No domingo passado havia uma pequena feira em frente ao Convento de Mafra, eram meia dúzia de casinhas de madeira todas dedicadas ao artesanato ou à venda de produtos da terra, pão, bolos, mel. Demorámos-nos a ver pequenas maravilhas ou coisas encantadoras pela sua simplicidade, que nos fazem recuar no tempo, bibelôs do tempo dos nossos avós, rendas e naperons tecidos em linha grossa, vendidos por mulheres de mãos ásperas e sorriso largo, para todos os objectos uma utilidade à vista, nem que seja a de matar o tempo nas horas mortas, que horas vazias de trabalho aquelas mulheres parecem não saber o que seja. Uma das vendas era só de peças de barro, sobretudo presépios, ia passar por alto mas houve qualquer coisa de estranho que me chamou a atenção, aproximei-me dos bonecos, eram toscos e ao mesmo tempo fantásticos, impossível sair dali, um e outro pareciam chamar, conversar connosco, estava eu ali intrigada com aquele sortilégio sem o entender até que a jovem artesã, aí dos seus trinta anos, saíu do canto onde cinzelava uma nova peça e, limpando as mãos ao avental, disse-me, já viu que todos os meus bonecos estão a rir-se? Faço questão nisso, não há nenhum que não esteja a rir-se, faço sobretudo presépios e santos, veja esta Rainha Santa Isabel, ou esta Nossa Senhora do Ó, faço também o que me encomendarem, até já fiz um Luis de Camões e vendi-o logo, estava a sorrir, claro, a esse não fiz riso a mostrar os dentes mas tinha um ar feliz, mesmo assim.
Acabámos as duas a rir a bom rir, ela a apresentar-me boneco atrás de boneco, era contagioso, irresistível, a Cláudia sabia mesmo puxar a alegria do barro, colava-lhes a boca como toque final, pintava de vermelho, os dentes brancos e aí estava, o riso aberto, os olhos arregalados, nas figuras femininas umas pestanas espetadas, não eram cómicos, nada disso, eram desconcertantes e simplesmente encantadores. O Santo António a atirar o Menino ao ar, como se tivesse sido apanhado assim na brincadeira foi logo o meu preferido, mas também trouxe uma Nossa Senhora grávida, daí o Ó, envolta num manto e o sorriso aberto e doce, e um anjo esparvoado, de grandes asas, a rir-se, com uma estrela a arrastar pelo chão. Vim contente daquela feira, com alguns sorrisos guardados, para os dar pelo Natal.
Por diversas vezes tive a sensação de encontrar nas fisionomias das esculturas, traços dos que as executaram. Com a pintura, verifico o mesmo. Penso que, sem querer e sem a consciência real ou tridimensional da própria anatomia facial, o autor retrata-se nas peças que executa, sobretudo aos seus traços mais impressivos. Lembra-se a cara Drª Suzana do Mestre João Franco, do Sobreiro de Mafra? Visitei algumas vezes a sua "aldeia" e adquiri também algumas peças. Lembro-me também da sua figura e da figura da mulher, que o ajudava na olaria. E várias vezes me quedei com um dos seus "bonecos" na mão e o olhar a saltitar entre o mestre e a obra. As semelhanças na maioria dos casos eram evidentes; nas figuras masculinas, ele, nas figuras femininas, ela.
ResponderEliminarA ela não a conheci, ou não me lembro, mas dele sim, fui lá várias vezes, conversava sem pressa enquanto ia moldando as suas figuras. Tenho algumas das suas esculturas em barro, parecem em movimento, são lindissimas. Tem razão, tal como os livros, os quadros e as esculturas, o traço da personalidade de quem os criou está lá.
ResponderEliminarSuzana
ResponderEliminarOs bonecos de barro da Claudia estão em contra corrente com o que agora nos põem à frente para ver. A alegria e a boa disposição estão tantas vezes à nossa frente, não as vemos. Com tantos sorrisos como se pode resistir? Não se pode, a Claudia sabe bem que assim é!
É verdade, Margarida, uma pessoa até estranha a boa disposição assim exibida!
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