Vale a pena ler o artigo publicado hoje no jornal i no "consultório do direito do trabalho" sobre o emaranhado jurídico referente à lei vigente sobre o direito à compensação. Trata-se de um exemplo, entre muitos outros, de como a proliferação legislativa torna quase impossível uma aplicação justa e esclarecida do direito e, sobretudo, torna praticamente impossível aos interessados avaliar dos seus direitos e obrigações. Se virmos -operação temerária! - o que se passa com o regime de aposentação na função pública, a qual sofreu mais de quarenta alterações (creio não pecar a não ser por defeito) desde que o estatuto vigora (1972), muitas deles nos últimos anos e através de legislação dispersa, ou o regime da mobilidade, agora requalificação, cuja síntese indica que "procede à nona alteração à Lei n.º 12 A/2008, de 27 de fevereiro, à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 74/70, de 2 de março, à décima segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril, à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 209/2009, de 3 de setembro, e à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho", só para dar alguns exemplos em matéria de que hoje toda a gente fala com tanta desenvoltura, concluímos que mesmo sendo um jurista muito paciente, meticuloso e competente, não é nada fácil avaliar evoluções, comparações e avançar sem dúvidas sobre a real situação de cada pessoa perante a lei e os efeitos que as sucessivas e constantes alterações foram operando. No entanto, passa-se com o direito um pouco o que aconteceu com a economia desde que as selectas páginas cor de rosa dos jornais da especialidade passaram ao preto e branco das notícias generalistas: todos falam, analisam e opinam sobre economia, o seu palavreado técnico caíu no domínio público e os SWAPS, por exemplo, têm direito ao tu-cá-tu-lá à mesa do café. Do mesmo modo, os portugueses, seja qual for a sua formação académica ou mesmo que não seja nenhuma, debitam teses de certeza absoluta sobre a Constituição, os seus princípios, regimes comparados de trabalho, sistemas de segurança social, código penal, direito civil, etc, tudo embrulhado em títulos de jornal que induzem interpretações bombásticas ou que alimentam ressentimentos sem deixar qualquer hipótese à avaliação esforçada de quem leu a lei e a sabe ler ou tem obrigação disso. Tornámos-nos um povo de economistas e de juristas sem papas na língua, embora mais parecidos com os feiticeiros que liam nas entranhas das galinhas, imagine-se se nos dava para a engenharia civil ou para a cirurgia, com leis a ver se acolhiam todas as opiniões e se resistiam a todas as correntes de opinião...não havia prédio que saísse direito nem perna partida que voltasse ao lugar!
terça-feira, 3 de setembro de 2013
Ler nas entranhas da lei
Vale a pena ler o artigo publicado hoje no jornal i no "consultório do direito do trabalho" sobre o emaranhado jurídico referente à lei vigente sobre o direito à compensação. Trata-se de um exemplo, entre muitos outros, de como a proliferação legislativa torna quase impossível uma aplicação justa e esclarecida do direito e, sobretudo, torna praticamente impossível aos interessados avaliar dos seus direitos e obrigações. Se virmos -operação temerária! - o que se passa com o regime de aposentação na função pública, a qual sofreu mais de quarenta alterações (creio não pecar a não ser por defeito) desde que o estatuto vigora (1972), muitas deles nos últimos anos e através de legislação dispersa, ou o regime da mobilidade, agora requalificação, cuja síntese indica que "procede à nona alteração à Lei n.º 12 A/2008, de 27 de fevereiro, à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 74/70, de 2 de março, à décima segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril, à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 209/2009, de 3 de setembro, e à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho", só para dar alguns exemplos em matéria de que hoje toda a gente fala com tanta desenvoltura, concluímos que mesmo sendo um jurista muito paciente, meticuloso e competente, não é nada fácil avaliar evoluções, comparações e avançar sem dúvidas sobre a real situação de cada pessoa perante a lei e os efeitos que as sucessivas e constantes alterações foram operando. No entanto, passa-se com o direito um pouco o que aconteceu com a economia desde que as selectas páginas cor de rosa dos jornais da especialidade passaram ao preto e branco das notícias generalistas: todos falam, analisam e opinam sobre economia, o seu palavreado técnico caíu no domínio público e os SWAPS, por exemplo, têm direito ao tu-cá-tu-lá à mesa do café. Do mesmo modo, os portugueses, seja qual for a sua formação académica ou mesmo que não seja nenhuma, debitam teses de certeza absoluta sobre a Constituição, os seus princípios, regimes comparados de trabalho, sistemas de segurança social, código penal, direito civil, etc, tudo embrulhado em títulos de jornal que induzem interpretações bombásticas ou que alimentam ressentimentos sem deixar qualquer hipótese à avaliação esforçada de quem leu a lei e a sabe ler ou tem obrigação disso. Tornámos-nos um povo de economistas e de juristas sem papas na língua, embora mais parecidos com os feiticeiros que liam nas entranhas das galinhas, imagine-se se nos dava para a engenharia civil ou para a cirurgia, com leis a ver se acolhiam todas as opiniões e se resistiam a todas as correntes de opinião...não havia prédio que saísse direito nem perna partida que voltasse ao lugar!
Muito me espanta que se defenda que os portugueses deveriam ter formação académica em direito para se pronunciarem sobre a lei fundamental do estado. Se é assim, cara Suzana, então rasgue-se e faça-se outra porque não imagino maior incompetência que fazer uma lei fundamental que só serve para ser interpretada pelas vestais do regime.
ResponderEliminarA comparação não está bem feita. Deve comparar a constituição com uma ponte feita debaixo de água onde ninguém consegue passar, não deve comparar direito com engenharia civil. Porque ninguém precisa de ser engenheiro para perceber que uma ponte dessas é uma porcaria que não serve para nada.
Caro Tonibler, eu não acho que seja preciso ter formaçáo académica para ter opiniões sobre o que quer que seja, o que entendo é que para assumir essas opiniões como sentenças fundamentadas é preciso estudar os assuntos e perceber do que se fala, tal como eu tenho opiniões sobre a porcaria dos computadores, para usar a sua expressão, e se for dizê-lãs publicamente aposto que o caro Tonibler se benzia três vezes perante a minha ignorãncia. Se eu me meter a arranjar a i nformática cá de casa, de acordo com a minha opinião e experiência de utilizadora, aposto que estrago tudo, se for ter consigo fala-me de certeza de matemática e fórmulas e termos ininteligíveis e eu fico a pensar que isto é tudo uma trapalhada para nos complicar a vida e mais nada,o que é que quer, temos todos opiniões sobre tudo o que nos afecta a vida, mas para sabermos mudar para melhor é preciso saber alguma coisa. O quer, é a minha opinião e lá vou escrevendo como posso neste iPad que me emenda mal as palavras e os espaços.
ResponderEliminarE já agora conto-lhe uma história engraçada, um amigo meu tem uma bela casa já antiga mas achou que podia melhorá-la com janelas e portas estanques, daquelas que náo deixam passar o vento e protegem do frio e do calor. Náo pediu outra opinião, mandou fazer e colocar, agora a casa enche-se de humidade, tem bolor e provoca alergias porque esqueceu-se da questão da circulação do ar. Lá terá que furar as paredes para uns respiradouros, é no que dá as opiniões...
ResponderEliminarCara Suzana, não estou a falar de direito obrigacões ou mesmo direito laboral. Da mesma forma que não me atiraria a falar de janelas, portas e aduelas. Estou a falar do trinco. Se o trinco da porta funciona, então tenho uma porta. Se não funciona, não tenho. Se eu lhe arranjar um computador que só se liga quando a Suzana for tirar um curso de engenharia, então não tem um computador pessoal, tem outra porcaria qualquer. Se a constituição só serve para ser interpretada pelos sábios, então não tenho uma constituição, tenho outra porcaria. Uma das coisas mais desonestas da vida portuguesa é haver quem tenha participado na feitura da constituição e hoje ganhe dinheiro a comentá-la.
ResponderEliminarÉ assustador, Suzana. Nunca se ouviu tanto disparate dito e escrito por quem nem sequer leu uma linha da lei, seja ela a Constituição ou qualquer outra.
ResponderEliminarE então as metáforas, Deus meu...
Suzana
ResponderEliminarHá muito amadorismo. Uma "profissão" em ascensão. O caso dos swaps é um bom exemplo. Toda a gente fala dos swaps sem saber o que são, para que servem, sem se interessarem minimamente em aprender sobre o assunto. As asneiras que se dizem são gritantes, mas falam do alto da grande sabedoria. É assustador, como muito bem diz o José Mário. E eu acrescento que é confrangedor.
"(...)Tornámos-nos um povo de economistas e de juristas sem papas na língua, embora mais parecidos com os feiticeiros que liam nas entranhas das galinhas, imagine-se se nos dava para a engenharia civil ou para a cirurgia, com leis a ver se acolhiam todas as opiniões e se resistiam a todas as correntes de opinião...não havia prédio que saísse direito nem perna partida que voltasse ao lugar! (...)"
ResponderEliminar:)
A parte da cirurgia é o menos, um sujeito fica remendado, mas vivo!. A parte da engenharia é mais prigosa, quando um prédio cai nem os ossos se aproveitam. Ainda bem que somos uns ases a meter o bedelho no direito, mesmo torto ninguém morre.
Caro jotac, ninguém morre porque abolimos a pena de morte :)
ResponderEliminarCaro Ferreira de Almeida:
ResponderEliminarConcordo consigo. Mas também ainda me parece disparate maior ouvir altas sumidades do direito, que leram leis e constituição, e ensinam umas e outras, que dominam os conceitos e fazem do direito vida, com opiniões perfeitamente contraditórias sobre o conteúdo das mesmíssimas normas.
No entanto, são doutas opiniões.
Para já não falar no TC , em que chega a haver votações de 7-6, com montanhas de declarações de voto. E aí o disparate é que, no fim, quase se trata mais de um somatório de veredictos pessoais do que do veredicto do Tribunal.
Ora se os especialistas assim se desentendem publicamente, alguns também dirão autênticos disparates.
Mas disfarçados numa competência que alguns é duvidoso que tenham.
Caro Pinho Cardão, é precisamente o que acontece sobre teses económicas, análises de conjuntura, diagnósticos e soluções possíveis. Não percebo porque é que admite tantas interpretações variáveis em economia e em direito isso o escandaliza. A seriedade das diferentes teses tem que ser analisada de acordo com os fundamentos que cada uma apresenta, não pode emitir-se juízos de depreciação apenas porque há divergências de entendimento. Em direito como noutra ciência qualquer.
ResponderEliminarCara Suzana:
ResponderEliminarEngano seu. Eu não compreendo tantas interpretações variáveis em economia, como diz. E não compreendo, porque muitas são rematada asneira. Completa. De ignorantes travestidos de economistas. Alguns catedráticos.
Torturar noções económicas ou de direito para se atingir determinado objectivo é intolerável. Mas acontece diariamente. Nos juristas e economistas bastardos. E não só!
Cara Suzana,
ResponderEliminarNo domínio das opiniões ainda as coisas são o que são, valem o que valem, e afectam o que afectam. Mas o pior mesmo é quando o exercício de funções é feito por aqueles que da ciência têm apenas o entendimento do comum dos mortais. Estou neste caso a referir-me à gestão, onde aparecem frequentemente cientistas das mais diversas proveniências, desde o direito, à engenharia e quejandas. Todos são óptimos gestores, porque se acham com os poderes e o engenho artístico suficiente para gerirem. E temos exemplos em todas as direcções, desde as empresas às universidades. Ninguém terá dado relevo por cá à afirmação de Peter Drucker, o chamado "pai da gestão" que afirmava: "não há países desenvolvidos e subdesenvolvidos, há países administrados e sub-administrados".
Até sempre.
José Pinto Correia
Concordo consigo, caro José Correia, e não são novidade nenhuma os estudos e comparações internacionais que põem em destaque esse factor e a sua relevância.
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