"Malhadiço" é uma expressão portuguesa que exprime a habituação às agressões e ameaças, não no sentido de passar a aceitá-las como boas, mas no sentido de provocarem movimentos instintivos de defesa que as previnam ou as desvalorizem sistematicamente. Uma criança habituada à violência tem gestos automáticos que denunciam de imediato essa condição, leva a mão à cara, a proteger-se, perante qualquer gesto de braço alheio, ainda que a intenção seja amistosa, ou desata a chorar quando ouve falar alto, mesmo que a conversa não lhe seja dirigida. Se for um adulto malhadiço, não serve de nada repetir vezes sem conta que lhe vai acontecer isto e aquilo se não fizer o que lhe mandam, torna-se quase indiferente à pancada ou às infelicidades porque aprendeu que uma e outra lhe chegarão com razão ou sem ela, cumpra ou não cumpra. É diferente do “gato escaldado de água fria tem medo”, ao menos em grau e reação, porque não é uma aprendizagem com a experiência que torne as pessoas prudentes, não é isso, um malhadiço torna-se resistente da pior maneira, passa a ter medo de tudo e a fazer-se vítima desse medo ou então insubordina-se em silêncio, assume manhas, trapaceia, denuncia o vizinho para agradar, amedronta os mais fracos que ele copiando os tiques de violência ou prepotência que o ensinaram a fugir ou lhe tolheram os impulsos. O malhadiço tem como certo que a pancada virá, já não procura nem avalia as razões, e o mais que deseja é esquivar-se para que não lhe caia em cima. Um malhadiço é, ao mesmo tempo, uma presa fácil e alguém impossível de controlar, de tal modo se torna imprevisível a sua interpretação das acções de que é alvo ou de que espera vir a ser a todo o momento. Não é preciso a violência física para criar malhadiços, embora seja a forma mais imediata. Também a injustiça sistemática, a arbitrariedade, as humilhações gratuitas ou as promessas substituídas por castigos, levam ao mesmo resultado. Um malhadiço duvida de todas as boas intenções, rejeita todos os argumentos e concentra-se em escapar às consequências ou em iludir as decisões que o possam afectar.Às vezes parece que amedrontar ou decidir sem grandes explicações elimina resistências e prepara o terreno para se avançar mais depressa, mas o risco de se criarem malhadiços é tão grande e tão perigoso como o de se suscitar revoltas.
O homem, é sempre ele e as circunstâncias que o rodeiam...
ResponderEliminarSuzana
ResponderEliminarÉ realmente perigoso desvalorizar que não são neçessárias explicações, que é uma perda de tempo dar saisfações, que o melhor é optar por nada dizer, na base do argumento de que o que têm de ser tem muita força. E quando as explicações não convencem, parece então que a melhor solução é mesmo não dar confiança. Para quem não acredita nos malhadiços ou nas suas capacidades e resistências, então esse é um caminho apelativo.
Uma tese existencialista, caro Bartolomeu, só que as circunstâncias que se criam são muitas vezes desvalorizadas quando se julgam ou prevêem as atitudes.
ResponderEliminarChama-se a isso brincar com o fogo, Margarida.