







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  3. Justiça e incendiários: O que aconteceu aos cerca de duzentos incendiários capturados em 2003 pelas forças policiais? Foi alguém condenado, ou foram todos considerados inimputáveis? Quem foram os seus mandatários? Alguém sabe o que lhes aconteceu?

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Suzana
    Partilho das mesmas preocupações e interrogações.
    Há quantos anos assistimos invariavelmente ao país a arder? É mais um caso em que mostramos uma manifesta incapacidade para mudarmos o rumo das coisas. Uma "troika" para este défice talvez ajudasse!
    Ninguém quer assumir responsabilidades, as culpas, se existem, são dos outros ou então há quem afirme que está tudo bem. O problema é do clima, a Califórnia também está a arder!
    O verão está a terminar com uma devastação brutal, a morte de pessoas, a destruição do sustento de muitas famílias e da riqueza que é a floresta. Será que podemos ter esperança que vai haver um balanço e vamos mudar de vida no que se refere às políticas de prevenção dos fogos e do seu combate?

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  6. Caro Bmonteiro, concordo consigo, alguns apelos que ouvimos parecem dirigir-se ao deserto... Nem o eco lhes responde.
    Margarida, não sei se é preciso mudar de políticas o que seria preciso era virem dizer que políticas foram seguidas, em vez de parecer que em cada ano, no rescaldo, pensamos no assunto pela primeira vez. Ora, não acredito que assim seja, alguma coisa há-de ter sido feita nestes anos todos de labaredas estivais, mas que ninguém vem dizer o quê, como, quanto e o que não é possível fazer e cada um que se defenda se puder, isso eu não ouvi nada.

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  7. Talvez a ajude a compreender o problema:
    http://www.publico.pt/ecosfera/noticia/tu-e-eu-e-que-gerimos-os-fogos-1603998
    De resto pode consultar na página do ICNF a série de documentos sobre o assunto, incluindo as avaliações anuais do que correu bem ou não.
    henrique pereira dos santos

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  8. Obrigada, caro Pereira dos Santos.

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