Tenho tido ao longo do tempo explicado e dissertado sobre os riscos de incompreensão que os médicos irão sofrer no futuro.
O médico deixou há muito de ser um semideus. Saiu de um pedestal e acabou por se colocar em pé de igualdade com o comum dos seres humanos. É certo que tem a missão de ajudar quem precisa, tratar, curar e aliviar o sofrimento com o mais elevado respeito que qualquer um merece. Ser humanista deveria ser o denominador comum de qualquer um de nós, mas o médico precisa dessa faceta tanto como o domínio da patologia, da terapêutica, da prevenção e da compreensão.
A posição do médico sofreu muitos dissabores nos nossos dias. Já não é um semideus, mas também não é um qualquer, porque quando as coisas correm mal é atacado como se fosse a personalização da maldade, o diabo em pessoa. São muito curiosas as transformações que têm ocorrido e continuam a ocorrer. Ser-se médico é aceitar certos riscos, até riscos de errar. O erro está sempre presente nas nossas atuações e não pode ser considerado como negligência, nem de perto nem de longe. Explico muitas vezes aos meus alunos que o erro está, probabilisticamente falando, nas nossas decisões, e, até, é possível, matematicamente, de o quantificar. O problema é quem está do outro lado que interpreta o erro, ou uma evolução desfavorável, como sendo sinónimos de negligência ou de incompetência. Atendendo à forma como estão estabelecidas as relações entre a população e os médicos, é fácil de compreender o que pode acontecer. Para agravar este fenómeno, não é, também, estranho o papel "divulgador" e mediático que a comunicação social utiliza para se abastecer de audiências e alimentar as tragédias humanas.
Qual foi a razão de escrevinhar estes considerandos? Muito simples. Uma colega confidenciou-me a história de uma jovem médica que viu um senhor de idade. Foi num centro de saúde. Examinou-o e aconselhou-o, caso não melhorasse com a terapêutica instituída, a se deslocar a um serviço de urgência para fazer um raio-X visto não existir naquela unidade de saúde. Passados uns dias recebeu uma carta da filha do octogenário a insultá-la de uma forma que eu classifico verdadeiramente obscena culpando-a de o pai sofrer uma pneumonia e ter ficado hospitalizado. Os termos em que se expressou revelam uma personalidade malévola que provocou profundo mal-estar e sofrimento na jovem médica que acabou por perder o seu avô no dia seguinte devido, também, a uma pneumonia depois de ter saído do hospital.
A queixosa, enfurecida, descarregou sobre uma jovem médica a sua ignorância, que é o menos, mas deixou transpirar o seu verdadeiro caráter. A jovem colega, que poderá ter sido minha aluna, atuou de acordo com a legis artis. Certas situações não são diagnosticáveis num determinado momento porque não atingiram o estado florido, logo, não é possível detetá-las precocemente.
Gostava de a confortar e de a ajudar. Chora pela injustiça e ofensas que lhe foram feitas e chora pela morte do seu ente querido. Nada que me espante conhecendo como conheço a natureza humana.
Coitada da jovem médica, escolheu uma profissão bem difícil, mas em todas as profissões se sofrem incompreensões ou injustiças, há pessoas que parece que acham que os outros têm a obrigação de lhes aturar a agressividade e a má educação.
ResponderEliminarA questão da estatística é parte da iliteracia portuguesa (e não só) mas que é agravada pela total ignorância (esta sim, muito "tuga") da estatistica como factor de decisão. E isto é vem do pior que a educação portuguesa tem. Há uma razão pela qual a médica decidiu e não passou o dito senhor a caso de "House, MD". Porque se fizesse colocava em perigo todos os outros que assistiu e não teria assistido.
ResponderEliminarEsta educação dos custos de oportunidade, da responsabilidade que se tem que ter sobre o colectivo e ter que decidir pela estatística, tudo isto são matérias exóticas mas para os mais "educados" dos portugueses.
Cansados e exaltados, uns dos outros mas, ainda animados pela sensatez do bem-querer, vamos indo, de trambolhão em trambolhão, errantes, desconfiados mas permanentes. Permanentes em tudo; na estupidez, na ignorância, (que é filha da outra) e solidários.
ResponderEliminarO problema, a meu ver, é que muitos ainda têm presente na memória, o velho médico que diagnosticava com infalibilidade e sem recurso aos equipamentos sofisticados, eletrónicos que hoje existem. Foram os da geração do esternocleidomastóideo ...
;)
Antes, quando certas doenças não rinham tratamento, os médicos resignadamente informavam os familiares dizendo que: a ciência não conhece ainda o tratamento para tal doença. Hoje, talvez fruto dos avanços científicos no estudo do diagnóstico e tratamento das doenças, essa hipótese, no imaginário dos comuns mortais, deixou de se colocar. Hoje, a medicina tem obrigação de curar qualquer tipo de mal.
Ólarecas...
Caro Dr. Massano:
ResponderEliminarCompreendo perfeitamente a sua indignação pela "afronta" à sua jovem colega, mas parece-me que está a falar sem ter ouvido a outra parte e, sòmente, baseado na informação de outra colega, mais experiente. Meu caro, permita-lhe que assim o trate, isso é entrar naquilo de que a classe médica é mais acusada, o corporativismo quase selvagem e isso, confesso honestamente, não esperava vindo de si. Não o conheço, quer pessoal quer profissionalmente, só da sua intervenção no 4R, defendendo posições e valores que muito aprecio e deixando sempre uma imagem de muito humanismo. Por tal o meu espanto.
Aproveito e conto-lhe que ontem (16/01/2014) telefonou-me um bom amigo, muito indignado porque a filha, grávida, tendo estado em contacto com uma sobrinha doente de varicela, foi a um hospital público no Centro/Norte de Portugal e foi atendida por uma médica que lhe disse: olhe, vá para casa e reze para que esteja imune. Acha bem?
Felizmente, outra médica, talvez mais experiente e responsável a quem, insatisfeita com a resposta, se dirigiu, encaminhou-a para outra unidade hospitalar onde se poderia avaliar da imunidade e, em caso negativo, intervir medicamente (intervenção só possível em tempo limitado) para prevenir quaisquer efeitos da varicela no feto. Foi o que fez e felizmente, estava mesmo imune. Quis esta médica saber quem tinha sido a primeira a atendê-la, não sei se lhe disse, mas sei que o meu amigo vai intervir junto dos responsáveis hospitalares para que, em acareação, as coisas fiquem muito bem explicadas.
E mais não digo.
Tive conhecimento do teor da queixa. Não transcrevi o conteúdo que constitui a posição escrita da senhora. Confesso que não é nada agradável.
ResponderEliminarE mais não digo.