O tempo é como a eletricidade, não se consegue armazenar para se utilizar mais tarde em perfeitas condições. Vem isto a propósito da polémica que se instalou sobre o novo "benefício" que modernissimas empresas tecnológicas estão a disponibilizar às suas trabalhadoras e que consiste em pagar-lhes o custo total ou parcial da criopreservação dos ovócitos de modo a poderem decidir pela maternidade quando tal for compatível com a sua vida profissional. Ou seja, trabalhe agora, seja mãe mais tarde, vença as limitações biológicas tão primitivas, para quê escolher se pode ter tudo, nós oferecemos!
É claro que esta brilhante ideia é apresentada com todos os ditames da virtude patronal, a tão reclamada conciliação do trabalho e da família vencida pela versão tecnológica do velho cada-coisa-a-seu-tempo, trabalhadora nova e mãe velha, finta-se a natureza com uns milhares de dólares e depois, é quando queiram. Pois é. Acontece que o problema biológico, chamemos-lhe assim, não se contorna com um congelador, pelo simples facto de que ser mãe ou ser pai de acordo com o relógio da natureza tem muito mais implicações do que a mera capacidade de procriar. Ter filhos aos 20 ou 30 anos ou ter aos 40 ou 50 não tem só a ver com o tempo livre para os criar, tem sobretudo a ver com a capacidade de os acompanhar, de ter força física e mental para tudo o que se passará ao longo desse maravilhoso, longo e difícil processo de crescimento. E, do ponto de vista das mães e, já agora, dos pais, quando é que a "carreira profissional" pode esperar um intervalinho para ir ali ter um filho e já venho? Aos 35, aos 40, aos 50? O que é o auge e o sucesso? Além disso, desconfio imenso de tanta generosidade patronal, de tanta peocupação com as mulheres jovens confrontadas com opções dilacerantes que assim se livram da escolha e pensam poder agarrar o mundo com as duas mãos. Desconfio porque o que se oferece não existe, é uma ficção, o tempo não se compra, não fica ali congeladinho até que o vamos lá buscar, os ovócitos até podem estar novinhos em folha mas as jovens já não são jovens, o casal já cumpriu a parte mais importante das suas vidas e um filho não é um berloque que se junta ao grupo quando finalmente se pensa que há lugar para ele sem ter que abdicar de coisa nenhuma que fosse importante.
Dir-me-ão, mas a pílula não suscitou as mesmas reacções, não foi considerada uma intromissão no livre curso da natureza, não se antecipou o fim da espécie se as mulheres pudessem evitar maternidades indesejadas? Sim, suscitou. Mas parece-me a mim que agora se trata de "penhorar" essa mesma liberdade, e não de a defender ou conquistar. Diria mesmo que se invertem por completo os termos da equação, o que foi conquista é agora "vendido" à empresa, que muito em breve passará a "gerir esse investimento" tendo em conta os seus próprios interesses e não os que supostamente ficariam do lado das briosas profissionais. Não é difícil imaginar como se considerará isso nos contratos e como essa "opção" passará rapidamente a condição.
Ter ou não ter filhos é hoje uma escolha possível dentro dos limites do relógio biológico, mas é uma escolha e, como tal, implica renúncias ou opções de vida, que é como quem diz, prioridades. Acreditar que se compra a eterna juventude, congelando-a, é ignorar que o tempo corre sem nós. Quer queiram quer não, a vida tem escolhas difíceis, e isso faz parte integrante da nossa liberdade, essa chama viva que, tal como o tempo, não resiste ao congelador.
Os problemas, são como as moedas; possuem sempre, pelo menos, duas faces. Isso permite-nos olha-los, meditar e encontrar, pelo menos, duas soluções para os resolver. E, tanto o surgimento dos problemas, como depois as soluções, surgem sempre num tempo próprio; nunca antes, nunca depois.
ResponderEliminarPrimeiro surgiu o problema da incompatibilidade da vontade de ter filhos, com os interesses empresariais, fazendo com que as mulheres inibissem e adiassem ou até mesmo desistissem de engravidar. Depois, surgiu o problema do surgimento das baixas taxas de natalidade e a necessidade de os casais terem filhos, necessidade esta que causou a estranha dúvida produzida pelo Chefe de Estado, Professor Aníbal Cavaco Silva «... mas porque não nascem mais crianças em Portugal?». Estas modernas empresas que o estimado Professor Massano Cardoso refere neste post, parece que encontraram parte da solução para o problema. Uma meia-solução rentável, suponho, no entanto... em tempo... talvez não no tempo certo, talvez até, completamente fora de tempo, se o tempo não tivesse reduzido até a liberdade, por força da necessidade de as mães poderem sê-lo, sem condicionalismos profissionais. Para que isso fosse possível, nunca poderíamos ter "evoluido" de um tempo em que a mulher era doméstica e procriadora. Nesse tempo, a moeda tinha uma só face, por conseguinte, não existia "o" problema. Com o despontar do tempo em que a mulher conquistou a liberdade de optar por abandonar a condição de doméstica e abraçar uma profissão fora de casa, nasceram dois problemas: o de consolidar uma carreira e o da incompatibilidade do tempo de gravidez, os direitos no pré e pós parto, com os objetivos das empresas e os prejuizos que decorriam dos tempos de ausência da mulher.
Como o estimado Professor refere, o mais certo é que num futuro próximo, passe a figurar nos contratos de emprego, uma clausula que obrigue a funcionaria a garantir um tempo de ausência de gravidez... ou coisa que o valha.
Aqui entre nós, caro Professor; desde que elas não se lembrem de mandar criopreservar os ovócitos e depois exigirem aos companheiros a vasectomia, só para evitar "acidentes de percurso" e possíveis indeminizações à empresa por incumprimento integral do contrato de trabalho...
Juro que às 09:13 horas ainda me encontrava sóbrio e sem ter feito (ainda) uso de qualquer substância psicotrópica.
ResponderEliminarPor isso, não compreendo o motivo por que troquei o nome da autora do post.
«Ha razões que a razão desconhece.» só pode!
Caro Bartolomeu,
ResponderEliminarFiquei muito orgulhosa por ter lido o meu texto como se fosse do Prof. Massano!, que melhor elogio do que esse? :) Quanto ao seu comentário, tem muita razão mas ainda assim não me parece que seja uma inevitabilidade que se seja "doméstica e procriadora" ou profissional integrada numa organização e com expectativa de carreira. Mas isso implica que se entenda que ter filhos não é só um desejo pessoal a realizar mas também uma necessidade da sociedade, como se vê hoje pelos apelos à natalidade. Enquanto as empresas não virem isso e pensarem só nos seus interesses imediatos, a solução passará pelo "congelamento" da maternidade em devido tempo mas não é certamente como forma de "conciliar" coisa nenhuma. É uma abdicação sem prazo e, em breve, uma dependência absoluta.
É errado privar uma rosa de receber os raios de sol que a fazem abrir, brilhar e tornar o mundo um lugar onde se sente prazer em viver.
ResponderEliminarEssa "abdicação sem prazo", cara Drª Suzana, remete-nos para uma questões pretinentes; a da continuidade da espécie humana e a da sua sustentabilidade. Se o assunto do adiamento da maternidade se vier a tornar "uma dependência absoluta", em poucos anos a sociedade irá transformar-se radicalmente, passando a haver poucos nascimentos e nenhuns velhos, o que sobra, será somente uma população de escravos sem outro objectivo que não seja o de trabalhar para satisfazer as necessidades básicas de subsistência.
A menos que uma nova consciência nasça e os seres humanos compreendam que as leis da natureza não devem ser radicalmente alteradas; quanto muito, ligeiramente adaptadas.
Suzana
ResponderEliminarInovação interessante que nos permite reflectir sobre que tipo de sociedade queremos ter e o que entendemos por família, felicidade, liberdade e trabalho. Levanta, necessariamente, questões éticas.
Enquanto há empresas que inovam no "congelamento", há outras empresas que apostam nos seus trabalhadores apoiando os filhos. Têm um entendimento de responsabilidade social bem diferente.
Sem natalidade, sem crianças, não haverá trabalhadores para dar continuidade à actividade empresarial, não haverá a inovação que todas procuram para vingarem e não haverá consumidores sem os quais as empresas não terão futuro.
De modo que a sobrevivência é também um valor que se eleva. Claro que o "canto da sereia" deslumbra muita gente...
Cá está um daqueles assuntos que gostava de ter uma opinião com que eu próprio concordasse. Devo dizer que o argumentário do post pôs muitos dos meus neorónios a votar a favor. Mas a oposição ainda não se rendeu...
ResponderEliminarE então que argumentos é que faltam, caro João Pires da Cruz? A oposição que se apresente :)
ResponderEliminarÉ claro que essa é a perspectiva certa, Margarida, a que resulta do reconhecimento do benefício mútuo que não seja só, por um lado, o do lucro da empresa e, por outro, o do suçesso na carreira profissional. Mas é mais fácil, no imediato, pagar o adiamento e acreditar que se congela a fertilidade...
Caro Bartolomeu, foi exactamente o que me respondeu uma jovem a quem pedi opinião,que isto é uma nova forma de escravatura e que é também a confissão das empresas de que "a conciliação do trabalho e da família é uma treta" ...para não falar da crua realidade que é a descriminação das mulheres.
Essa é a esperança que nos anima, cara Drª Suzana e nos deixa acreditar que é possível ainda que o mundo regenere a sua natural dinâmica. Uma dinâmica que inclui todos o que nele habitam em perfeita interação.
ResponderEliminarÉ nos jóvens que pensam e refletem como essa a quem a cara Drª colocou a questão, que deposito a esperança de que num futuro iminente, o reequilíbrio da estabilidade humana, passe a ser uma perioridade, em deterimento de outros "valores" que todos já percebemos, não passam de quimeras. Os jovens já compreenderam que a solidez do seu futuro, assenta em ações, em determinações e opções que não são as que estão a herdar e lhes estão a ser impostas, tanto pelos governos, como pela sociedade. Os jóvens já entenderam que o seu papel nestes tempos, é de criar e efetuar uma revolução... uma revolução de cidadania.
Os argumentos que faltam ptendem- se com aquela vozinha na cabeça que diz " ouve lá, mas alguma vez saberás o que é ter essa opção?". Um pouco como o aborto, posso ter toda a opinião que me apeteça mas, no fim do dia, não tenho um chip na cabeça a dizer-me a toda a hora que devo ser mãe. O que relativiza bastante a minha opinião e me faz pensar que não tenho razão.
ResponderEliminar«Ok. Há uma coisa que o estimado Amigo Cruz precisa saber...» ;)
ResponderEliminarNascemos e iremos morrer, estes são dois dados adquiridos; o primeiro já comprovado e o segundo a aguardar comprovação. Mas, interpõe-se a estes dois dados uma condição imperativa: estamos obrigados por uma vontade que julgamos pertencer-nos, a chegar do primeiro dado ao segundo, cumprindo um ou vários percursos. E estes percursos são compostos por sucessivas opções. Pode dizer-se que o percurso da vida de cada um de nós, é comparável a um labirinto que somos impelidos a "resolver" e a cada passo nesse labirinto, somos forçados a tomar uma decisão, mesmo quando a decisão que tomamos seja a de não tomarmos qualquer decisão. Isto, não nos condena a tomar somente decisões razoáveis, nem limita nossa razão para tomarmos as decisões. É interessante pensarmos num outro aspecto deste percurso... é que ele está limitado por um tempo, tem uma duração que desconhecemos e, apesar de não nos serem impostas metas a atingir durante esse limite de tempo, a nossa natureza... "aquela vozinha na nossa cabeça" diz-nos permanentemente que devemos tomar decisões, de acordo com a nossa consciência individual. O problema é que a sociedade actual, foi infectada por diferentes virus os quais na sua maioria, afectam directa e profundamente a nossa consciência colectiva impedindo-nos de optar conscientemente, em decidir de acordo com a razão que nos é ditada pela nossa consciência individual.
O caro Bartolomeu já me deu uma ajuda preciosa neste tema e na réplica ao dilema de que nos fala o caro João Pires da Cruz. Na verdade certezas absolutas não temos e as opções nunca são inteiramente livres, quanto mais não seja porque nos obrigam a pôr de parte a alternativa que temos que descartar quando escolhemos. Mas, entretanto, alguma coisa tem que apoiar as decisões e, no caso concreto de que falei, parece-me que esse apoio é bastante falacioso, precisamente porque parece apresentar uma solução para o dilema sob forma de adiamento contratado com terceiros.
ResponderEliminarCaros, o facto de a vontade nos pertencer ou não, de facto, é independente de haver opção. Isso é válido também para quando não há opção, por isso não pode ser usado como argumento para a condenar.
ResponderEliminarCaro João da Cruz, mas então podemos concluir que não vale a pena fazer juízos de valor sobre o que possa estar disponível, bastando não utilizar de acordo com a nossa vontade? Não sei se percebi a sua ideia...
ResponderEliminarPodemos sempre fazer juízos de valor sobre o que nos apetecer, a questão fica sempre no "tenho alguma coisa a ver com isso ou não?". Eu não consigo ter uma opinião porque estou naquele limite de não entender se tenho alguma coisa a ver com isso ou não. Sim, concordo consigo em tudo, a vida é feita de opções. Mas concordo que a existência da opção piorou a coisa? Se a senhora que antes optava por não ter filhos, hoje opta por congelar os ovos, é pior porquê? Porque lhe facilita a opção? Porque é anti-natura? Do que destas respostas me diz respeito é o meu ponto. E se soubesse responder...
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