quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Competitividade, Política Fiscal e Reforma do Estado

O World Economic Forum (WEF) publicou recentemente o Global Competitiveness Report 2013-2014. Na versão deste ano, Portugal desce dois lugares no ranking global de competitividade, para a posição 51 entre 148 países (19º lugar na UE). Nenhuma novidade em relação a anos anteriores: desde 2004 (posição 25) que o nosso país vem, quase ininterruptamente, perdendo posições que reflectem uma competitividade cada vez menor. Na conjuntura que atravessamos, a saída do actual programa de resgate e o regresso ao financiamento em mercado (que facilitará, e muito, o hoje muito condicionado financiamento à economia) deverão, por si só, proporcionar uma subida em futuros rankings.
Mas há muitas áreas em que a nossa doença é estrutural e persiste desde há muito. Vou chamar a atenção para uma que me é muito cara e que parece, enfim, com mais de uma década de atraso, ir ser objecto de atenção e actuação por parte do Governo: a política fiscal. No relatório do WEF, a carga fiscal leva Portugal a situar-se na posição 139 (em 148 países – só no nível de endividamento público estamos pior, em 143º lugar). É obra!... Sim, era possível fazer pior – mas, convenhamos, pouco pior. Quer para os investidores, quer para os trabalhadores, a carga fiscal surge como um forte desincentivo: para os primeiros, não incentiva minimamente o aparecimento de novos projectos nem, consequentemente, a criação de (mais e melhor) emprego; para os segundos, o incentivo a trabalhar mais e melhor, aumentando a produtividade, é inexistente (uma vez que o Estado acabará por arrecadar uma parte cada vez mais considerável dos rendimentos gerados pela sua produção).
É, pois, fundamental reformar a fiscalidade em Portugal, com prioridade para o IRC e o IRS. Ora, no IRC já são conhecidas as linhas gerais da reforma que visa transformar a tributação directa sobre as empresas numa das mais competitivas da Europa em múltiplas vertentes – incluindo, naturalmente, a (substancial) descida da taxa, a simplificação dos procedimentos e das regras para os contribuintes, e o alinhamento pelas práticas internacionais mais competitivas – mas acautelando situações condenáveis de abuso ou planeamento fiscal agressivo. Como recomendam a Comissão Europeia ou a OCDE, para citar apenas dois exemplos de instituições respeitadas na matéria.
Sei que sou suspeito para abordar este tema, uma vez que integrei a Comissão constituída para reformar o IRC; porém, mesmo que não tivesse sido esse o caso, consideraria as alterações propostas muito positivas e caminhando no sentido certo, em linha com o que há bem mais de uma década venho defendendo (considerando, até, que teria sido desejável ir mais longe na redução da taxa, para não mais de 15%, mesmo que num prazo mais alargado).
O que não deixou de me surpreender foram as muitas críticas a esta reforma nos seus vários domínios. Reparos que me têm parecido injustos, mal fundamentados e carregados de preconceitos ideológicos. Destaco, em particular, o total menosprezo do contexto competitivo em que vivemos (não, Portugal não está sozinho no mundo e a realidade dos últimos anos pouco tem a ver com o que se passava, por exemplo, nos anos 70 ou 80). E refiro-me, sobretudo, às críticas de alguns fiscalistas e a determinados sectores e actores da comunicação social (também neste jornal do qual sou colunista há mais de 10 anos), cujo posicionamento é conhecido e que parecem preferir ignorar a realidade que o WEF bem documenta e manter Portugal na situação fiscal desastrosa em que se encontra, do que caminhar, embora com largo atraso, na direcção que há tanto tempo devia ter sido trilhada. Sim, devíamos ter-nos antecipado – mas já que, infelizmente, não o soubemos fazer, então pelo menos que não deixemos o imobilismo afectar-nos ainda mais.
Queremos ou não atrair mais e melhores investimentos e projectos empresariais?... Queremos ou não criar (mais e melhores) e empregos?... Queremos ou não dinamizar a economia e aumentar o bem estar da população?...
Pois então deixemo-nos de fantasias e demagogias, analisemos os factos e a realidade, e actuemos em conformidade... o que significa que as alterações fiscais não devem ficar-se pelo IRC – devem muito rapidamente ser estendidas ao IRS, no sentido do alívio progressivo da pesadíssima carga fiscal que as famílias portuguesas enfrentam, voltando a incentivar o factor trabalho e a manutenção (e a atracção) de recursos humanos em Portugal, bem como a favorecer a confiança, o consumo e o mercado interno, complementando a evolução positiva das exportações (por exemplo, uma baixa faseada da mesma dimensão da perda de receita estimada para o IRC até 2018).

Mas significa também que temos mesmo que baixar a despesa pública e reformar o Estado – o que nunca se conseguirá sem actuar ao nível das parcelas mais pesadas: prestações sociais e massa salarial. Uma actuação impopular e dolorosa, mas indispensável – porque, com um problema de endividamento público sério, mesmo que seja conferido algum tempo adicional (pela Troika) a Portugal para a necessária consolidação orçamental, a reforma e o alívio fiscal de que necessitamos como do pão para a boca (no IRC e no IRS prioritariamente, em minha opinião) só poderão ver a luz do dia se reformarmos as Administrações Públicas e assegurarmos a sustentabilidade da despesa pública. Todos os que de tal duvidem, ou a que tal se oponham (incluindo os Partidos da Oposição e o Tribunal Constitucional), deviam pensar melhor no assunto. A realidade é imparável – e se um país como Portugal a ela não se adapta corre o risco de ficar irremediavelmente para trás e a empobrecer. Como desde o final dos anos 90 tem vindo a acontecer. Já não chega?!...

Nota: Este texto foi publicado no Jornal de Negócios em Outubro 01, 2013.

10 comentários:

  1. A tudo isso há que acrescentar a necessidade de contenção da "fúria" regulamentadora asfixiante e discriminatória da UE, alavancada pelas entidades nacionais, que constitui um fortíssimo desincentivo ao investimento e absorve todos os ganhos de produtividade! Assim não vamos lá!

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  3. Curioso. Quuando se falou da TSU, a única medida neutra do ponto de vista da receita do estado, parecia que o ministro tinha lepra. Como não há medida de corte da despesa corrente que o PR e o TC deixe passar, baixa-se os impostos como?

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  4. Caro Tonibler, daí o meu repto final a vários "actores" de relevo, entre os quais o TC...

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  5. Apresenta-se a questão do Estado Social como uma questão de falta de recursos para suportá-lo.
    Contudo tudo se fez e continua a fazer para que o Estado não tenha recursos. Basta ter em conta o seguinte: De acordo com os cálculos efectuados, entre 1990 e 2010, «o montante dos resultados contabilísticos positivos das empresas multiplicou-se por 13, enquanto a receita de IRC apenas triplicou». Ou seja, se «em 1990 o IRC liquidado pelo Estado representava 27% dos resultados contabilísticos positivos declarados pelas empresas», passados «20 anos o IRC pesou já só 6% desses resultados», o valor mais baixo da série apurada.
    A perda de receitas gerada por esta via deve-se essencialmente a sucessivas reduções da taxa de IRC, sobretudo através da alteração da base de tributação aplicada às empresas (metade dos resultados contabilísticos deixou de ser tributado) e à diversificação das rubricas de dedução à colecta. Por sectores, em 2010 foi a banca
    Em 2010, os lucros da banca somaram quase mil milhões, mas o IRC pago foi de apenas 121 milhões, menos de metade do valor pago em 2009, estima a Associação Portuguesa de Bancos.
    Resumindo: em 1990 cerca de 55% das empresas pagaram uma quantia de IRC que representou 27% dos resultados. Em 2010 só cerca de 29% das empresas pagaram um IRC de 6% dos resultados contabilísticos.

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  6. Segundo o relatório do WEF o elenco de factores deprimentes da competitidade da economia portuguesa está longe de se restringir à fiscalidade das empresas.

    Do que tenho lido sobre a crítica que refere tenho depreendido que as reservas se colocam sobretudo do lado da provável ineficácia de uma redução do IRC sobre o relançamento da economia tendo em consideração a susbsistência de outros factores muito mais constrangedores. A ineficiência da justiça no cumprimento legal dos contratos, por exemplo.

    Reservas essas que este relatório, mais uma vez, parece confirmar.

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  7. Oh companheiro do Porto, Ramalde escreve Arménio Morais para mais uma vexz repetir o que lhe disse pessoalmente. Não continuem a massacrar os mesmos, cortem nas gorduras do Estadocomo menos deputados, viaturas, condutores,acessores etc. e obriguem as grandes fortunas e as grandes empresas como EDP, GALP. PT e a Banca a ajudarem a pagar a crise. Abraço.

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  8. "Na Europa, os esforços para resolver a crise da dívida pública e impedir um desmoronamento do euro desviaram as atenções das questões profundamente enraizadas relativas a competitividade. As economias da Europa do Sul, como a Espanha (35º), a Itália (49º), Portugal (51º) e sobretudo a Grécia (91º) precisam continuar a lidar com suas fraquezas no que diz respeito ao funcionamento e eficiência dos seus mercados, a fomentar a inovação e a melhorar o acesso ao financiamento, a fim de conseguir reduzir os problemas de competitividade da região." (Relatório da competitividade). O 1º pilar a considerar é o da qualidade das instituições, mas também a saúde e a educação, de entre os 12 pilares considerados.

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  9. Tudo isso é muito certo, Suzana - mas, se excluirmos o efeito do peso da dívida pública (posição 143 em 148), é ao nivel dos impostos directos sobre famílias e empresas que a posição de Portugal é mais negativa, de entre todos os factores: posição 139 (entre 148 países). O relatório do WEF é muito claro sobre este facto. E contra factos... É um factor muitíssimo pernicioso para a nossa competitividade.

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  10. Sem dúvida Miguel, a questão é se deixamos os outros piorar....

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