A propósito da decisão do governo
sobre os cortes nas pensões da Caixa Geral de Aposentações tenho lido e ouvido informações que confundem
e misturam convergência com retroactividade.
A convergência de ambos os
sistemas públicos de pensões – público e privado – há muito que se iniciou, no
sentido de igualar as fórmulas de cálculo e as condições de acesso à reforma
dos trabalhadores da função pública e do sector privado. O próprio processo de
convergência foi avançando em paralelo com um outro processo igualmente
importante, o de alteração de regras de formação das pensões em cada um dos
sistemas, em paralelo, aliás, com a alteração dos regimes de trabalho, também
no sentido da convergência. Evidentemente que as regras são discutíveis, não
temos que concordar, podemos delas discordar. Assim como nos podemos questionar
sobre o âmbito e o alcance da convergência e ter dúvidas sobre a sua relação
com a sustentabilidade dos sistemas de pensões. Mas não é esse, agora, o ponto.
Sendo processos, o seu
desenvolvimento foi-se fazendo ao longo do tempo, integrando sucessivamente novas
regras para aplicação aos futuros pensionistas, tanto no sistema público como
no sistema privado, incluindo normalmente regras transitórias para acautelar
alterações abruptas e reduzir frustrações de expectativas em relação, em
particular, a trabalhadores mais próximos da data de reforma.
Coisa muito diferente é a
retroactividade. O que está em causa é reduzir pensões já atribuídas pela
aplicação de novas regras, pensões que foram atribuídas com base em regimes
legais que em cada momento vigoraram no passado, mais ou menos distante, os
quais sofreram, por sua vez, alterações ao longo dos anos.
A retroactividade coloca
problemas de diversa natureza, entre os quais dúvidas constitucionais porque
estão em causa princípios tão fundamentais como o da confiança. Não são as
medidas da convergência que suscitam esses problemas, é sim a sua aplicação às
pensões que os actuais pensionistas recebem.
O que é novo desta vez é a
retroactividade, uma medida fracturante que quebra um conjunto de princípios e
valores que têm orientado o nosso modelo social, com profundas implicações na
vida das pessoas, agora e no futuro, e na sua construção, no plano individual e
colectivo.
São preocupações bem mais
profundas que estão a montante da constitucionalidade, deveriam ser objecto de
uma ponderada e justificada reflexão, deveríamos todos discutir – os que
decidem e os que são receptores directa ou indirectamente das decisões e que
têm obrigação de as enquadrar e influenciar - e estar conscientes sobre a
sociedade que queremos ter, sobre que princípios e valores queremos preservar e
os que realmente queremos renunciar e qual a nova ordem resultante. Se não o
fizermos estaremos a avançar às ”cegas”, sem medirmos as transformações e as
suas consequências.
Faz bem ler palavras de ponderação. Quando ponderadas, são sempre sábias. Obrigado pela partilha, Margarida.
ResponderEliminarHá época cada interveniente pôs e escreveu o que quis na feitura da Constituição. Afinal 900.000 desempregados(dizem) a dita não lhes valeu. Quem trabalhou ou trabalha no Privado sabe que a Dita não lhes serviu. Foi pena não nos pôr todos em igualdade e fraternidade como juízes! Mas à mais exemplos. País de retóricos.
ResponderEliminarExcelente e pedagógico texto Margarida, todos podem e devem ter opinião sobre um tema que, de uma forma ou de outra, toca a todos, como aqui tão bem alerta, mas ao menos saibam do que falam!
ResponderEliminarCaro opjj, aí há uns vinte anos, mais ou menos, os que hoje estão reformados ficaram no Estado quando o sector privado oferecia muito melhores salários, desenvolvimento profissional e outras vantagens. Era ponto assente que os mais "ambiciosos e capazes de arriscar"" não queriam ser funcionários públicos, quem diria que a mesma geração, já reformada, ia agora ser olhada como privilegiada, numa viragem de 180°!.
Exma. Suzana, o país está cheio de teorias, e não me vai ensinar a missa, porque passei 34 anos no privado e 16 no público. Se quis trazer alguma pensão sofrível tive de me mudar para o Estado. Interrogar-me-à, como assim? Pois tinha habilitações para tal.
ResponderEliminarCom a situação actual o País não vai lá. Vou tendo esperança que a mesada apareça no banco, ainda que paga por outros de fra.
Cumprimentos
Acrescento; outros de fora.
ResponderEliminar"Se não o fizermos estaremos a avançar às ”cegas”, sem medirmos as transformações e as suas consequências."
ResponderEliminarFoi isto mesmo que sucedeu nas últimas décadas ao permitir a cristalização de um sistema perfeitamente insustentável. Corrigir a trajectória, agora que falimos, é apenas inevitável.
Caro Carlos
ResponderEliminarConcordo que andámos às "cegas" em muitos domínios, tomando medidas sem visão estratégica, ao sabor de conjunturas. Deu muito mau resultado, é tempo de arrepiarmos caminho.