Gosto de viajar à bolina. Nunca sei onde vou parar ou ver. Deixo-me conduzir pelos caprichos dos meus deuses que nunca me deixaram mal. Eu, que nunca lhes pedi nada, dou-me muito bem com esta forma de viajar. O tempo não convidava para grande coisa, mas mesmo assim meti-me a caminho. Correr com segurança afasta anseios e permite-me encontrar fontes de pensamento e de esperança. De repente encontrei-me no cimo de um monte a desfrutar a beleza agreste de umas belas fragas. A imponência do local, e o som das águas revoltas, que gritavam do vale profundo, afugentaram o frio e as gotas de água fina que teimavam penetrar no corpo. Não gosto de ser subjugado por ninguém, mas face à arquitetura do belo sou o primeiro a desejar o efeito do esmagamento da natureza. Continuei e esbarrei. Esbarrei num delicioso café que impregnou as minhas papilas por longos minutos obrigando-me a desfrutar outra fonte de prazer. O espaço, delicado, bem ornamentado, mas simples, tinha gente, gente que sorria, gente que delicadamente me cumprimentava. Senti uma sensação agradável ao ser tratado com cortesia e com suaves sorrisos numa terra desconhecida. Passeei e cruzei-me com algumas pessoas, novas e velhas, mas todas sorriam e davam-me os bons dias. Uma sensação de tranquilidade desejada a recordar os velhos tempos em que as pessoas se saudavam com expressão feliz. Ainda tive tempo de ir ao templo. Imponente, a igreja, uma espécie de fragas espirituais, subjugou-me com ternura. Belas obras, deliciosas telas, esculturas delicadas e um silêncio quente. Mais uma vez fui confrontado com a embriaguez em jejum do belo. O almoço não ficou atrás, em nenhum aspeto. Sóbrio, bem temperado, reparou o desgaste da manhã e preparou-me para o advir da tarde. A chuva caía sem cessar e o frio teimava em querer cortar-me a garganta, mas nada, nem ninguém, conseguiu impedir que desfrutasse mais uma vez a beleza, a arte e a forma sublime de estar na vida, criar. Entrei no museu de Figueiró dos Vinhos e fui mais uma vez subjugado pelo espaço, pelas gentes que me acolheram e pela riqueza do belo que ali dorme à espera de ser visto, admirado e amado. Foi o que eu fiz. Rezei ao belo naquele magnífico espaço. O Casulo de Malhoa prendeu-me e senti-me como uma crisálida desejosa de ficar ali eternamente ou, então, à espera de me transformar num outro ser. Sim, é possível transformar-nos noutros seres, é possível ser-se feliz. Ali, no Casulo de Malhoa, aprendi uma forma de poder ser feliz, criar. Uma palavra tão simples que pode dar significado e alegria a quem quer e procura viver. Fiquei feliz. Depois, ainda trilhei velhos caminhos, que fui rebuscar ao meu passado recente. Locais divinos e silenciosos, onde ouvi, vi, cheirei e imaginei os efeitos de águas sagradas. Tudo isto num dia de Entrudo. Não dei conta, nem precisei de me transformar, mas acabei por ficar diferente. O que mais desejo é sentir-me diferente, todos os dias, porque é a melhor forma de tranquilizar a minha mente.
Todas as almas precisam ser confortadas, acariciadas, apaziguadas. Nada melhor para o conseguir, que levar a alma a visitar locais, onde almas felizes, partilham com outras almas essa felicidade... uma "coisa" natural que lhes nasce debaixo dos pés e se dissipa pelo corpo e se concentra nas palmas das mãos, no brilho do olhar e no sorriso dos lábios.
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