Há hoje uma
percepção clara de que os sistemas públicos de pensões estão em risco, os
actuais pensionistas sofrem mais cortes nas pensões e as gerações mais novas
não têm confiança no sistema, sentem que o seu esforço contributivo não será
compensado, querem mudanças.
O Estado não
adequou o seu papel à nova realidade demográfica e económica e à herança do
sistema de pensões existente. Essencialmente, o Estado não introduziu a
partilha de responsabilidades e riscos na formação das pensões e não limitou as
suas obrigações, continuando a prometer o que não pode dar, viciando-se num
ciclo doentio de criar e frustrar expectativas, originando iniquidade entre
gerações.
Estamos
perante um desafio de mudança de paradigma, ou seja, é necessário um novo
contrato social que reponha a equidade intergeracional na repartição do esforço
financeiro e dos direitos entre as actuais e as futuras gerações. Esta mudança passa
por o Estado deixar de prometer o que não pode dar, incentivar as pessoas a
participarem mais e por mais tempo na força de trabalho e encorajar as pessoas (e
as empresas) a pouparem para a reforma. Ou seja, as pessoas devem participar
activamente na construção da sua reforma, as pensões a receber por cada um serão
função do capital acumulado das suas contribuições sociais e da sua poupança,
ou seja, estarão dependentes do seu esforço e do desempenho da economia e
reflectirão a evolução demográfica.
Neste novo quadro
assumem especial relevância as actuações e medidas que visem criar um
verdadeiro pilar de poupança complementar para a reforma que contribua para a
melhoria dos níveis de protecção na velhice, promovendo uma nova filosofia de
vida perante a reforma e uma forte cultura de responsabilidade social colectiva
e individual. A responsabilidade social das empresas assume aqui um papel
fundamental.
Cada vez mais
a responsabilidade social não é vista como um custo, mas como um investimento,
e as empresas já assumem essa distinção. Tem-se assistido a um movimento
interessante no mundo empresarial e também na forma como os cidadãos se
comportam face aos grandes temas sociais.
Nas sociedades
mais desenvolvidas, as empresas começam a tomar consciência de serem agentes
sociais activos, pelo que têm que ter em conta na sua actividade outros
factores e necessidades que extravasam o lucro imediato. A responsabilidade
social deve integrar voluntariamente preocupações de natureza económica, social
e ambiental, indo para além do estrito cumprimento das obrigações legais.
Os gestores e
os empresários devem olhar cada vez mais para as condições económicas e sociais
que proporcionam aos seus trabalhadores e respectivas famílias, na dupla
perspectiva de contribuírem para o seu melhor desempenho e para o
desenvolvimento sustentável. A responsabilidade social pode e deve ser um
agente de mudança positivo para uma sociedade mais solidária, mas também mais
sustentável, conciliando o presente com o futuro.
Gostaria de
partilhar algumas ideias sobre como é que a responsabilidade social na dimensão
pensões de reforma se pode expressar:
- Intervenção
activa e assumida das empresas na criação de planos de pensões complementares
aos sistemas públicos a favor dos seus trabalhadores.
Incorporação
nas estratégias de responsabilidade social das empresas de objectivos e
mecanismos que valorizem uma abordagem salarial integrada que concilia
benefícios imediatos e benefícios diferidos.
Esta cultura
tem sido um quase exclusivo de empresas multinacionais que adoptam em Portugal
políticas de responsabilidade social praticadas pelas suas “casas mães” e de grandes
empresas nacionais que, competindo no mercado global, alinham com as melhores
práticas internacionais.
Esta cultura
de responsabilidade social passa por informar e explicar aos trabalhadores os níveis
de rendimento na velhice dos sistemas públicos de pensões e por sensibilizá-los
para a necessidade de contribuírem para a formação da sua pensão, poupando,
desde muito cedo, para a reforma.
- Adopção
pelas empresas de políticas salariais que englobem a componente de benefícios
diferidos, designadamente, planos de pensões complementares de reforma,
assumindo o seu custo como um investimento de longo prazo e apoiando os
trabalhadores a fazerem escolhas responsáveis.
Estas práticas
são ainda pouco comuns em Portugal. As empresas são um veículo importante para
alterar a cultura vigente totalmente centrada numa filosofia salarial de
benefícios imediatos para uma cultura que integra a preocupação com a reforma
ao longo da vida activa.
- Esta cultura
de responsabilidade social deve ser estendida às entidades representativas dos
trabalhadores e das empresas, conferindo-lhes uma nova lógica de contratação e negociação
colectiva em que os benefícios diferidos devem fazer parte das preocupações com
os direitos e interesses dos trabalhadores futuros pensionistas.
Em muitos
países europeus estas estruturas – sindicais e patronais - constituem-se,
inclusive, como promotoras de planos de pensões para a reforma, integrados ou
não em sistemas públicos de pensões, assegurando a sua gestão e controlo.
Se a
responsabilidade social das empresas pode e deve abarcar esta nova dimensão, às
políticas públicas exige-se visão de longo prazo e urgência na implementação de
reformas estruturais capazes de gerar a inclusão de toda a sociedade na
resolução dos problemas que o Estado por si só é incapaz de solucionar. Estas
reformas estruturais não são apenas arquitecturas ou modelos, não se reduzem à
dimensão aritmética do orçamento e financiamento. São reformas que implicam
mudanças de comportamentos individuais e colectivos. O Estado tem aqui um papel
importante, para o bem ou para o mal, para o melhor ou para o pior.
Também neste
particular gostaria de partilhar o que se deve esperar da responsabilidade
política:
- Necessidade
de um “pacto para um novo contrato geracional” no sentido de se adoptar uma
nova geração de políticas públicas que definam quadros fiscais e regulatórios imbuídos
de uma visão estruturante sobre os sistemas de pensões e, designadamente, sobre
o papel fundamental do pilar de poupança complementar para a reforma na
adequação dos rendimentos na velhice a uma vida digna e de bem-estar.
Um quadro de
estabilidade e previsibilidade das políticas sociais e fiscais é fundamental. Ora
há muito que estes valores se perderam nas políticas fiscais e regulatórias. A
instabilidade destas políticas é um problema crónico do nosso País, que mina a
confiança dos agentes. Esta actuação sinaliza, também, uma falta de visão estratégica
por parte do Estado, quando dele se espera a capacidade de, juntamente com a
sociedade civil, criar um quadro favorável à poupança para a reforma. Já não se
trata de uma opção, mas sim de um imperativo.
O Estado não
deve atrapalhar e dar sinais contraditórios sobre a necessidade de poupança
para a reforma. A actuação do Estado tem sido, neste particular, tudo menos
coerente. São muitos os exemplos, desde a “nacionalização” de fundos de pensões,
às políticas fiscais avulso e ziguezagueantes ditadas pelas conjunturas
orçamentais e à intervenção monopolista do Estado que promete pensões, ao mesmo
tempo que lhes vai ditando a redução porque não tem como as pagar. A este
propósito veja-se o caso da “contribuição extraordinária de solidariedade” (CES)
estendida às pensões e rendas vitalícias, provenientes de fundos de pensões e
seguros, resultantes de património acumulado de poupança privada para a reforma.
- Necessidade
de uma política de comunicação que informe e explique aos cidadãos, aos agentes
económicos e sociais e às estruturas institucionais os problemas e as
incertezas dos actuais sistemas públicos de pensões. Este ponto é tanto mais
importante quanto as pessoas, encontrando-se informadas, estarão melhor
preparadas para o facto de elas próprias fazerem parte da solução.
Espera-se,
portanto, uma outra atitude de responsabilidade política, não escondendo a
realidade e não gerando falsas expectativas e promessas. Dada a grande
assimetria de informação existente entre os decisores políticos e os cidadãos,
é um imperativo político e ético que os governos alterem o paradigma das
decisões “silenciosas”, que sejam transparentes e falem com verdade às pessoas.
A visibilidade social e fiscal é uma condição necessária ao sucesso da mudança
de comportamentos.
Os tempos mais
difíceis são tempos de oportunidade. Obrigam-nos a repensar modelos, formas de
estar e de viver e a aceitar novos caminhos que até aí não eram questionados.
São muitos os paradigmas até agora aparentemente inabaláveis que necessitam de
dar lugar a novos paradigmas que apelem a novas dimensões e formas de
responsabilidade.
Texto publicado na Revista Economia e Segurança Social, Dezembro/Janeiro 2014
Também nesta matéria o estado não pode reservar só para si próprio todas as "despesas". O contributo das empresas e do individuo são fundamentais. Como em tudo o resto em Portugal, este é um assunto que nem sequer se discute.
ResponderEliminarBoa tarde.
ResponderEliminarVi o seu nome Corrêa e fui ver ao Geneall e reparei que seu Avô era o Ser. António Augusto Correia de Aguiar. De duas uma, ou corrige a grafia que usa ou pede que alterem a do Geneall a não o fazer talvez esteja a usurpar o nome de Corrêa.
Não leve a mal o meu reparo.
Estimada Margarida Corrêa de Aguiar,
ResponderEliminarOs fundos complementares de pensões
são, se os seus estatutos não prevêm o resgate, nas condições actuais de tributação confiscatória em sede CES, um logro.
Só os mal informados ou distraídos continuarão agora a contribuir para fundos sujeitos a uma tributação iníqua, a que nenhuma outra forma de poupança voluntária está sujeita.
Escrevi hoje um apontamento no meu bloco de notas a propósito de alguns conceitos e preconceitos que distorcem a verdade da situação da segurança social hoje em Portugal.
Excelente apontamento, Margarida.
ResponderEliminarAh, como é bela a responsabilidade social das multinacionais!
ResponderEliminarCaro Luis Moreira
ResponderEliminarÉ um assunto que precisa de ser discutido. A necessidade de poupança para a reforma deveria ganhar uma importância acrescida perante as dificuldades financeiras dos sistemas públicos de pensões.
Caro Rui Fonseca
Não faz sentido a aplicação da CES a pensões privadas. Já o escrevi por diversas vezes. Não só não reduz a despesa pública - argumento utilizado nos OEs para justificar a criação da CES, a par com o argumento da sustentabilidade dos sistemas públicos de pensões - como põe em causa a criação de planos complementares de reforma de iniciativa empresarial. Situação que é grave quando é necessário desenvolver este pilar.
Vou ler as suas notas.
Caro António Barreto
Sugiro a leitura desta notícia, a propósito da criação pela Autoeuropa de um fundo de pensões a favor dos seus trabalhadores: http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/detalhe/fundo_de_pensotildees_da_autoeuropa_foi_criado_a_pensar_no_futuro_dos_trabalhadores.html
José Mário
ResponderEliminarVai-se tentando escrever umas coisas, a matéria das pensões é muito árida...
Para que se possa complementar o que aqui é exposto e bem vale a pena ler o post de aliastu.blogspot.pt bem como ver o que tem acontecido nos EUA a fundos de pensão privados que abrem falencia e as pessoas só têm uma saida = voltar a trabalhar seja qual seja a idade _ a cidade de Detroit aconteceu isso na sua falencia.
ResponderEliminarOs eleitores que "olhem" para quem votam com mais do que fé se não querem acordar num pesadelo, de que não há troika que nos ajude.
Caro António Cristóvão
ResponderEliminarO seu comentário suscita-me um esclarecimento. Os planos complementares de reforma como o nome indica - sejam de iniciativa empresarial ou de iniciativa individual - complementam as pensões públicas que devem constituir o principalmente pilar. Os planos de pensões de empresas a favor dos seus trabalhadores insere-se nesta lógica, assim como a poupança individual em PPR.
Excelente reflexão, margarida, resta saber o que é que vai sobrar dos imediatismos a que nos vimos obrigados e das necessidades orçamentais que só olham o défice de cada ano. Mas também teríamos que equacionar aqui a evolução do mercado de trabalho e o fim (será?) dos empregos permanentes e com longas carreiras contributivas. Segundo li no El Pais, em Espanho criou-se uma "taxa plana" ou TSU mínima por fios anos para as novas contratações permanentes, ora, quem é que paga a diferença das contribuições ou o que é que isto significa para o sistema, caso venha a ter a dimensão que se pretende como estímulo ao emprego jovem.
ResponderEliminarDrª. Margarida, um leigo como eu sabia que isto ia dar o estoiro, bastando olhar para 2 parâmetros. 1- Nº de pensionistas
ResponderEliminar2- 10% de 40 anos de descontos, dá para pagar a pensão durante 4 anos.
Se acrescentarmos que a média de descontos não chega a 30 anos, pior ainda.
Não sei se conheceu o Gen. Vasco Gonçalves, mas neste governo, descontos de 3 anos permitiram aceder à reforma.
Se somarmos as ditas comissões de vencimento, feitas a pensar no umbigo,conta uns milhares que, de Entidade em Entidade, acederam a pensões sem descontos justificáveis,com 3 e 4 anos de serviço.
Pior ainda, benesses à custa do aumento da dívida.
Cumprimentos
Suzana
ResponderEliminarOs sistemas de segurança social e o mercado de trabalho estarão cada vez mais interdependentes.
As políticas activas de emprego, designadamente de apoio à contratação, podem passar pela redução ou isenção temporárias do esforço contributivo das empresas. O caso espanhol de uma contribuição "flat" é uma variante. Mas estas políticas têm muitas vezes efeitos perversos, quando os apoios oferecidos servem para substituir trabalhadores empregados por trabalhadores desempregados. É por isso normal exigir que a contratação seja acompanhada da criação líquida de postos de trabalho e que estes sejam mantidos durante um período mínimo de anos. E nem sempre a despesa com estas medidas tem o retorno devido, medido pelo seu contributo positivo para o PIB. Os custos destas medidas devem ser pagos pelos impostos. Os sistemas de segurança social devem ser compensados. Não deveria haver almoços "grátis".
Caro opjj
Não há nenhum sistema de pensões que aguente essas benesses revolucionárias que descreveu.