Já passei vezes sem conta a seu lado. Já fui tentado vezes sem conta a parar e a entrar. Já fui convidado inúmeras vezes para ir no dia da sua romaria. Não parei, não entrei e nem festejei. Porquê? Não sei bem. Lembro-me de ter ido um dia, deveria ter oito anos, aquando da romaria. Fui, claro, tive que ir. A minha mãe fez uma promessa porque estive bastante doente. Como era o "objeto" da promessa, teve de mostrar à santa que estava bem e que já andava. Para testar que caminhava bem tive que galgar, debaixo de um sol enlouquecido, alguns quilómetros, o que para uma criança tem de ser multiplicado por dois ou por três vezes mais. Os adultos esquecem-se sempre do tamanho das pernas das crianças e nem sabem que não suportam o calor da mesma maneira, logo, o cansaço e a sede começaram a apertar, e de que maneira. Nessa tarde de início de setembro suei as estopinhas na peregrinação à Nossa Senhora da Saúde. A sede apertou-me e os adultos, quais camelos, esquecem-se das necessidades hídricas dos mais pequenos. Protestava com o calor, com a sede e com o pó que se libertava em ondas na estrada de macadame. Cheguei ao destino. Recordo-me de ver muita gente, altifalantes, arraial, copos, sandes, cheiro a vinho, mas água é que não, a que havia era apenas para lavar as canecas. Houve uma alma caridosa de uma casa ao lado da capela que me deu um púcaro de água fresca. Bebi de um trago, pelo menos duas vezes. Chamaram-me, tinha de ir à capela. Fui, agora mais reconfortado por não ter sede e porque já estava a ver alguns "viriatos" que vinham mesmo a calhar para matar a fome. - Entra, vamos. Entrei. Era uma confusão. Consegui chegar ao pé da santa que me curou, mas que, também, me obrigou a palmilhar uma légua e meia sob um sol escaldante e ter de suportar o martírio da sede. - Ajoelha-te. - Eu? - Sim! Claro. A mão caiu sobre o meu ombro e cumpri a ordem. O raio do chão fez-me doer os joelhos nus. Estive naquela posição incómoda durante algum tempo. Lembrei-me que tinha de regressar e isso assustou-me. A minha mãe nunca mais acabava de rezar e eu naquela posição a olhar para a santa, a pensar no regresso, na sede que tinha passado, na fome que já me atormentava, no cansaço que sentia e nas terríveis dores que começavam a martelar os joelhos. Quando acabou de rezar, levantei-me e ainda ouvi um responso: - Não te benzes? - Quem? Eu? - Sim, tu. Agradece à Nossa Senhora da Saúde que te livrou de tão grande mal. Como é que se agradece a uma santa, pensei. Como não sabia, benzi-me e saí para o arraial.
Hoje, vi-a. É uma imagem muito bela. Cheguei a estar, durante alguns momentos, praticamente sozinho na capela com o meu amigo deitado de costas, em paz consigo, com o mundo e com a santa. Levantei-me, fui até ao altar e observei-a com cuidado. Muito bela, de facto. Surpreendentemente bela. Passaram-se tantos anos desde que a conheci, foi pena ter de voltar a vê-la naquelas circunstâncias, preferiria tê-la visto num dia de calor, no meio da alegria de um arraial. Fica para a próxima vez. Não me vou esquecer.
Disse-lhe: - Está bem! Prometo que virei.
Andar a passear em Lisboa e visitar as igrejas, beneficiar daquele silêncio...
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