terça-feira, 8 de abril de 2014

Almoço de domingo

As rotinas de almoçar aos domingos foram alteradas este ano. Durante muito tempo fui a uma espécie de "caverna" sociológica onde comiam pessoas de outras eras e épocas transplantadas para o nosso tempo, era uma espécie de "portal" onde podia ver, falar e conviver com almas que traziam consigo o passado para o meu presente. Tantas conversas ouvi, tantas crónicas escrevi e quanto aprendi. Depois acabou. Fiquei triste e andei à procura de um local para substituir a minha "caverna". Acabei por encontrar um espaço, agradável, simpático e com boa comida. Agora, que se já se passaram várias semanas desde o início do ano, estou a adaptar-me ao meu novo espaço. Já não é a minha velha "caverna", agora é uma área muito mais moderna. Mesmo assim, começo a registar instantes que me ajudam a digerir os meus momentos de almoço de domingo. Olho-os e analiso-os com discrição e muita atenção.
Hoje, o farfalhudo e sombrio "bigodes", atacava com desespero esfomeado o pobre cabrito. Revirava as peças do jovem animal e, calado, mastigava-o com prazer. O seu companheiro, que estava de costas, não me permitiu ver o que sentia ou fazia. Ao lado, um casal popular e meio pretensioso falava e comungava o repasto. Dali tem de sair qualquer coisa, pensei.
O almoço decorreu com naturalidade e satisfação. No final, o "bigodes" sombrio comentou qualquer coisa com a empregada. Vi que se sentiu um pouco incomodada. Liguei as antenas e ouvi-o a dizer que faltava qualquer coisa. A empregada respondeu que tinha, não sei o quê, então era pouco, disse o "bigodes", que rematou, sobranceira e parolamente, "não estava grande espingarda". Bacoco, pensei, então o gajo mamou o cabrito com um desejo voluptuoso e agora vem dizer que não estava grande espingarda. Bacoco, pensei.
Ao lado, o casal popular e meio pretensioso tinha pedido a conta. - Com fatura? Perguntou a empregada. - Se for com fatura ainda pode ganhar um Mercedes. - Não preciso, já tenho dois, disse o pretensioso. - Fatura! Fatura para quê? Disse a mulher. - O que eles querem é saber quem come fora de casa, porque se comem fora é porque têm dinheiro e depois aplicam mais impostos. São uns sabidos esses gajos das finanças. Não queremos faturas, porque não queremos que "eles" saibam que andamos a comer fora. Não queriam mais nada!
Enfim, afinal pode ser que arranje matéria para viajar, não no passado, mas num presente diferente do meu. De qualquer modo, posso afiançar que o grelhado estava mesmo muito bom. Delicioso e as conversas também.

3 comentários:

  1. Belo quadro, Senhor Professor. A lembrar a Obra de José Malhoa, intitulado "O Fado"!
    ;)
    Tive agora uma ideia; e se arregimentássemos os nossos Amigos Quartarepublicanos, e almoçasse-mos um destes domingos na sua novel caverna?!

    ResponderEliminar
  2. Vamos então promove-la?

    ResponderEliminar