Enfiei-me pela montanha e fui dar à aldeia de xisto perdida entre aqueles montes belos e sensuais enfeitados de envergonhadas urzes. Não estava previsto a visita, mas o dia convidava a isso, o sol tinha aparecido e aquecido a vontade de espairecer.
- Vamos lá abaixo beber uma água fresca?
- Vamos.
- No ano passado compraste um cesto naquela venda em que o dono assobiava e cantava sem cessar.
- Comprei. Está na cozinha. Vou ver se compro outro, não igual, ficam bem na cozinha.
De facto, está apetrechada de artigos típicos e populares do país dando-lhe cor, alegria, realçando a simplicidade de outros tempos. A conversa continuou enquanto a descida durou, relembrando o seu hábito que é adquirir qualquer coisa que obrigue a recordar os locais, as gentes e os costumes por onde passou. Relembrou um engenheiro francês que nunca conheceu, mas do qual herdou pequenas e grandes coisas a testemunhar os inúmeros locais por onde viajou. Curioso, pensei, herdar objetos, formas de estar e imitar alguém é dar vida e significado quem anda pelo além. Pequenas coisas ou objetos simples são suficientes para alegrar e dar vida à imaginação. A alimentação dos espíritos faz-se à custa de lembranças no futuro.
-Então vamos à venda do castiço. Fomos direitinho. Estava sentado da parte de fora ao lado de um estendal de artesanato variado. Estava a assobiar. Da outra vez estava a cantar. Saudei-o e entrei na venda. As mesmas coisas, desarrumadas, com o mesmo cheiro, algum pó e materiais velhos e decadentes. Não consegui encontrar nada que me atraísse. Da parte de fora, agora a cantar, a pedinchar e a lamentar-se, usando as mesmas frases do ano passado, a minha mulher entregou-lhe uma pequena cesta e perguntou o preço. Pegou na cesta e depois de três ou quatro hum! avançou:- Vinte, vinte, bem posso fazer-lhe por trinta. Sorriu e continuou a revirar e a passar para dezasseis, até que lhe a entregou e disse: - Fica por doze e ainda perco! Mas se quiser uma mais pequena. Olhe aquela é mais pequena. Peguei nela e vi que era do mesmo tamanho. Peguei noutra ao lado, que era do mesmo tamanho, e tinha uma pequena etiqueta a dizer dez euros. - Afinal esta é de dez euros e do mesmo tamanho. Calou-se e fez a pergunta do ano passado: - De onde são os senhores? - De Coimbra. - Ah! Coimbra, Coimbra. Uma filha minha trabalhou numa loja na baixa e tenho lá uma irmã há sessenta anos, que é freira, e fiz milhares de quilómetros até lá, era taxista e levava pessoas doentes. Sim senhor, pensei, o homem é coerente, conta as coisas da mesma maneira. Desta vez não disse que tinha guardado as suas aventuras e experiências em cadernos que davam para um filme e um bom livro. Com a cesta na mão e uma nota de dez euros na outra continuamos a conversar, até lhe a passar para a mão. Aceitou como se não tivesse dado por nada, desejou-me boa viagem e até à próxima. Sentou-se e começou a cantarolar canções antigas da montanha, divertidas, na sua voz esganiçada. Um verdadeiro cigano das serranias de Portugal.
Valeu a pena a viagem, o pequeno cesto de palha entrelaçada, a conversa, a história e a lembrança que irá habitar a velha cozinha para um dia ser recordada.
- Vamos lá abaixo beber uma água fresca?
- Vamos.
- No ano passado compraste um cesto naquela venda em que o dono assobiava e cantava sem cessar.
- Comprei. Está na cozinha. Vou ver se compro outro, não igual, ficam bem na cozinha.
De facto, está apetrechada de artigos típicos e populares do país dando-lhe cor, alegria, realçando a simplicidade de outros tempos. A conversa continuou enquanto a descida durou, relembrando o seu hábito que é adquirir qualquer coisa que obrigue a recordar os locais, as gentes e os costumes por onde passou. Relembrou um engenheiro francês que nunca conheceu, mas do qual herdou pequenas e grandes coisas a testemunhar os inúmeros locais por onde viajou. Curioso, pensei, herdar objetos, formas de estar e imitar alguém é dar vida e significado quem anda pelo além. Pequenas coisas ou objetos simples são suficientes para alegrar e dar vida à imaginação. A alimentação dos espíritos faz-se à custa de lembranças no futuro.
-Então vamos à venda do castiço. Fomos direitinho. Estava sentado da parte de fora ao lado de um estendal de artesanato variado. Estava a assobiar. Da outra vez estava a cantar. Saudei-o e entrei na venda. As mesmas coisas, desarrumadas, com o mesmo cheiro, algum pó e materiais velhos e decadentes. Não consegui encontrar nada que me atraísse. Da parte de fora, agora a cantar, a pedinchar e a lamentar-se, usando as mesmas frases do ano passado, a minha mulher entregou-lhe uma pequena cesta e perguntou o preço. Pegou na cesta e depois de três ou quatro hum! avançou:- Vinte, vinte, bem posso fazer-lhe por trinta. Sorriu e continuou a revirar e a passar para dezasseis, até que lhe a entregou e disse: - Fica por doze e ainda perco! Mas se quiser uma mais pequena. Olhe aquela é mais pequena. Peguei nela e vi que era do mesmo tamanho. Peguei noutra ao lado, que era do mesmo tamanho, e tinha uma pequena etiqueta a dizer dez euros. - Afinal esta é de dez euros e do mesmo tamanho. Calou-se e fez a pergunta do ano passado: - De onde são os senhores? - De Coimbra. - Ah! Coimbra, Coimbra. Uma filha minha trabalhou numa loja na baixa e tenho lá uma irmã há sessenta anos, que é freira, e fiz milhares de quilómetros até lá, era taxista e levava pessoas doentes. Sim senhor, pensei, o homem é coerente, conta as coisas da mesma maneira. Desta vez não disse que tinha guardado as suas aventuras e experiências em cadernos que davam para um filme e um bom livro. Com a cesta na mão e uma nota de dez euros na outra continuamos a conversar, até lhe a passar para a mão. Aceitou como se não tivesse dado por nada, desejou-me boa viagem e até à próxima. Sentou-se e começou a cantarolar canções antigas da montanha, divertidas, na sua voz esganiçada. Um verdadeiro cigano das serranias de Portugal.
Valeu a pena a viagem, o pequeno cesto de palha entrelaçada, a conversa, a história e a lembrança que irá habitar a velha cozinha para um dia ser recordada.
Diz a voz da razão que, liberdade, é poder ter a opção de escolha. No caso presente, a opção de escolha resultou em economizar 10 € e a não "enfiar o barrete".
ResponderEliminar;)
Eu diria que esse comerciante não inova, entregou-se à rotina e é pouco agressivo com a concorrência ou seja, está liquidado...mesmo que continue a assobiar à porta por muitos e bons anos, e oxalá que sim.
ResponderEliminarE para que deveria ele incomodar-se em inovar, cara Drª Suzana? Não possui já o alegre comerciante, dois fieis clientes, que lhe garantem o sucesso do negócio?!
ResponderEliminar;))
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarVem visto, caro Bartolomeu, mais vale poucos e bons, é a velha sabedoria contra a do descartável...
ResponderEliminarSabedoria essa que, a ser aplicada em diferentes locais e a diferentes níveis, estou certo, obteria sucesso idêntico!!!
ResponderEliminar;)))