quarta-feira, 25 de junho de 2014

O País silente

Há dias ouvi alguém a dizer num programa de rádio que, no regresso à sua aldeia natal depois de muitos anos dela afastado, o chocou sobretudo o silêncio. O silêncio plumbleo num dia de sol por não se ouvirem os gritos das crianças que preenchiam ainda a recordação daquele sítio. Tinham sido dali levadas, pela manhã, por uma carrinha da freguesia para o centro escolar na sede do concelho onde se concentram agora professores e crianças. 
Ao mesmo tempo que o PM português reclama da Europa políticas ativas de natalidade, a política caseira, há muito definida, opta pelo fecho das escolas do interior, um passo mais para a consumação do que muitos entendem inevitável e tem marcado as políticas de PS, PSD e CDS: o despovoamento das zonas rurais e a aposta em eixos de grandes e médias cidades.
A caminho dos 85% da população acantonada no litoral, o fecho das escolas, dos tribunais, dos serviços públicos essenciais, a obsolescência  inevitável de infraestruturas são mera consequência de políticas que só são contrariadas no discurso eleitoral ou quando a situação passa a oposição.
O empobrecimento do país tem vários caminhos. Uns mais visíveis que outros. Quem tem o poder de decidir preocupa-se muito com outras dimensões da democracia que não a democracia territorial. E, infelizmente, o desgaste do prestígio que em tempos teve o poder local também não contribui para travar o declínio.
O arrependimento virá um dia num país que seguramente terá menos recursos para apoiar a inversão das políticas de hoje.

16 comentários:

  1. José Mário
    Tudo temos feito para despovoar o interior do país. As consequências estão à vista. É uma parte da nossa identidade que está a desaparecer. Vamos necessariamente ficar mais pobres. Nunca fomos capazes de estabelecer um plano de desenvolvimento regional inserido num modelo mais vasto de desenvolvimento económico, aproveitando os muitos recursos espalhados pelo território. Falta de visão, mas sobretudo falta de cultura! Basta viajar na Europa e ver o contraste.

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  2. Anónimo11:04

    Caro Ferreira de Almeida, dada a população do país é possivel ou, sequer, desejavel, manter os pequenos povoados do interior? Lugares que não têm massa crítica para nada nem coisa nenhuma e custam rios de dinheiro a manter?

    É ilusório pensar-se que podem manter-se todas as terras e terreolas que existem pelo rectângulo fora. Outrossim talvez não fosse má ideia seleccionar duas ou três capitais de distrito, apostar nelas e investir de forma a que essas ganhem população e cresçam com o objectivo de um dia, talvez, poderem ter massa crítica para evoluirem por si.

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  3. Meu caro Zuricher, não sei bem o que é "massa crítica" neste domínio. Prefiro pensar que se trata de pessoas. Pessoas, que têm o mesmo direito a ter uma vida condigna do que aqueles que vivem nas cidades.
    Não prefiro um país que diga aos meus pais, que optaram por viver no interior, que para terem acesso a melhor saúde, numa fase da vida em que ela vai faltando, que têm de se mudar para a cidade média mais próxima ou conformar-se com a decadência do corpo e do espírito porque vivem no território errado.
    Ou à minha irmã que é educadora de infância numa terra votada aos esquecimento, ou à filha dela que se licenciou numa universidade do interior, que às gerações delas não resta se não a emigração para onde nunca pensaram ser o seu destino.
    Sei que muitos consideram que a aposta em políticas de sustentabilidade de um território que também é Portugal é nos tempos que correm uma quimera, um assomo de romantismo. Mas, estou convencido, regressarão os dias em que olharemos para o interior como a reserva que nos resta para alimentar aqueles que se fixaram no litoral.
    Custa muito dinheiro manter o interior aberto às pessoas? Custa, seguramente. Para isso, dizem-me, pagamos impostos. Para isso trabalho 7 meses no ano em que o rendimento do meu trabalho é entregue ao Estado para que o Estado o distribua com justiça e equidade. Também territorial.
    Não estão feitas as contas, nem sei se essas contas podem ser feitas, sobre quanto custa manter as infraestruturas das grandes cidades, o esforço de as fazer não só centros de consumo mas também de produção como têm de passar a ser se quiserem ser sustentáveis. Quando forem feitas, talvez nos surpreendamos...
    O caminho que aponta o meu caro Amigo - selecionar duas ou três capitais de distrito e apostar no seu desenvolvimento - é o caminho que os governos têm trilhado, está definido em documentos estratégicos como o Plano Nacional de Política de Ordenamento do Território, e vem sendo seguido sem desvios. Erradamente, no meu humilde entender.
    Também é muito discutível a ideia de que as infraestruturas do litoral custem "rios de dinheiro a manter". Obviamente que custam rios de dinheiro a manter PPP rodoviárias que atravessam o interior. Mas desengane-se quem pensa que essas infraestruturas beneficiam as povoações que vivem no interior do País. Essas foram construídas para ligar grandes e médias cidades, ligar o litoral à Europa. Em nada beneficiam o interior, bem pelo contrário têm sido o leit motiv para o encerramento dos serviços públicos de proximidade a uma população mais envelhecida e por isso deles mais carente. As outras, as escolas, os tribunais, os serviços de interesse geral, não têm de ser consideradas deseconomias. Lamento não ter dados, ninguém os tem. Mas há perceções que não precisam de dados para se aproximarem das realidades. Um dia serão feitas contas. E apurar-se-à quanto custa o funcionamento de um centro escolar, incluindo a sua manutenção, por comparação com as 10, 20, 30 pequenas escolas que fecharam. Custos sociais à parte. Pois se estes pudessem ser materializados em euros...

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  4. Se puder meter-me na discussão, já que discordo de ambos... :)

    Independentemente daquilo que achamos que deve ser, há uma realidade com que temos que lidar. E essa realidade diz-nos que a nossa aposta É infrastruturas no litoral e para o litoral. Está comprometida durante décadas, há zero a fazer na maior parte dos casos. Gostaria que não fosse assim, mas os meus conterrâneos acham que o estado deve apostar. E o estado apostou. Azar, agora temos que viver com isso. Tem os custos todos que sabemos que tem, mas não podemos defender que o estado actue e depois queixarmo-nos que o estado actuou.

    Há, obviamente, um país que não é só o litoral e que vai encontrando formas de voltar a renascer independentes das nossas escolhas do passado. Mas há outro que é para morrer. Não porque tenhamos decidido agora, mas porque o decidimos no passado. E, de acordo com essas escolhas do passado, as escolas são de facto para fechar, os tribunais também, etc. Podemos dizer que sem essas infraestruturas não vai haver população, é verdade. Mas podíamos ter votado noutros governos e noutros presidentes. Podemos agora alegar que existe um princípio de igualdade geográfica, pois devíamos ter pensado nele antes de apoiar quem os ataca.

    Resumindo, caro JMFA, não, não é para isso que trabalha 7 meses do ano. É para pagar as escolhas do passado.

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  5. Anónimo12:17

    Caro Ferreira de Almeida, no particular de Portugal não conheço trabalho nenhum mas há contas feitas em vários outros países quanto ao assunto. Nomeadamente quanto à massa crítica necessária a que uma região seja sustentavel e ganhe dinamismo. Pretender que todo o interior se mantenha é o caminho precisamente para que definhe por inteiro. E nem é só por causa do fecho de serviços públicos. Sem haver massa crítica suficiente num reduzido espaço não é possivel o dinamismo económico que, esse sim, permite que o interior não definhe.

    Não vejo que o governo (este ou qualquer outro anterior) venha promovendo uma rede de cidades médias no interior. Há tentativas tímidas mas não são decisivas. E mesmo essas poucas são mais fogo de vista do que outra coisa.

    Note que eu também gosto da vida calma e tranquila dos pequenos sítios. Por isso vim viver para uma pequena vila da província de Alicante. Mas quantas vezes dou por mim a olhar para uma série de coisas que aqui existem e a pensar no balurdio que custa a sua existeencia. Representam um dispendio per capita assustador.

    Por fim, as PPP rodoviárias. Efectivamente não serviram para desenvolver o interior como, aliás, qualquer técnico de transportes lhe diria antes delas serem construídas. Eu, aliás, escrevi-o em devido tempo. Existe a ideia errada de que a mera construção duma acessibilidade leva consigo o desenvolvimento. Não só a ideia em si é errada como, no caso de áreas muito deprimidas, a proximidade temporal da nova acessibilidade tem precisamente o efeito contrário, ou seja, deprimir ainda mais áreas que já o são com anterioridade. As acessibilidades são um elemento necessário para o desenvolvimento mas não são condição suficiente, de todo em todo.

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  6. Caro Ferreira de Almeida,

    Com a modernização dos processos agrícolas e a industrialização do país no século XX, muita gente veio dos campos para as grandes cidades do litoral: Lisboa, Porto, Setúbal, etc. A população a trabalhar na agricultura era de 42% em 1960 e é hoje de 12%. E cada vez mais envelhecida.

    Consequentemente, as pequenas cidades, vilas e aldeias (sobretudo do interior – longe dos grandes centros) têm vindo a mirrar continuamente, com o consequente fecho das escolas, dos tribunais, dos serviços públicos essenciais, a obsolescência inevitável de infra-estruturas, e por este caminho virão a desaparecer. Neste processo, a política pouco poderia fazer. Este processo deveu-se exclusivamente à revolução industrial.

    Mas estou absolutamente convencido de que, a mesma evolução tecnológica que arrastou milhões de pessoas dos campos para as cidades, vai impulsionar o processo inverso – o movimento em massa das pessoas dos grandes centros para as pequenas cidades, vilas e aldeias.

    A evolução exponencial dos computadores e das telecomunicações está-nos a trazer o teletrabalho, o tele-ensino, a telemedicina, etc., etc. etc. Ou seja, as pessoas já não precisarão de viver próximas do local de trabalho, da escola ou do gabinete do médico para terem acesso a todas essas realidades.

    Não ficaria nada admirado de assistir, no espaço de uma geração, ao despovoamento das grandes metrópoles e ao reflorescimento das pequenas cidades, vilas e aldeias.

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  7. Meus caros Amigos, agradeço os vossos comentários, estimulantes como sempre.
    Sem embargo do que cada um aporta a esta reflexão gostaria só de lembrar algo que julgo entre todos consensual: a política é, também, a atividade humana de combate ao determinismo. Por isso é que fazer política é fazer escolhas, contrariar o devir.

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  8. Creio, caro Amigo José Mário Ferreira de Almeida, que o arrependimento se um dia chegar, será, não dos políticos que nos governam, mas das populações que permitiram em troca de nada, que fosse manipulado e empenhado o direito de decidir o Seu futuro.
    Se esses seres abstratos decidem encerrar escolas em locais onde os números, concretos ou forjados, atestam a desnecessidade que existam, compete àqueles que lá vivem, àqueles que mantêm vivo o lugar onde a escola existe, que a mesma não seja fechada e que a desertificação ocupe o espaço. As populações têm o dever de resistir às decisões governamentais, quando as mesmas decidem em seu nome, contra a vontade e a necessidade das mesmas.
    Quando ganharmos essa consciência e encontrarmos as alternativas equilibradas capazes de suprir as necessidades que o governo nos subtrai, então estamos a dizer, de uma forma clara e inequívoca a esse governo que está a governar mal; que não está a corresponder à confiança que a população depositou nele, quando o elegeu para governar e que, a iniciativa regional, tem a solução alternativa, na sua capacidade de se organizar e de fazer, sem necessitar que façam por eles.
    E já agora, proponho que recordemos o tema do Simão e Garfu nkle: https://www.youtube.com/watch?v=L-JQ1q-13Ek.
    A idade média foi considerada a idade das trevas, sobretudo devido à completa falta de informação e de conhecimento a todos os níveis. Não deixemos que agora, em plena era de expansão dos meios de comunicação, o conhecimento seja limitado ao litoral de um país que se arroga moderno e plenamente integrado num contexto Europeu onde os avanços nas áreas do conhecimento, são um projeto e uma realidade incontornáveis.

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  9. Com tantos visionários Portugal está bem apetrechado.
    Caríssimo,meu Pai com mais de 100a, com a 4ª classe,mas inteligente, dizia; tive 7 filhos e nenhum ficou na aldeia. Mas, há muitos assim.Mandar bitaites é tão fácil.Dizem os brasileiros " Caiam na realidade"

    Cumps

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  10. Caro opjj, feliz o pai que vive 100 anos, e feliz o filho que dele herdou, por certo, a inteligência e a lucidez.
    Apareça sempre, meu caro opjj, nem que seja para se entreter com a visão alheia.

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  11. E eu que, desta vez, estou de acordo com o Diogo!

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  12. Percebo bem a angústia do Ferreira de Almeida, profundo conhecedor e bom executor do que aqui defende. Mas na verdade lutámos muitos anos contra a desertificação, construindo estradas (diz-se que demais), espalhámos centros de saúde e escolas -em 1992, lembro-me em concreto, o drama do início do ano era saber se as dezenas de novas escolas estavam prontas para abrir na data certa, equipadas e limpas - em finais de 90 decidiu-se estender a rede de gás natural até à raia espanhola, com o argumento de que era essencial para a fixação de empresas, vi estudos que calculavam a rentabilidade com base nessa dinâmica, enfim, esforços e investimentos fizemos, não sei se demais se de menos. O facto é que, tal como os nossos jovens, e não só, emigram hoje em massa para a Europa, minguando a nossa demografia e capacidade de criar riqueza tal como sentiu o interior e o Alentejo, foi impossível reter os que nasceram longe dos grandes centros, e não vejo como fosse possível impedi-lo. Talvez o caro Diogo tenha razão, também acredito que boa parte do rumo das coisas não depende da nossa capacidade de as prever e de as controlar, se calhar ainda bem. Há pouco mais de 10anos pasmávamos com a onda de imigração para cá, comentávamos como isso estava a mudar as vilas e as cidades, agora vêmo-los ir embora aos milhares, tal como vieram, foi porque os chamámos e porque os mandámos ir? Não foi, demos-lhes a liberdade de vir e não temos como os conter. É assim, mas isso não nos dispensa de fazer o melhor que podemos e sabemos a cada momento, e a avaliar depois os efeitos, bons e maus.

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  13. Caro Pinho Cardão,

    Esta minha opinião, fui bebê-la ao autor Alvin Toffler no seu livro a “Terceira Vaga” (que mudou a minha perspetiva das coisas).

    A dado ponto, Toffler diz mais ou menos isto: há 200 anos só um louco imaginaria que tanta gente, agarrada à terra há mais de 10.000 anos, emigrasse para as grandes cidades no espaço de uma ou duas gerações (graças á Revolução Industrial).

    Será loucura pensar que os computadores e as telecomunicações nos vão levar a abandonar as desumanas megametrópoles em que vivemos hoje, e nos encaminhe de novo para comunidades mais pequenas e mais saudáveis sob todos os pontos de vista?

    Abraço


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  14. Direi que tendo a estar de acordo com várias pessoas que manifestaram opiniões contraditórias, o que parece impossível.
    Passo a tentar explicar:
    1) O despovoamento do interior é um reflexo de profundas transformações sociais inevitáveis (ver aqui dois mapas muito expressivos: http://ambio.blogspot.pt/2011/07/portugal-1890-2001.html);
    2) Isso não significa que não deva ser objecto de discussão séria sobre o grau e a forma em que pode ocorrer esse despovoamento (ver aqui mais fundamentação http://ambio.blogspot.pt/2010/08/encerrar-o-pais-aos-poucos.html);
    3) Um exemplo claro de diferentes opções, com diferentes efeitos no território, e cuja sustentabilidade económica pode ser racionalmente discutida, sem resignação (http://www.publico.pt/ecosfera/noticia/antes-cabras-que-avioes-1629038).
    As minhas desculpas por tanto link, mas foi para encurtar o texto.

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  15. Anónimo13:46

    O despovoamento das aldeias e aldeolas que existiam unicamente devido à agricultura é inevitavel, sem dúvida. A mão de obra necessária hoje em dia nas actividades agrícolas é uma fracção da necessária há 100 anos.

    O despovoamento do interior não é inevitavel sendo, aliás, Portugal caso único na Europa de êxodo para apenas duas ou três metrópoles.

    As pessoas sairão sempre das suas aldeias e vilórias. Não é por não terem tribunal ou centro de saúde. Saem simplesmente porque não têm como governar a vida. A diferença é que havendo no interior cidades-médias com dimensão relevante e dinamismo, saem da aldeia para a cidade-média ao lado e, dependendo da proximidade, até podem não sair optando por ir e vir diariamente. Não havendo no interior cidades-médias dinâmicas as pessoas continuam a sair das suas aldeias e vilórias. Vão é para Lisboa e Porto.

    Havendo cidades médias o interior rural despovoa-se mas continua a haver gente no interior, nas cidades médias, cidades com dinamismo económico, que acabam por servir de âncora para uma região à sua volta. Não havendo cidades médias despovoa-se o interior rural e o interior urbano. Despovoa-se todo o interior em geral em prol de duas metrópoles no litoral e muito pouco mais.

    Em Portugal a história tem sido precisamente esta: despovoamento do interior em geral. E, aliás, continuará a ser.

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  16. O povo português, em geral, possui, entre várias, duas características assaz interessantes: é trabalhador; desde que subordinado a uma disciplina não suscetível de ser corrompida. É poupado, desde que, a trabalhar e a viver fora do seu país.
    Solução: Portugal precisa exportar os seus cidadãos e importar chineses.
    Alternativa: Não existe. Mas se existisse, seria: Definir regras, relativamente aos direitos e obrigações dos trabalhadores. Criar contrapartidas sociais, sérias e justas, relativamente aos impostos pagos pelos trabalhadores.
    Parece simples, não parece?! Pois é, mas neste país de emigrantes não é exequível. Na França, Alemanha, Luxemburgo, Inglaterra, África do Sul, Austrália, Holanda, Suécia, Dinamarca, sim. Por isso e porque gostamos de trabalhar com e para gente séria e honesta e que paga bem... emigramos!!!

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